Para entender a origem dessa "divergência" de opiniões vamos recordar alguns pontos importantes abordados no artigo anterior.
- A maximização do consumo de energia é fundamental para otimizar o teor de proteína do leite. A chave é o consumo de carboidratos não fibrosos (CNF) de fermentação rápida, que fornecem energia prontamente disponível para os microorganismos ruminais sintetizarem a Pmic.
- Dietas deficientes em energia podem reduzir o teor de proteína do leite em 0,1 a 0,3 unidades percentuais.
- Fornecer proteína a mais, além das exigências da vaca, não aumenta o teor proteína do leite. É preciso fornecer quantidades equilibradas de PDR e PNDR.
Por exemplo, ao substituir milho por farelo de trigo, espera-se que o teor energético da dieta caia e o teor protéico suba, em função da composição do subproduto, o que exige um ajuste na composição da dieta. Se esse ajuste for feito, a substituição do milho pelo farelo de trigo é perfeitamente possível, sem risco de afetar o teor de proteína do leite.
Em trabalho realizado na ESALQ em 2004, a substituição parcial e total do milho, que perfazia 20% da MS total da dieta, por farelo de trigo, não alterou o teor de proteína do leite. Esse trabalho já foi discutido neste radar em artigo anterior (clique aqui para ler) onde os dados podem ser conferidos. As dietas foram formuladas para terem o mesmo teor de proteína, mas o teor de energia das dietas com farelo de trigo era menor que o da dieta controle, sem o subproduto, e mesmo assim a proteína do leite não mudou.
Nesse caso, acredita-se que houve um efeito positivo do subproduto sobre o ambiente ruminal, favorecendo a digestibilidade total da dieta. O volumoso utilizado foi a silagem de milho (50% da MS), e a dieta controle continha mais 20% de milho moído. Quando o subproduto substituiu parte do milho, pode ter havido um efeito benéfico no rúmen, principalmente sobre o pH, favorecendo a digestão total dos alimentos, de forma que, mesmo com menos energia no meio, a disponibilidade dessa energia para síntese de Proteína Microbiana (Pmic) foi equivalente à obtida com a dieta controle. Inclusive a produção total de leite das vacas que receberam o tratamento intermediário (substituição de metade do milho) foi maior.
O mesmo comportamento foi observado em outro experimento realizado na ESALQ, e também discutido aqui em artigo anterior (clique aqui para ler), onde o subproduto utilizado foi a Casca de Soja. Também nesse caso, a retirada parcial do milho com inclusão de um subproduto fibroso não afetou a proteína do leite.
No entanto, o maior número de questionamentos que recebemos se relaciona à inclusão da polpa cítrica às dietas. Isso se deve à grande disponibilidade desse subproduto na região sudeste, especialmente no estado de São Paulo. Na entressafra do milho, é praticamente impensável não utilizar polpa cítrica nas dietas, mas existe uma grande preocupação com o teor de proteína do leite, especialmente por parte dos produtores que recebem bonificação por proteína.
A tabela abaixo mostra uma compilação de diversos trabalhos em que a polpa cítrica substituiu 50% do milho das dietas, em diferentes níveis de inclusão.
Tab. 1. Efeito da substituição parcial do milho por polpa cítrica nos teores de proteína do leite (%)
Notem que de todos os trabalhos compilados, só 1 apresentou redução significativa no teor de proteína do leite. No geral, esse é o padrão quando se substitui milho por polpa cítrica, desde que se faça o correto balanceamento da dieta. Por todos os dados disponíveis, e pela experiência acumulada em diferentes situações, não tenho dúvidas de que é possível utilizar subprodutos em larga escala sem comprometer o teor de proteína do leite.
Um ponto importante a ser considerado é que a presença de amido na dieta via de regra é benéfica. Ou seja, o negócio é utilizar sem medo os subprodutos, mas manter uma parte da fonte energética como milho ou sorgo moído. De maneira geral, a fração CNF dos subprodutos é de degradação mais lenta que o amido, de forma que a combinação de subprodutos fibrosos com amido é normalmente vantajosa. Trocando em miúdos, formule a sua dieta com os subprodutos, e adicione um pouco de amido para o balanceamento ficar ainda melhor.
A decisão pela utilização do subprodutos da agroindústria deve primariamente obedecer a critérios econômicos. Se o preço do subproduto for competitivo frente ao preço do milho, não tenha medo. De maneira geral, observa-se que a inclusão de subprodutos como polpa cítrica, casca de soja, farelo de trigo, farelo de glúten de milho 21, dentre outros, em níveis próximos a 20-30% da MS total das dietas, não altera a composição do leite, e pode contribuir muito para baixar os custos de produção. Bons exemplos não faltam por aí!