Não raras são as observações de redução no desempenho logo após o desaleitamento, muitas vezes em resposta ao ainda baixo consumo de concentrado e imaturidade anatômico-fisiológica para assumir a dieta de um ruminante adulto. No entanto, a observação de campo sugere que mesmo animais com consumo de concentrado adequado poderiam se beneficiar do ponto de vista produtivo quando mantidos por mais uma semana em seu alojamento original após o desaleitamento. Esta recomendação, baseada em observações, parte do pressuposto que a transferência para uma nova instalação seria mais uma fonte de estresse para animais que já estão sendo desafiados.
Dessa forma, práticas de manejo que visem à redução do estresse durante este delicado período vêm sendo adotadas por muitos produtores e pesquisadores. Estas práticas têm como principal objetivo manter ou melhorar a saúde e o desempenho dos animais. Adequações nas instalações, no manejo da mão-de-obra e na alimentação são essenciais para o sucesso do desaleitamento e devem ser considerados no momento da decisão do melhor protocolo a ser adotado na fazenda.
Independente da estratégia de manejo, o objetivo deve ser o mesmo: reduzir o estresse. Muitas vezes logo após o desaleitamento ocorre a mudança do local de alojamento, que passa de individual para coletivo, com novos alimentos, exposição a novos patógenos, além da hierarquia social.
A transição social é sem dúvida um dos principais agentes estressantes para os animais. Antes do desaleitamento, as bezerras são condicionadas a confiar nas mães ou nos tratadores como fornecedores de alimento e orientação social. Por isso, vem sendo adotada na maioria das fazendas a prática de manter a bezerra na casinha ou abrigo individual por um período após o desaleitamento, que varia de 7 a 14 dias, antes de agrupá-la em baias coletivas. Esta recomendação é baseada nas observações de queda no consumo e, consequente redução no desempenho nos dias pós- desaleitamento, podendo também tornar os animais mais susceptíveis a doenças.
Diante disto, um grupo de pesquisadores espanhóis (Bach et al., 2010) conduziu experimento com o objetivo de avaliar se a permanência das bezerras por mais 6 dias após o desaleitamento no bezerreiro seria benéfico em relação ao desempenho e saúde, já que esta é considerada a fase mais estressante da vida dos animais.
Para realizar esta pesquisa, 320 bezerras da ra��a Holandesa foram alojadas em abrigos individuais cobertos (1,1 × 1,6m), com livre acesso a água e concentrado inicial, e receberam 2 litros de sucedâneo lácteo duas vezes ao dia durante 56 dias de aleitamento (8 semanas). Após o desaleitamento, metade das bezerras foi mantida nos abrigos individuais durante mais 6 dias; a outra metade foi transferida imediatamente após o desaleitamento para uma baia coletiva, composta de 8 animais contemporâneos.
Os resultados mostraram que não foram observadas diferenças no ganho de peso dos animais durante o período de aleitamento (Tabela 1). Isto já era esperado, já que todos os animais receberam o mesmo manejo alimentar e sanitário no período em que estiveram alojados nos abrigos individuais. Entretanto, os animais agrupados em baias coletivas logo após o desaleitamento apresentaram ganho de peso geral superior quando comparados aos animais mantidos por mais 6 dias nos abrigos (0,826 vs 0,794 kg/d), uma vez que houve uma tendência de maior ganho no período após o agrupamento. Estes dados não eram esperados uma vez que a idéia corrente é que manter os animais no mesmo alojamento logo após o desaleitamento reduziria o nível de estresse beneficiando o animal em termos de desempenho.
Tabela 1. Efeito do tempo para transferência no desempenho de bezerras.
O ganho de peso final definido como objetivo deste grupo de animais era de 115 kg. Assim, um resultado interessante observado, mostra que os animais transferidos para baias coletivas logo após o desaleitamento alcançaram este peso alvo 6 dias antes dos animais que permaneceram nos abrigos (103,9 vs. 89,2 dias).
Outro resultado bastante interessante mostra que os bezerros que permaneceram por mais 6 dias nos abrigos e teoricamente estariam mais protegidos das variadas fontes de estresse (instalação e dieta), apresentaram maior incidência de doenças respiratórias depois que foram transferidos para as baias coletivas (Tabela 2). Os resultados também mostraram que estes animais apresentaram cerca de duas vezes maior probabilidade de adoecerem após serem transferidos para grupo maiores.
Tabela 2. Efeito da fase de agrupamento na proporção de animais (%) afetados por doenças respiratórias.
Um ponto importante a ser ressaltado é que os abrigos individuais utilizados neste trabalho tinham apenas 1,1 x 1,6m, sem área para exercício, o que sugere inadequação para bezerros após o desaleitamento. Assim, o menor desempenho e a maior incidência de problemas respiratórios podem ter ocorrido por que as dimensões do abrigo individual limitaram qualidade do ambiente conforme os animais aumentaram seu peso corporal.
De maneira geral, resultados como os observados neste trabalho são interessantes, pois são contrários à recomendação tradicional e mais racional de que manter as bezerras nos abrigos individuais por um período após o desaleitamento resultaria em animais com o desempenho menos prejudicado. Entretanto, cabe a cada produtor adotar a melhor estratégia, desde que respeite algumas regras básicas como o agrupamento animais de idades e pesos semelhantes, água a vontade e cochos suficientes para a lotação da baia, terreno adequado e bem drenado, entre outras.
Referências
Bach, A.; Ahedo, J.; Ferrer, A. Optimizing weaning strategies of dairy replacement calves Journal of Dairy Science, v. 93, p.413-419, 2010.
Comentários
O trabalho tenta provar cientificamente se uma prática comumente recomendada pode mesmo trazer benefícios produtivos para bezerras no período de transição. Esta recomendação é feita por inúmeros técnicos, baseada na observação e no bom senso, partindo do pressuposto que animais mantidos no mesmo alojamento logo após o desaleitamento teriam um fator estressante a menos. É sabido que o ajuste social pode interferir no desempenho animal, de forma que o ideal é sempre transferir animais para baias coletivas pelo menos dois a dois. Colocar um único animal em um grupo já estabelecido pode resultar em queda no consumo devido à dominância, muito embora animais jovens não tenham hierarquia tão estabelecida como observado em animais adultos. No entanto, o aspecto mais interessante do trabalho é mostrar que em algumas situações a manutenção dos animais no alojamento individual resulta em queda no desempenho devido a inadequação das instalações para manutenção de animais de maior peso. Temos visto isso ocorrendo em várias propriedades: animais de maior peso corporal em baias individuais com dimensões que muitas vezes não permitem locomoção além do ato de deitar e levantar. Nestas situações o estresse do animal acaba sendo ainda maior resultando em menor desempenho e maior chance de problemas de saúde. No entanto, é provável que em situações onde os animais são individualizados em baias maiores ou em abrigos do tipo casinha tropical, ocorram benefícios produtivos com a manutenção do animal por mais 7 dias após o desaleitamento.