Análises de controle de qualidade do leite
A seleção e a classificação do leite, isto é, a qualidade da matéria-prima desde a obtenção na propriedade rural até a recepção nos laticínios é determinada por meio de análises de controle de qualidade. Dentre as principais análises destacam:
- Prova do álcool e do alizarol;
- Determinação da acidez titulável;
- pH;
- Densidade à 15°C;
- Crioscopia;
- Teor de gordura;
- Extrato seco total e desengordurado, dentre outras.
Incialmente, de acordo com as legislações vigentes, Instruções Normativas nº76 e nº77 de 2018 do MAPA (BRASIL, 2018a,b), a seleção da matéria-prima na granja leiteira é determinada por meio da medição do volume (ou pesagem) do leite e a realização do teste do Álcool/Alizarol (com concentração mínima de 72% v/v).
Neste contexto, para estimar, ou seja, avaliar indiretamente a estabilidade térmica das proteínas do leite, é utilizado o teste do álcool e do alizarol. Além disso, o teste do alizarol pode ser utilizado para avaliar de forma indireta a acidez da matéria-prima.
Portanto, neste artigo preocuparemos em elucidar as definições, diferenças e aplicações dos testes do álcool e do alizarol no leite.
Teste do álcool no leite
Após a ordenha e posterior resfriamento do leite, o teste do álcool ou do alizarol é primeira análise a ser realizada para averiguar a qualidade da matéria-prima. Este teste é realizado nas propriedades rurais antes da coleta do leite pelo transportador e novamente realizado na plataforma de recebimento do leite na indústria de beneficiamento.
A estabilidade do leite ao teste do álcool é utilizada para avaliação indireta da estabilidade térmica das proteínas do leite, o que está correlacionado com qualidade microbiológica do leite. Este teste verifica a estabilidade das caseínas (principal proteína do leite) em uma solução alcoólica, que simula o efeito do aquecimento durante o processamento térmico.
A adição de álcool ao leite induz várias alterações nas micelas de caseína, como o colapso da camada de κ-caseína, a redução na carga micelar e a precipitação do fosfato de cálcio, que colaboram para a redução da estabilidade deste componente (O’CONNELL et al., 2001).
Neste contexto, um leite de baixa qualidade com alta contaminação bacteriana reduz a estabilidade das caseínas. Desta forma, essa matéria-prima provavelmente não resistirá ao teste do álcool, resultando em uma precipitação proteica durante a realização do teste conforme ilustrado na Figura 1B. Já um leite de boa qualidade resiste ao teste do álcool sem apresentar a formação de grumos (Figura 1A).
No setor de controle de qualidade de fábricas que produzem leite pasteurizado, esterilizado pelo método UHT, concentrado ou desidratado, esse teste é muito útil para identificação de leite parcialmente acidificado, colostro, leite com desbalanceamento mineral e leite proteolizado.
O leite instável ao álcool é rejeitado pelo laticínio, pois sendo a caseína instável, o aumento da temperatura durante o processamento térmico promove a precipitação destas proteínas. Essa precipitação proteica dá origem a formação de uma película nos trocadores de calor de difícil remoção, a qual atua como isolante térmico e acentua o sabor de cozido do leite (Silva et al., 2012). Além disso, há uma redução da eficiência do tratamento térmico e uma limitação do processo de higienização o que favorece o desenvolvimento microbiano e a formação de biofilmes.
Segundo a IN 76 (BRASIL, 2018a), para realização do teste do álcool, a concentração alcoólica mínima da solução deve ser de 72% v/v (setenta e dois por cento volume/volume). Entretanto, há uma tendência no aumento desta concentração (aproximandamente 80% v/v) pelos laticínios para garantir a seleção de uma matéria-prima de melhor qualidade e maior resistência ao processamento.
O que é o teste de alizarol no leite?
A prova do alizarol é uma das análises físico-químicas mais rápidas aplicadas no controle de qualidade do leite.
Como é feito o teste de alizarol no leite?
Essa análise consiste em adicionar partes iguais da amostra de leite no qual será analisada a solução de alizarol. A IN nº 76 estabelece que o leite cru deve ser estável ao teste do alizarol na concentração mínima de 72% v/v (BRASIL, 2018a).
O que é alizarol?
Alizarol é uma solução de álcool etílico com graduação alcoólica mínima de 72% v/v neutralizado, contendo um indicador de pH conhecido como alizarina (1,2 dihidroxiantraquinona). O princípio do teste do alizarol é o mesmo do teste do álcool, ou seja, avaliar de forma indireta a estabilidade térmica do leite, mais precisamente das caseínas.
Além disso, no teste do alizarol é possível saber em qual faixa de acidez/pH a amostra de leite se encontra.
Como interpretar os resultados do teste de alizarol no leite?
De acordo com a IN nº77 (BRASIL, 2018b) para este teste devem ser considerados os seguintes resultados:
- I - Coloração vermelha tijolo sem grumos ou com poucos grumos muito finos: leite com acidez normal e estabilidade ao álcool 72% v/v;
- II - Coloração amarela ou marrom claro, ambas com grumos: leite com acidez elevada e não estável ao álcool 72% v/v;
- III - Coloração lilás a violeta: leite com reação alcalina sugerindo a presença de mastite ou de neutralizantes. (BRASIL, 2018b)
Para melhor visualização dos resultados, a Figura 2 é apresentada.
Dessa forma, leite cru que apresenta a formação de grumos e coloração amarela ou violeta deve ser rejeitado e não deve ser beneficiado. O teste de alizarol deve ser realizado no leite de cada produtor, em caso de tanques comunitários e na recepção do leite nos laticínios.
Leite LINA e teste do alizarol
Quando a perda da estabilidade não está associada à contaminação bacteriana e não é causada pela acidez elevada, pode ser considerado que seja um leite instável e não ácido (LINA). Esse leite apresenta no teste de alizarol uma coloração vermelho-tijolo, porém com formação de grumos.
A ocorrência de leite LINA se deve principalmente devido a um desbalanceamento salino, provocado, por exemplo, por uma modificação drástica na alimentação animal (situações de enchente, perda da pastagem, dentre outros motivos) com consequente precipitação do leite nos testes de álcool e alizarol.
Dessa forma, caso o resultado no teste do alizarol apresente a formação de grumos com coloração duvidosa (vermelho-tijolo), o leite é submetido ao teste da fervura. Não sendo observado a formação de grumos neste teste, é indicativo de leite LINA, o que pode ser confirmado na análise de acidez.
Caso haja a formação de grumos no teste da fervura, é um indicativo de leite ácido, o que também pode ser ratificado pela determinação da acidez do leite. O Quadro 1 apresenta uma relação entre a análise de acidez e o teste do álcool.
Conforme apresentado no Quadro 1, além da presença do leite LINA, há também a ocorrência do leite SILA (síndrome do leite anormal, leite de baixa acidez e formação de grumos no teste do álcool) que representa uma pequena fração do leite LINA.
Desta forma, essas análises são básicas e fundamentais para uma avaliação rápida, prática e assertiva da qualidade da matéria-prima com impacto direto na qualidade do produto final. Por exemplo, para uma agroindústria que realiza processamento de queijos, esses dois testes supracitados são de extrema importância, visto que a caseína é o principal componente envolvido em diversas etapas da fabricação e sua estabilidade é afetada pelas variações de pH/acidez, temperatura e outros.
Considerações finais
A produção de leite e derivados é fundamental no âmbito social e econômico no Brasil. A falta das boas práticas de ordenha, bem com ações fraudulentas e as más condições de higiene durante o armazenamento, coleta e transporte do leite aumentam o desafio da obtenção de uma matéria-prima de alta qualidade.
Dessa forma, o teste do álcool/alizarol faz parte de uma serie de análises que são essenciais para os laticínios avaliarem esses problemas e classificarem o leite como apto para o processamento, evitando prejuízos e ofertando produtos inócuos a saúde do consumidor.
Leia também:
- Principais fraudes em leite
- Análises de composição do leite: quais são elas?
- A indústria ainda pode confiar no teste do alizarol?
Agradecimentos: Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq pelo financiamento do projeto (n° 429033/2018-4); e pela bolsa de produtividade a B.R.C. Leite Júnior (n°306514/2020-6).
Autores
Jeferson Silva Cunha (Bacharel em Ciência e Tecnologia de Laticínios e membro do Laboratório de Inovação no Processamento de Alimentos- LIPA/DTA/UFV)
Letícia Bruni de Souza (Graduanda em Ciência e Tecnologia de Laticínios e membro do Laboratório de Inovação no Processamento de Alimentos- LIPA/DTA/UFV)
Profa. Dra. Érica Nascif Rufino Vieira (Professora do Departamento de Tecnologia de Alimentos da UFV e coordenadora do Laboratório de Inovação no Processamento de Alimentos- LIPA/DTA/UFV)
Prof. Dr. Bruno Ricardo de Castro Leite Júnior (Professor do Departamento de Tecnologia de Alimentos da UFV e coordenador do Laboratório de Inovação no Processamento de Alimentos- LIPA/DTA/UFV)
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Referências
O’CONNELL, J. E.; FOX, P. F. The two-stage coagulation of milk proteins in the minimum of the heat coagulation time-pH profile of milk: effect of casein micelle size. Journal of Dairy Science, United States, v. 83, p. 378-386, 2000.
SILVA, L. C. C. et al. Estabilidade térmica da caseína e estabilidade ao álcool 68, 72, 75 e 78%, em leite bovino. Revista do Instituto de Laticínios Cândido Tostes, v. 67, p. 55-60, 2012.
BRASIL, 2018a. Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Instrução Normativa Nº 76, de 26 DE NOVEMBRO DE 2018. Diário Oficial da União, 30 de novembro de 2018.
BRASIL, 2018b. Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Instrução Normativa Nº 77, de 26 DE NOVEMBRO DE 2018. Diário Oficial da União, 30 de novembro de 2018.
LANGE, C. C.; BRITO, J. R. F. Influência da qualidade do leite na manufatura e vida de prateleira dos produtos lácteas: papel das altas contagens microbianas. In: BRITO, J. R. F.; PORTUGAL, J. A. B. (Ed.). Diagnóstico da qualidade do leite, impacto para a indústria e a questão dos resíduos de antibióticos. Juiz de Fora: Embrapa Gado de Leite: Epamig/CT/ILCT, 2003. p.119-137.
*Fonte da foto do artigo: Freepik