Estima-se que aproximadamente 40% dos gases do efeito estufa origine-se do metano entérico (CH4) proveniente da pecuária (Gerber et al., 2013), de modo que os bovinos produzem 77% desse total (Gerber et al., 2013). A fermentação ruminal origina o metano que apresenta maior potencial de aquecimento em relação ao dióxido de carbono (CO2).
Assim, o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, convocado pelas Nações Unidas exigiu mudanças práticas que visem à redução na emissão de CH4 entérico. A pecuária sofre com o rótulo de grande responsável pela emissão dos gases de efeito estufa, mas o que poucos sabem é que existem diversos estudos na nutrição animal objetivando desenvolver estratégias para diminuir esse impacto. No entanto, a grande parte delas é voltada para vacas e bovinos de corte em terminação, e pouca informação temos disponível para a fase de cria, que envolve as bezerras leiteiras.
Logo, os animais na cria e recria se tornaram o foco das pesquisas para diminuição da emissão de metano, diante da possibilidade de manipulação da colonização ruminal, em função do desenvolvimento ruminal. As bactérias do gênero Archaea, utilizam o hidrogênio produzido no rúmen para síntese de CH4. Pesquisas desenvolvidas com caprinos e ovinos em crescimento demonstraram que a redução na população de bactérias metanogênicas proporcionou diminuição na emissão de metano e o efeito persistiu.
Os bezerros inicialmente alimentam-se basicamente de leite ou substitutos do leite e o efeito dessa alimentação na redução da emissão de CH4 vem sendo associado ao desenvolvimento tardio do rúmen em função da menor digestibilidade da matéria orgânica. A quantidade do consumo de matéria seca e a digestibilidade da matéria orgânica são considerados os principais determinantes para produção de CH4. Portanto, como utilizar esses fatores para reduzir a emissão de metano?
Pesquisadores do Instituto Leibniz na Alemanha avaliaram o efeito de duas intensidades de alimentação com sucedâneo sobre a emissão de CH4, no curto e longo prazo (Tümmler et al., 2020). O estudo utilizou 28 bezerras recém nascidas da raça Holandesa e as intensidades de alimentação diárias foram:
- T1: oferecimento diário de 10% do peso corporal de colostro, com sequência de fornecimento de 10% do peso corporal de sucedâneo;
- T2: oferecimento de 12% do peso corporal de colostro, com sequência de fornecimento de 20% do peso corporal de sucedâneo.
A partir do primeiro dia de vida, além do colostro, as bezerras também tinham acesso ao feno e uma ração peletizada, no entanto, na semana 11, passaram a receber uma ração totalmente misturada. Na semana 3 do experimento, metade dos animais de cada grupo de alimentação foram fistulados no rúmen e ambos os grupos foram desmamados com 12 semanas de vida.
A produção de metano era mensurada em câmara respirométrica de circuito aberto duas vezes antes do desmame, nas semanas 6 e 9, e duas vezes após o desmame, nas semanas 14 e 22, momentos nos quais também eram realizadas as pesagens dos animais para o cálculo da intensidade de emissão de metano CH4 expresso em L/d por kg de PC. Os animais foram transferidos para a câmara 12 a 16 horas antes das mensurações.
A produção do metano foi mensurada em função do consumo de matéria seca da alimentação sólida e expresso em (L/kg). Os pesquisadores extrapolaram a produção cumulativa de metano de todo o período experimental, visto que as mensurações não eram realizadas diariamente, portanto assumiram que a produção diária aumentava linearmente. Paralelo às mensurações da produção de metano também foram avaliadas a taxa de passagem ruminal, realizando coleta fecal com uso de dióxido de titânio como marcador e a digestibilidade da matéria orgânica pós desmame.
Os pesquisadores observaram que o consumo de matéria seca do concentrado nos animais do tratamento recebendo 20% de sucedâneo foi menor nas semanas 6 a 10, mas aumentou no pós-aleitamento. Os animais que receberam 20% de sucedâneo, a partir da semana 6 apresentaram medidas anatômicas e o peso corporal superiores e apenas o escore de condição corporal reduziu gradualmente após o desaleitamento, no qual explicam que pode ter ocorrido em função do comprometimento do consumo ou disponibilidade de energia.
A produção de metano foi menor nos animais recebendo 20% de sucedâneo no pré-desmame o que foi associado a maior ingestão de gordura da dieta que inibiu a metanogênese, no entanto no pós-desmame essas bezerras apresentaram maior produção de metano. A produção diária de metano (L/dia) e a corrigida para o peso corporal (L/dia/kg de PC) aumentaram para os tratamentos 10 e 20% de sucedâneo ao longo do tempo. A produção de metano em função do consumo de matéria seca da alimentação sólida não diferiu para os animais de ambos os grupos de alimentação. As bezerras do grupo recebendo 20% de sucedâneo excederam em 521 L a produção média acumulada de CH4 durante todo o período experimental (Tabela 1).
Tabela 1 - Comparação entre as bezerras que receberam 10 ou 20% de sucedâneo para a produção média acumulada de metano (L) no pré e pós desmame |
|||
Grupo |
Pré desmame |
Pós desmame |
Total |
10% |
1.612 |
6.599 |
8.211 |
20% |
1.253 |
7.478 |
8.732 |
As bezerras que receberam 20% de sucedâneo tenderam a apresentar uma maior taxa de passagem nas semanas 6 e 9, porém em ambos os grupos houve redução, após o desaleitamento. A digestibilidade da matéria orgânica para ambos os tratamentos reduziu após o desmame. O tamanho do rúmen foi maior em bezerras do grupo recebendo 10% de sucedâneo nas semanas 5 a 10, sendo uma possível razão para a maior emissão de metano nessa fase, mas as diferenças de tamanho não persistiram a partir de então.
Na semana 34, o volume ruminal foi maior em bezerros do tratamento 20%, mas a correção para o peso corporal não revelou diferença entre os grupos de alimentação. As bezerras que receberam 20% de sucedâneo apresentaram maior peso corporal e consequentemente medidas anatômicas superiores o que foi explicado pelo maior consumo de matéria seca no pós desmame. Em conclusão, a alta ingestão de sucedâneo (20% do PC) reduz a emissão de metano das bezerras na fase de aleitamento, embora esse efeito não tenha continuado após o desaleitamento. A maior ingestão de sucedâneo pode ser compensada pelo maior ganho de peso corporal e sucessivamente pela maior produtividade ao longo da vida do animal.
Referências
Gerber, P. J., H. Steinfeld, B. Henderson, A. Mottet, C. Opio, J. Dijkman, A. Falcucci, and G. Tempio. 2013. Tackling Climate Change Through Livestock—A Global Assessment of Emissions and Mitigation Opportunities. Food and Agriculture Organization of the United Nations (FAO), Rome, Italy.
Tümmler, L. M., M. Derno, V. Röttgen, A. Vernunft, A. Tuchscherer, P. Wolf, and B. Kuhla. 2020. Effects of 2 colostrum and subsequent milk replacer feeding intensities on methane production, rumen development, and performance in young calves. Journal of Dairy Science.
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