A cana-de-açúcar tem destaque por proporcionar um aproveitamento total dentro dos seus processamentos industriais. Na safra de 2009/2010, estimou-se no Brasil uma produção de aproximadamente 541,5 milhões de toneladas de cana, destinadas principalmente ao setor sucroalcooleiro. Essa produção gera um problema ecológico que é a formação de resíduo, como o bagaço de cana-de-açúcar, que segundo SILVA et al. (2007) é o resíduo agroindustrial obtido em maior quantidade no Brasil, aproximadamente 280 kg/ton moída (30% do total moído).
Uma das formas para gerir essa questão ambiental, é a utilização deste subproduto. Na agropecuária pode ser utilizado como forma alternativa de volumoso suplementar para a época de estiagem, sendo uma opção interessante para minimizar custos na produção animal, consequentemente, aumentando o lucro líquido da atividade. Porém, a utilização de bagaço de cana-de-açúcar na alimentação de ruminantes, depende da viabilidade técnica e econômica, sem esquecer de considerar as vantagens e limitações do seu valor nutritivo, pois o bagaço é um produto de baixo valor nutricional (média %MS, 1,5% PB, FDN 58%, digestibilidade baixa 27%). Assim, com a finalidade de melhorar a composição química deste alimento, foram desenvolvidos tratamentos biológicos, químicos e físicos, que objetivam promover um aumento da qualidade nutricional, da digestibilidade e do consumo deste produto pelos ruminantes.
O tratamento biológico usa fungos, bactérias ou suas enzimas para decomposição da lignina do bagaço da cana ou de outro substrato qualquer, aumentando assim a digestibilidade do alimento.
Já os tratamentos físicos e químicos provocam mudança na parede celular visando eliminar ou diminuir os efeitos prejudiciais da lignina sobre a degradação de compostos celulósicos pelos microrganismos do rúmem, promovendo a ruptura das complexas ligações químicas daquele componente com a celulose e a hemicelulose, disponibilizando o material, teoricamente, para adesão da população microbiana e ataque de enzimas fibrolítica (VAN SOEST, 1994).
O tratamento com pressão e vapor (alta temperatura) é o método físico que foi muito utilizado, década de 80, para elevar o valor nutritivo do bagaço de cana-de-açúcar, tornando-o um volumoso de médio valor nutritivo (BEM, 1991), com aumento no teor de compostos fenólicos e carboidratos solúveis. Entretanto, segundo MARI e NUSSIO (2009), atualmente esse processo tem sido pouco utilizado em virtude do custo de oportunidade do bagaço na co-geração de energia. O bagaço de cana auto-hidrolizado, comumente chamado nas indústrias, apresenta uma composição média (%MS) de 46% MS, 2,16%PB, 59,5% FDN e 55%NDT (BURGI, 1995).
Assim, em virtude da facilidade de manipulação e baixo custo, o tratamento químico de alimentos volumosos tem crescido bastante nos últimos anos e várias pesquisas têm evidenciado que o valor nutritivo de diferentes volumosos pode ser melhorado com a utilização de produtos químicos (REIS et al., 2001; SANTOS et al., 2004).
Agentes alcalinizantes como o hidróxido de sódio (NaOH), o hidróxido de cálcio (Ca (OH)2), a amônia anidra (NH3) e mais recentemente o óxido de cálcio (CaO) são utilizados para melhorar os coeficientes de digestibilidade do bagaço de cana (PIRES et al., 2004). Esses agentes atuam solubilizando parcialmente a hemicelulose, promovem o fenômeno conhecido como "entumescimento alcalino da celulose", que consiste na expansão das moléculas de celulose, causando a ruptura das ligações das pontes de hidrogênio, as quais, segundo JACKSON (1977), confere a cristalinidade da celulose, aumentando a digestão desta e da hemicelulose, contudo não há alteração no teor de lignina.
Porém, o hidróxido de sódio (NaOH), um dos tratamentos químicos mais utilizados, apresenta uma série de limitações:
a) o efeito da diluição sobre a população de microrganismos, devido à intensa ingestão de água, provoca uma menor eficiência na degradação da fibra;
b) aumento da velocidade de passagem do alimento, refletindo no decréscimo do tempo de retenção no rúmen;
c) aumento de excreção urinária eliminando assim o excesso de sódio ingerido, o qual pode resultar em acúmulo no solo;
d) influi negativamente, no balanço mineral, aumentando a absorção do Na pela parede celular no rúmen e diminuindo as atividades das bactérias celulolíticas, proporcionando assim um decréscimo na digestão das fibras potencialmente digestíveis no rúmen (REXEM e THONSEM, 1976 e TEIXEIRA, 1990).
Normalmente, sua recomendação como agente hidrolizante é de aproximadamente 3% da MS, segundo a literatura, a hidrolização de alimentos de baixo valor nutritivo, como o bagaço de cana, com NaOH, proporciona ganhos de 20 a 50% na DIVMS (PEREIRA FILHO et al., 2003).
Outro processo químico bastante utilizado para o bagaço de cana é a amonização com ureia, adição de ureia diluída em água para melhorar o valor nutritivo do material fibroso. Deve ser aplicado na proporção de 5% do peso do material, ficar bem vedado e ser fornecido aos animais após 20 dias na proporção de 1,5 a 2% do PV. Segundo FREITAS et al. (2001), o tratamento com ureia melhora a qualidade bromatológica do bagaço devido ao aumento do conteúdo de PB e redução no conteúdo de FDN e FDA, assim pode contribuir para a melhoria da digestibilidade da MS do bagaço. A amonização do bagaço de cana-de-açúcar também pode ser realizada com amônia anidra e/ou sulfeto de sódio (4% MS), porém seu uso está limitado pela dificuldade no manejo e risco de intoxicação e elevado custo do tratamento.
O uso da cal virgem ou óxido de cálcio (CaO) e o hidróxido de cálcio como agentes oxidantes para a hidrólise da cana-de-açúcar, tem sido muito difundido. A composição media (% MS) do bagaço tratado com cal virgem é de 1,6% PB, 57,6% FDN e 5,5% EE. O processo é simples, o material deve ser colocado em camadas e sobre elas aplicada uma solução de 3% de cal virgem. O fornecimento aos animais pode ser realizado após dois dias, essas recomendações resultam em aumento de 35% para 60% da digestibilidade da matéria seca do bagaço de cana-de-açúcar, fato observado com caprinos e ovinos (PIRES et al., 2004). Entretanto, os resultados científicos de tais técnicas são escassos, havendo recomendações baseadas em experiências de campo e observações empíricas (MARI e NUSSIO, 2009).
Contudo, o uso de bagaço de cana-de-açúcar é uma alternativa estrategicamente interessante, em especial para os períodos de estiagem forrageira, em virtude de sua alto produção e baixo custo. Mas é prudente ressaltar que se trata de um resíduo desbalanceado de nutrientes que precisa ser corrigido e analisado com critério para utilização como alimento para ruminantes.
Além do bagaço, há outros resíduos gerados pela cana-de-açúcar que podem ser utilizados na alimentação animal como a ponta de cana, a vinhaça, a torta de filtro e a levedura.
Referências bibliográficas
BURGI, R. Utilização de resíduos culturais e de beneficiamento de na alimentação de bovinos. Simpósio sobre nutrição de bovinos da FEALQ (6º.), Anais..., 1995. PiracicabaSP, p. 153-169.
BEM, C.H.W. Efeito de bicarbonato de sódio e/ou lasalocida sobre digestibilidade de dietas com bagaço de cana. Piracicaba, SP: ESALQ, 1991. 71p. Dissertação (Mestrado em Zootecnia) - ESALQ /Universidade de São Paulo, 1991.
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PIRES, A. J. V.; ROTH, M. T. P.; ROTH, A. P. T. P. Inoculantes microbiológicos e aditivos químicos na fermentação e estabilidade aeróbica das silagens de cana-de-açúcar (Saccharum officinarum L.) cru e queimada. In: Reunião anual da sociedade brasileira de zootecnia, (41ª.), Anais ... Campo Grande: SBZ, 2004. CD-ROM.
REIS, R.A., RODRIGUES, L.R.A., PEREIRA, J.R.A. Sementes de gramíneas forrageiras. In: Simpósio sobre nutrição de bovinos, 6, 1995. Anais... Piracicaba: FEALQ, 1995. p.259-280.
SANTOS, J.; CASTRO, A. L. A.; PAIVA, P. C. A. et al. Efeito dos tratamentos físicos e químicos no resíduo de lixadeira do algodão. Ciênca Agropecuária , v.28, n.4, p.919-923, 2004.
REXEM, F. e THONSEM, K.V. The effect on digestibility of a new tecnhique for alkali treatment of straw. Anim. Feed Science and Tecnology, v. 1, p. 73, 1976.
SILVA, V. L. M..M.; GOMES, W. C.; ALSINA, O. L. S. Utilização do bagaço de cana de açúcar como biomassa adsorvente na adsorção de poluentes orgânicos. Campina Grande - PB., 2007, 6p. Revista UEPB, 2007.
TEIXEIRA, J.R.C. Efeito da amônia anidra no valor nutritivo da palha de milho mais sabugo e do capim elefante (Pennisetum purpureum Schum) cv. Camerom fornecidos a novilhos nelore em confinamento. Viçosa, MG, UFV, 1990. 97p. Dissertação (Mestrado em Zootecnia) - Universidade Federal de Viçosa, 1990.
VAN SOEST, P.J. 1994. Nutritional ecology of the ruminant. 2.ed. Ithaca: Comstock Publishing Associates. 476p.