A criação de bezerros leiteiros, principalmente do nascimento ao desaleitamento, exige boas práticas de manejo e muita atenção a detalhes. Estima-se que 75% das mortes de bezerros ocorrem até 28 dias de idade, sendo bem conhecido que a saúde e o crescimento de bezerros são dependentes de fatores que ocorrem antes, durante e logo após o parto.
Em muitas fazendas leiteiras, mesmo dentre aquelas que utilizam tecnologias inovadoras para alimentação e produção de leite, existem situações que colocam o bem-estar dos bezerros em risco, podendo resultar também em perdas econômicas. Por exemplo, falhas na ingestão de colostro podem resultar no aumento das taxas de morbidade e de mortalidade. Muitas vezes essas falhas (ou sucessos) dependem das ações das pessoas responsáveis pelo manejo, sendo evidente haver uma tendência para redução do tempo despendido em interações positivas entre as pessoas e os animais.
Há ainda predominância de interações aversivas, geralmente associadas a certos manejos (como por exemplo, transporte, medicação, vacinação, etc). Esta combinação, pouca interação positiva e muita interação negativa, geralmente levam os animais a desenvolverem estados emocionais negativos, como o de medo em relação ao homem, com conseqüências negativas sobre seu bem-estar e suas repostas produtivas (Lensink, 2002). Assim, o entendimento das relações entre nós (humanos) e os animais é muito importante para orientar as ações desenvolvidas no âmbito da produção animal, pois têm efeito direto na definição de estratégias de produção que irão influenciar tanto o bem-estar dos animais e a satisfação dos trabalhadores, quanto os resultados produtivos e econômicos da atividade.
O conceito de bem-estar é muitas vezes mal compreendido, em geral é assumido como o estado de perfeito equilíbrio físico e emocional de um dado animal com seu ambiente; esta concepção não leva em conta a condição de que há muitos estágios de se sentir bem, de fato em nossa opinião na prática é pouco provável encontrarmos um animal em estado de absoluto bem-estar.
Assim, assumimos ser melhor a definição apresentada por Broom e Johnson (1993) em que bem-estar é definido como estado de um organismo durante suas tentativas de se ajustar com o seu ambiente. De acordo com este conceito o bem-estar envolveria, em termos de qualidade de vida, todas as situações, desde aquelas que colocam a vida do animal em risco até outras em que ele estaria em plena harmonia com seu ambiente, não sendo, portanto sinônimo de estar-bem.
Um ponto importante no desenvolvimento de ações que promovam (melhorem) o bem-estar animal é buscar o conhecimento do comportamento do animal de interesse. No caso dos bovinos é importante saber que são altamente gregários, assim o alojamento de bezerros leiteiras em grupos, ao invés de individualmente, seria um passo importante em direção da melhoria de seu bem-estar (Bouissou et. al., 2001). Esta idéia encontra respaldo em outros autores, por exemplo, Nussio (2006), afirmou que muito embora a disseminação de doenças e o controle do consumo de ração sejam prejudicados, a criação de bezerros em grupos pode trazer algumas vantagens tanto para os animais como para produtores.
Uma destas vantagens seria a possibilidade de interação social mais cedo, muito importante para o desenvolvimento de comportamento social normal. Outra vantagem é maior espaço físico disponível para o animal, quando comparado a bezerros criados individualizados, o que também promoverá a expressão de comportamentos naturais com maior freqüência. A criação de bezerros em grupos também pode reduzir a necessidade de mão de obra relacionada ao tempo para a alimentação dos animais, assim como a limpeza de baias individuais ou transporte de casinhas. Porém, interação humano-bezerro pode diferenciar-se quando comparado com alojamento em grupo e alojamento individual.
Uma experiência interessante nesse sentido está sendo desenvolvida pelo nosso grupo (Grupo ETCO) na Fazenda Germânia, localizada em Taiaçu-SP, que tem um rebanho de 330 vacas em lactação e uma média de 20 nascimentos de bezerros/mês. Nesta fazenda a ocorrência de doenças (principalmente diarréia e pneumonia) e a taxa de mortalidade de bezerros eram muito altas; os bezerros eram mantidos em baias individuais e havia pouca interação positiva com os tratadores.
Este tipo de manejo, denominando manejo tradicional (MT) continuou sendo aplicado a um grupo de bezerros e um outro grupo recebeu o manejado racional que envolvia, dentre outras coisas, uma maior freqüência de interações positivas com as tratadoras e a criação em grupo (coletiva). Num curto espaço de tempo (menos de 30 dias) foram notadas mudanças expressivas, com decréscimo do uso de medicamento e na taxa de mortalidade. A partir dessa experiência os responsáveis pela fazenda resolveram adotar o manejo racional como rotina.
Com base no levantamento de dados da fazenda do período de setembro de 2004 a agosto de 2006 foi possível fazer uma comparação entre os dois tipos de manejo, caracterizando o período I (setembro de 2004 a agosto de 2005) como o de prevalência do manejo tradicional (MT) e o período II (de setembro de 2005 a agosto de 2006) como o de prevalência do manejo racional (MR).
No MT os bezerros eram alojados até 30 dias de idade em baias individuais (1,5 x 0,75m) instaladas dentro de um galpão (Figura 1), cujo piso era coberto com fina camada de maravalha; os bezerros recebiam em média 5 litros de leite por dia (em duas mamadas) em baldes individuais e havia oferta de ração concentrada e água a vontade. Posteriormente eram transferidas para casinhas tropicais (Figura 2), onde permaneciam até a desmama (por volta de 70 dias de idade). Nesta instalação a ração concentrada era oferecida duas vezes ao dia, com a inclusão de feno na dieta, sendo que a água era fornecida a vontade.
Figura 1. Bezerra alojada em baia individual.
Figura 2. Bezerra alojada em casinha tropical
MR os bezerros até 30 dias de idade eram mantidos no mesmo galpão, aumentando-se as dimensões das baias, que passaram a ser de 1,5 x 1,5m com o piso coberto por capim seco, com pelo menos 10 cm de cobertura (Figura 3); além disso, o leite passou a ser fornecido em baldes com bico (para o bezerro sugar) e enquanto mamavam eram escovados pelas tratadoras até terminarem de mamar.
Foram adotados os seguintes procedimentos de manejo: nos cinco primeiros dias de vida os bezerros recebiam colostro á vontade (da mesma forma que durante o MT, sendo no primeiro dia recebiam o colostro da própria mãe e nos quatro dias restantes era utilizado o banco de colostro da fazenda); do 5° ao 20° dia era fornecido 6 litros de leite/bezerro/dia, em duas mamadas por dia. Do 20° ao 30° dia a quantidade de leite diminuiu para 5 litros/dia; após a mamada da manhã os bezerros eram soltos em um piquete (Figura 4). Os bezerros entre 1 e 15 dias de idade permaneciam no piquete somente pela manhã, e retornavam para o galpão por volta de 11h, enquanto que os bezerros mais velhos permaneciam o dia todo no piquete, indo para o barracão somente por volta de 17h.
A ração concentrada e água estavam disponíveis à vontade no piquete e nas baias individuais.
Figura 3. Bezerro alojada em baia individual
Figura 4. Bezerros soltas no piquete após a amada
A partir do 30° dia os bezerros eram transferidos para um piquete, onde permaneciam até a desmama, por volta de 70 dias. Neste piquete havia uma pequena área coberta, onde ficava situado o cocho para oferta de alimentos, neste local recomendava-se a colocação de cama (capim seco) que deveria ser mantida sempre limpa e seca.
Entre 30 e 55 dias de idade os animais recebiam 4 litros de leite/dia, ainda em duas mamadas, com decréscimo progressivo até a desmama (com 3 litros entre 55 e 60 dias de idade já em apenas uma mamada, 2 litros de 60 a 65 dias e apenas 1 litro entre 65 e 70 dias de idade. O aleitamento nesta instalação também foi feito em balde com bico, e a escovação individual nos bezerros durante a mamada era mantida.
Ração concentrada e feno eram fornecidos duas vezes ao dia e os bezerros dispunham de água a vontade.
Com a adoção do manejo racional houve expressiva redução nas mortes de bezerros, de 6,67±3,85 para 2,25±2,21 mortes por mês para os manejos tradicional e racional, respectivamente (Teste t emparelhado: t=3,11; GL=11; P=0,01). Bem como foi menor a freqüência de uso de antibióticos, de 36,42±14,71 para 18,51±14,78 tratamentos por mês para os manejos tradicional e racional respectivamente (teste t emparelhado: t= 2,4; GL=11; P=0,035).
Além disso, ficou evidente que os bezerros submetidos ao manejo racional se mostravam mais ativos e vigorosos. Assim, além da melhoria dos índices de produtividade, o manejo mais íntimo e positivo com os bezerros possibilitou a obtenção de características comportamentais desejáveis.
Assim, concluímos que mudanças simples de instalações e de manejo podem melhorar as condições de vida de bezerros leiteiros, com reflexos positivos na sua saúde e taxa de sobrevivência. Para tanto devemos tratar cada bezerro como se fosse único, dedicando-lhe atenção e carinho.
Bibliografia consultada:
Broom, D.M., Johnson, K.G., 1993. Stress and animal welfare. Chapman & Hall, London, 211pp
Lensink, B. J., 2002. A relação homem-animal na produção animal. I Conferência Virtual Global sobre produção orgânica de Bovinos de Corte, 02 de setembro à 15 de outubro - Via Internet.
Nussio, C.M.B.; Comportamento ingestivo de bezerros leiteiros criados em grupos, disponível em www.milkpoint.com.br, com acesso no dia 06/07/2006.
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1Grupo ETCO - Grupo de Estudos e Pesquisas em Etologia e Ecologia Animal, Departamento de Zootecnia, FCAV-UNESP, 14884-900, Jaboticabal-SP, Brasil.