Em todo o mundo, a preocupação da sociedade está impulsionando mudanças importantes no bem-estar dos animais, especialmente as condições sob as quais eles são manejados e alojados. Por exemplo, os produtores de suínos estão começando a transferir suas produções para o sistema de alojamento em grupo para matrizes, evitando o confinamento intensivo em gaiolas de gestação que foram padrão por décadas. As empresas brasileiras de suínos BRF e JBS estão reagindo à pressão do mercado e adotando políticas que substituem o uso das controversas gaiolas de gestação por sistemas de alojamento em grupo.
A Arcos Dorados (maior franqueada do McDonald's na América Latina), a rede de hotéis Marriott International e a Nestlé também se comprometeram a eliminar o uso de gaiolas de gestação em suas cadeias de suprimentos no Brasil. No setor de ovos, vários estados do Canadá, Austrália e Estados Unidos, e toda a União Europeia e a Nova Zelândia, já proibiram o uso de gaiolas convencionais para galinhas poedeiras. Grandes marcas de varejo estão demandando ovos e carne suína produzidos sem o uso de gaiolas em suas políticas de compra. O anúncio mais recente foi do McDonald's, que se comprometeu a comprar apenas ovos livres-de-gaiolas a partir de 2026 nos Estados Unidos e Canadá. Mais de 60 outras empresas também já anunciaram compromissos semelhantes.
A questão do confinamento intensivo, que foi iniciada com esforços para acabar com o uso de gaiolas de vitelo para bezerros, tem sido a marca registrada do trabalho de grupos de proteção animal. A forma de alojar os animais e outras questões de bem-estar animal estão cada vez mais sendo discutidas entre cientistas, políticos, comerciantes, indústrias agrícolas e ONGs de proteção animal.
O que a indústria de laticínios no Brasil pode esperar, como ela pode se preparar e até mesmo liderar essas demandas de bem-estar animal do mercado?
Abrigos individuais para bezerras
Uma das questões que mais chama a atenção na indústria de laticínios é o alojamento de bezerras recém-nascidas. Para controlar a transmissão de doenças, monitorar a ingestão de leite e facilitar o manejo, a prática convencional é amarrar as bezerras em abrigos individuais ou em pequenas casas. O recente interesse em questões de confinamento animal, entretanto, aponta que esse é o momento para que a indústria de laticínios tenha um olhar crítico sobre essa prática.
As bezerras são animais enérgicos e brincalhões com comportamento social e de formação de grupo complexo. Na criação de bovinos soltos em pasto (usualmente na produção de carne), os comportamentos de interação, toque, grooming (aliciar / lamber), brincadeiras com os companheiros e alimentação e descanso sincronizados desenvolvem-se rapidamente e são componentes importantes da etologia da espécie. A natureza é sábia, como diz o ditado, e a mortalidade de bezerros em sistemas de produção de carne bovina é geralmente muito menor do que nas condições de criação mais artificiais do setor leiteiro.
Na maioria das produções leiteiras, o alojamento individual impede todos os comportamentos naturais das bezerras, com exceção de levantar-se, deitar-se e dar mais que poucos passos. Enquanto os produtores de leite têm suas razões para limitar o contato entre as bezerras, os consumidores esperam que as fazendas não só mantenham as bezerras saudáveis, mas também proporcionem um ambiente físico e social confortável.
Um crescente número de pesquisas está começando a oferecer várias alternativas e opções mais humanitárias de alojamento. Uma opção é alojar as bezerras em pares. Um estudo de 2014 descobriu que nessa situação as bezerras não possuíam níveis superiores dos cinco patógenos mais comuns nas fezes, ou anticorpos séricos contra os três patógenos respiratórios mais comuns.
As bezerras também podem ser criadas em pequenos grupos. Esses grupos devem ser estáveis (oposto ao alojamento dinâmico, manejo em que são introduzidos novos indivíduos e retirados os que já estavam estabelecidos), com não mais do que sete ou oito bezerras com idades semelhantes. Os grupos maiores são mais propensos a doenças. Ou seja: limitar o tamanho do grupo é importante. A utilização de um alimentador automático de leite, onde as bezerras são alimentadas com um maior volume de leite por meio de tetas artificiais, em vez de alimentação por balde, pode ajudar a reduzir o comportamento anormal de sucção cruzada.
Alojamentos coletivos feitos de madeira ou materiais sintéticos podem fornecer área coberta para abrigar as bezerras (10 m2) e um espaço ao ar livre (10-15m2). Esses são utilizados para alojar de 2 a 6 bezerras. O manejo desse tipo de alojamento assegura um ambiente limpo, boa qualidade do colostro e observação frequente para tornar esses sistemas bem sucedidos. Com habilidade e atenção suficientes, sistemas de pares e de pequenos grupos de alojamento são opções viáveis.
Essas opções têm numerosos benefícios:
• Bezerras alojadas em grupo têm menos medo e tendem a reagir menos em resposta ao manejo. A presença de uma bezerra conhecida parece ter uma influência tranquilizadora em situações estressantes, um efeito social que pode aliviar o nervosismo durante os procedimentos rotineiros de manejo;
• O uso do alojamento em grupo, que fornece oportunidades sociais na fase jovem, melhora as habilidades sociais e a capacidade de enfrentar outras situações mais tarde na vida, e prepara melhor as bezerras para a convivência em grupo;
• A interação social é importante para o desenvolvimento cognitivo de animais jovens, e melhora a habilidade de aprendizagem. 1 2
Vários estudos também vêm observando que o uso do alojamento em grupo pode melhorar o ganho de peso, resultante da maior ingestão de ração, e o fato de que bezerras com uma companheira por perto começam a comer o concentrado mais cedo. A facilitação social, em que o comportamento de um animal influencia o outro, pode explicar o maior consumo de ração nessas pesquisas. No entanto, o efeito não é observado em todos os estudos, e pode depender, pelo menos em parte, da quantidade de alimentação. 3 4 5 6
O que podemos concluir é que uma vasta quantidade de evidências científicas demonstra que os animais de produção intensivamente confinados podem ser frustrados e estressados. Assim, as questões de bem-estar animal estão sendo cada vez mais discutidas entre os vários atores da sociedade, incluindo os consumidores. O alojamento de bezerras, no entanto, não é o único problema, há outras questões de bem-estar animal além do confinamento intensivo que serão abordadas nos próximos artigos do ‘Radar Bem-estar e Comportamento Animal’. Seguramente, tomando decisões com base científica, os produtores poderão considerar não apenas o bem-estar animal, mas também um sistema que é melhor para seus negócios.