Na pecuária leiteira, o contato e a interação entre as pessoas - seja o ordenhador, tratador ou o assistente técnico - e os animais ocorre de uma maneira muito intensa. Então, as atitudes e principalmente os comportamentos das pessoas próximas aos animais de produção terão um reflexo direto nas respostas fisiológicas e produtivas destes animais.
Segundo a psicologia, atitude é a composição de três componentes distintos: o cognitivo, o afetivo e o comportamental. O cognitivo refere-se ao conhecimento e às crenças de alguém em relação a algo; o afetivo está relacionado aos sentimentos da pessoa em relação ao objeto da atitude; e o comportamental refere-se às tendências comportamentais (vontade de fazer) do indivíduo em relação à determinada coisa (Fishbein e Ajzen, 2000). Já o comportamento, é composto por uma parte do intelecto (componente comportamental da atitude) e pelas normas e leis vigentes. Portanto, podemos resumir que atitude é tudo que uma pessoa pensa sobre algo e o comportamento é a ação, propriamente dita, com relação a algo.
A importância de conhecer a correta definição dos termos é necessária, pois facilita no momento de tomarmos alguma decisão relacionada sobre o assunto. Por exemplo, um tratador de bezerros que não tem um comportamento adequado pode não ter conhecimento suficiente para realizar tal tarefa, não ter boas recordações, lembranças, sentimento favorável relacionado ao trabalho ou, por último, não se sentir a vontade, não estar motivado ou confortável para executar o planejado. Assim, podemos avaliar quais os reais pontos inconvenientes para que o tratador de bezerros não faça as atividades planejadas da melhor maneira.
Existem vários trabalhos clássicos na literatura mostrando as consequências de interações negativas dos manipuladores com os animais, principalmente com suínos e vacas em lactação, mas pouco se tem mostrado desses efeitos nas bezerras leiteiras.
Em 2003, P.H. Hemsworth resumiu os principais trabalhos publicados até então e concluiu que o tratador tem um papel fundamental para aumentar a produtividade e propiciar um estado de bem-estar aos animais de produção (Figura 1).
Figura 1 – Modelo de interação humano-animal
Recentemente, um grupo de pesquisadores noruegueses (Ellingsen et al., 2014) decidiram estudar a ligação entre o comportamento do tratador e o de bezerros leiteiros, na tentativa de estabelecer quais comportamentos do homem estariam diretamente influenciando negativa e/ou positivamente os animais. Para avaliar o comportamento animal, uma avaliação da linguagem corporal deste foi utilizada como indicativo do seu estado de bem-estar. O trabalho foi desenvolvido em bezerros entre as idades de 3 a 298 dias, em 110 fazendas produtoras de leite na Noruega, sendo cinco bezerros avaliados aleatoriamente em cada propriedade. A amostra de tratadores consistia de 80% homens e 20% mulheres, com idade média de 46 anos.
O propósito do estudo não foi esclarecido ao tratador na intenção de evitar falsos comportamentos e permitir que o manejo normal da propriedade fosse realizado. Então, os pesquisadores pediram que o tratador realizasse uma medida do perímetro torácico dos cincos bezerros, na intenção de obter o peso do animal e avaliar a interação homem-animal. Após o período de observação o pesquisador classificou o tratador de acordo com os comportamentos: rápido, dominante, agressivo, medroso, paciente, cuidadoso, calmo, determinado, focado, inseguro, não cuida do animal, fala com os animais, abraça os animais, nervoso, violento e inclusivo. Logo após, a permissão para usar os dados foi solicitada aos tratadores.
Para avaliar o comportamento dos animais, o observador avaliou-os por 20 minutos e descreveu sua expressão comportamental de acordo com uma lista de 30 características: nervoso, frustrado, com medo, desfrutando, aflito, desconfortável, amigável, sociável, inquieto, calmo, confiante, agitado, doente, feliz, com medo, ocupado positivamente, relaxado, turbulento, curioso, brincalhão, tenso, agressivo, entediado, deprimido, ativo, alegre, irritado, vigilante, apático e indiferente.
Quatro descrições de manipulação foram identificadas entre os tratadores: calmo/paciente, dominante/agressivo, interage positivamente e inseguro/nervoso. Assim, os autores atribuíram o termo comportamento positivo para os tratadores que tinham interações positivas, conversavam/tocavam nos animais e que eram calmos/pacientes. Contrariamente aos tratadores que eram agressivos, barulhentos, inseguros e que utilizavam a força para manipular os animais, os quais foram classificados como comportamento negativo.
Assim, o trabalho mostrou que reações de medo e tensão apresentados pelos bezerros sempre estavam relacionadas com os manipuladores agressivos, inseguros e nervosos. Por outro lado, animais calmos, confiantes e amigáveis estavam associados com os manipuladores que tiveram os comportamentos de paciência, calma e que conversavam com os animais. Os bezerros mais agitados e nervosos foram mais imprevisíveis e inseguros durante a manipulação, aumentando assim o risco de lesões tanto no animal como no tratador. Além disso, esta situação pode gerar um ciclo vicioso, onde o manipulador tende a lidar com mais agressividade e os animais tendem a responder com mais medo, insegurança e agressão.
Por fim, os autores concluem que o comportamento animal e humano estão intimamente ligados, o que evidência a importância de um bom manejo; e que, não só o treinamento adequado dos tratadores, mas também a consciência do próprio comportamento, são essenciais para quem trabalha com bezerros. Com isso é possível adequar atitude e mudança de comportamento dos tratadores, melhorando assim a relação humano-animal e, finalmente, aumentando o nível de bem-estar animal.
Embora o trabalho não tenha avaliado o desempenho produtivo dos animais, sabe-se que a manipulação negativa eleva os níveis de adrenalina e cortisol os quais estão inversamente correlacionados com a produtividade animal. A contribuição desta pesquisa foi apresentar quais são os comportamentos dos tratadores que mais estão interferindo no bem-estar dos bezerros. Assim, podemos treinar e educar nossos colaboradores, que não apresentam as características desejáveis, seja no momento da contratação ou mesmo rotineiramente dentro da propriedade.
Exemplos de interação positiva tratador-animal.
Exemplos de interação negativa tratador animal.
Referências bibliográficas
Ellingsen, K., et al., Using qualitative behaviour assessment to explore the link between stockperson behaviour and dairy calf behaviour. Appl. Anim. Behav. Sci. (2014), https://dx.doi.org/10.1016/j.applanim.2014.01.011
Fishbein, M.; Ajzen, I. Belief, attitude, intention, and behavior: An introduction to theory and research. Reading, MA: Addison-Wesley, 2000.