A cana-de-açúcar é um alimento utilizado em larga escala em nossa pecuária para suplementação de ruminantes no período de inverno. Ela se caracteriza por apresentar dois componentes em maior proporção: os açúcares e a fração fibrosa. O aproveitamento destas diferentes frações é bastante distinto; enquanto os açúcares são rapidamente fermentados no rúmen e facilmente aproveitados como fonte de energia pelo animal, sua fração fibrosa (FDN) caracteriza-se pela digestão bastante lenta, fator que comprovadamente limita o consumo e, consequentemente, a ingestão dos já mencionados açúcares solúveis, maiores responsáveis pelo fornecimento de energia para os bovinos.
Muitos pecuaristas não se dão conta que existem diferenças de qualidade entre as variedades de cana disponíveis para plantio. Estas diferenças podem ser bastante significativas no que se refere ao desempenho animal.
Partindo do princípio que o teor de fibras (FDN) limita o consumo e que o teor de açúcares é a fração de maior importância no fornecimento de energia para os bovinos, alguns pesquisadores sugerem que a relação FDN/açúcares seria um parâmetro importante na escolha de variedades de cana-de-açúcar. A relação deve ser baixa, ou seja, baixo conteúdo de FDN e alto conteúdo de açúcar. Utilizando estes conceitos, pesquisadores da EMBRAPA - São Carlos, avaliaram a qualidade de dezoito variedades de cana-de-açúcar como alimento para bovinos.
As dezoito variedades foram colhidas manualmente no campo. A primeira amostragem foi feita cerca de um ano após o plantio, no mês de maio e outras duas amostras foram colhidas respectivamente nos meses de agosto e outubro. No laboratório foram avaliados os teores de proteína bruta (PB); Fibra detergente neutro (FDN); digestibilidade in vitro da matéria seca (DIVMS - determinada em laboratório em meios de cultura), além dos teores de sacarose (POL). Os resultados da FDN e POL e sua relação podem ser observados na tabela 1, juntamente à DIVMS nas diferentes épocas de amostragem e da identificação das variedades avaliadas.
A análise de variância apontou diferença significativa (P<0,01) entre as variedades para os teores de FDN, POL, sua relação (FDN/POL) e DIVMS. As variedades que apresentaram menor (P<0,01) teor de FDN foram a IAC 86-2480, IAC 87-3420, RB 83-5486, RB 84-5257 e SP 81-3250 (destacadas em amarelo na tabela). As com maiores quantidades de açúcares foram as variedades IAC 86-2210, IAC 86-2480, RB 72-454, RB 83-5486, SP 80-1816 e SP 80-3280 (destacadas em verde na tabela). "Cruzando" os dados, as variedades que apresentaram as melhores relações FDN/POL foram a IAC 86-2480 e RB 83-5486 (em azul na planilha); estas duas últimas também apresentaram os melhores valores em termos de digestibilidade in vitro da matéria seca, de certa forma comprovando a teoria de que o menor teor de FDN, associado a um maior teor de açúcares potencialmente permite melhor desempenho animal. É interessante notar que a DIVMS destas duas variedades que se destacaram também parecem ser mais constantes ao longo do tempo que as demais, característica importante neste tipo de alimento, que é colhido por período prolongado.
Apenas outras duas variedades apresentaram DIVMS superior a 60% nas épocas avaliadas, a IAC 87-3420 e a RB 84-5257, que também possuem menores teores de fibra, demonstrando a importância desta fração na digestibilidade da cana-de-açúcar. Os autores chamam atenção para o fato de que, em avaliações in vivo (com o uso de animais), os valores de digestibilidade geralmente são menores.
A diferença determinada nos teores de FDN, que chega a até 12,3 unidades percentuais, é de grande importância, considerando-se a capacidade limitada de ingestão de FDN pelos animais.
Baseando-se nas médias obtidas para a relação FDN/POL, os autores sugerem como sendo 3,02 o valor de referência, abaixo do qual variedades devam ser selecionadas para consumo de bovinos.
Como informação adicional, os teores de PB entre as variedades foram diferentes (P<0,01) tendo variado entre 1,40 e 2,08% (todos muito baixos). Os autores afirmam que este baixo teor protéico é característico da cana-de-açúcar e portanto não deve ser utilizado como critério de escolha de variedades para alimentação animal. Esta "limitação" requer correção, sendo que a forma mais simples é a adição de uma fonte de nitrogênio não protéico à dieta (p.ex. uréia).
Comentário MilkPoint: estes dados bastante interessantes alertam para a importância da correta escolha da variedade de cana-de-açúcar a ser plantada, especialmente se considerarmos que a cultura da cana só é renovada a cada 3-4 anos. A escolha de um material ruim compromete o desempenho dos animais por longo período. Uma recomendação "padrão" é que se procure utilizar as variedades de maior teor de açúcar existentes na região (mesmo tipo de cana selecionado para as usinas). Os dados mostram que esta informação isolada pode não ser adequada já que algumas variedades avaliadas apresentaram altos teores de açúcares associados a também altos teores de FDN, o que para a indústria do açúcar e do álcool pode não ser importante mas para o consumo animal têm papel limitante no consumo e conseqüentemente na ingestão de nutrientes e digestibilidade. Este tipo de informação precisa continuar a ser gerada e divulgada para que se possa melhor aproveitar este recurso forrageiro.
Na ocasião da escolha da variedade, logicamente que além destes parâmetros devem ser consideradas as características agronômicas da planta, que deve ser adaptada à região que se pretende implantá-la.
Fonte: RODRIGUES, A. A, et al. 2001. Qualidade de dezoito variedades de cana-de-açúcar como alimento para bovinos. In: Anais da 38a Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Zootecnia. Piracicaba - SP.