Clovis Guimarães Filho, M.Sc. em Animal Science, ex-pesquisador da Embrapa Semiárido, consultor em agronegócio da caprino-ovinocultura
Já são seis anos consecutivos de estiagem severa em todo o semiárido e, até agora, não vimos praticamente nenhuma resposta efetiva em termos de apoio ao produtor por parte dos órgãos competentes, tanto federais como estaduais ou municipais. Seminários, simpósios, reuniões, grupos de trabalho, comitês, “missões internacionais” e outros, nestes anos de seca, não foram suficientes para, sequer, fundamentar uma agenda mínima de trabalho. Respostas mais efetivas ao produtor continuam apenas na esfera das emergenciais, como se a estiagem fosse uma surpresa. Ações mais concretas devem ser creditadas apenas ao esforço individual de algumas poucas entidades, infelizmente em um nível ainda muito pontual, quase negligenciável em termos de público beneficiado.
Nos primeiros dois anos de estiagem ainda foi esboçado algumas formas de apoio ao produtor, como crédito especial para estiagem, distribuição de ração, perfuração de poços, entre outros, mas, salvo a renegociação das dívidas, todas sucumbiram pela absoluta incompetência gerencial em fazê-las atingir um número significativo de beneficiários. Hoje, devido à crise, as ações não passam de “remendos”. Em todos esses anos o desperdício de água continuou generalizado, tanto no campo como nas cidades.
O lago de Sobradinho está com água correspondente a apenas 11% de sua capacidade e, terminado março sem chover, as previsões são as mais sombrias possíveis. Carlos Nobre, do INPE, prevê que até o final do ano mais da metade dos maiores reservatórios do semiárido estarão zerados. O Velho Chico agoniza induzido pela inépcia dos órgãos ambientais, praticamente confinados ao litoral, ante a devastação irresponsável de seus principais afluentes. Exemplos disso são os riachos Pontal e Salitre, importantes afluentes em Pernambuco e na Bahia, bem aí às nossas vistas, em seus últimos estertores com o aniquilamento de suas matas ciliares.
Na verdade, as coisas só melhorarão quando começarmos a enxergar as estiagens como fatores normais de produção e não como anormalidades. Tudo isso em uma região de potencial imenso em recursos naturais e humanos para dar um padrão de vida condigno às suas populações. O catingueiro foi muito pouco lembrado nas recentes campanhas eleitorais. Alguns candidatos até tocaram no assunto, mas de uma maneira muito genérica e superficial. Nos debates da TV o tema “campo” não foi nem levado em conta para sorteio e debate entre candidatos. Não foi apresentada qualquer proposta clara e racional de apoio ao ovinocaprinocultor, ator principal da caatinga, nem mesmo um plano estratégico anual de formação de reservas de forragens para os rebanhos, providência elementar e capital de qualquer programa público voltado ao campo.
Infelizmente, a irrigação ainda é uma solução apenas parcial para o nosso semiárido. Apenas pouco mais de 2% da área apresentam condições satisfatórias (água e solos de qualidade no mesmo espaço) para sua adequada utilização. Somente agora, forçados pela crise, é que se começa a falar em reuso de água, prática já utilizada desde o século IV a.C. pelos romanos. O mesmo, com relação à exploração de alternativas não agrícolas no nosso semiárido. O potencial é imenso. As iniciativas são frustrantes. Veja-se o caso do abandono do projeto da Serra da Capivara, no Piauí.
Em Campo Formoso, município sofrido do sertão baiano, hibernam as duas maiores grutas do Brasil. Mais de 20 km de galerias subterrâneas, com lagos e estalactites de 20 m de comprimento, tudo já mapeado e estudado pela USP. Maquiné não chega “nem aos pés”. Até hoje as grutas não contam sequer com uma via de acesso digna desse nome. Devem estar esperando, também, a chegada de alguma montadora ao município.
Ao final das contas o que salta mesmo aos olhos é a nossa lerdeza em olhar um pouco mais para baixo e reconhecer o potencial de águas subterrâneas das bacias sedimentares da região. O recém-falecido engenheiro Manoel Bonfim Ribeiro, antigo diretor do DNOCS (Departamento Nacional de Obras Contra as Secas), reclamava que mais de 40% dos nossos poços tubulares estavam fora de operação por razões diversas, menos por falta de d’água. Ele afirmava que “o semiárido é uma ilha cercada de água doce por todos os lados”.
São estimados 135 bilhões de m³ em reservas subterrâneas. Só a água subterrânea da bacia do Gurguéia é suficiente para abastecer 2/3 da população brasileira. Um bom projeto de adutoras faria o resto. Manoel Bonfim concluía que o que falta mesmo não é água e sim, gestão. Isso nos faz perguntar: não se perfuram poços petrolíferos no pré-sal, à 5-7 mil metros de profundidade para alimentar veículos? Por que não se perfuram poços, a um custo infinitamente mais baixo, na área sedimentar do semiárido, a 300-1.000 metros de profundidade, para alimentar pessoas? Não seria também uma prioridade?
Resultado da imprevidência generalizada: prejuízos calculados pela Confederação Nacional dos Municípios em mais de 100 bilhões de reais, atingindo 33 milhões de pessoas. Agora não adianta mais vir com remendos. Só nos resta orar para que ainda chova abundantemente.