A alta taxa de mortalidade e morbidade observada entre as bezerras durante a fase de aleitamento está relacionada, principalmente, com o baixo consumo de colostro. Pesquisas recentes realizadas nos Estados Unidos e Canadá mostram que cerca de 40% das bezerras apresentam alguma falha na transferência de imunidade passiva. A recomendação tradicional de consumo de 4 litros de colostro em até 4 a 6 horas após o nascimento muitas vezes não é seguida por produtores. Tem sido relatada a dificuldade ou a falta de vontade da bezerra recém-nascida em consumir o colostro durante as primeiras horas como o principal fator na diminuição na quantidade fornecida.
Na prática, é possível observar uma grande variação na disposição de cada animal em consumir o colostro de forma natural ou forçada, sendo o vigor e a vitalidade da bezerra ao nascer uma das principais causas de variações na aceitação do colostro fornecido. O baixo vigor muitas vezes está relacionado com atraso no fornecimento do colostro, já que os tratadores, geralmente com excesso de trabalho, desistem de insistir que o colostro seja consumido por uma bezerra com maior dificuldade, a qual muitas vezes tem o processo de colostragem comprometido e sem possibilidade de correção futura.
Com base nestas observações, pesquisadores do Canadá realizaram um estudo com o objetivo de examinar os efeitos do tempo de separação da mãe para o fornecimento do primeiro colostro artificialmente e os seus efeitos relacionados ao vigor e vitalidade dos animais, em relação a sua força de vontade para o consumo de colostro durante o primeiro fornecimento.
Para realizar este estudo, foram utilizados 36 bezerros (machos e fêmeas) que, após o nascimento, tiveram colostro fornecido de maneiras diferentes: um grupo recebeu colostro entre 1 a 2 horas após o nascimento, enquanto o outro grupo permaneceu junto da mãe por um maior período de tempo e somente recebeu colostro após 6 horas do nascimento.
Foram realizadas avaliações do vigor e vitalidade dos animais logo após o nascimento e durante o fornecimento do colostro. Trabalhos de pesquisa avaliando vigor das bezerras ao nascer utilizam como medida indireta deste fator o tempo após o nascimento que a bezerra demora a se levantar, andar ou mesmo de tentar se levantar. Ou seja, quanto menor o tempo que uma bezerra recém-nascida demora a realizar qualquer uma destas tarefas, maior o seu vigor e vitalidade.
Na avaliação do vigor, os animais tinham uma quantidade livre de colostro que podiam consumir, sendo fornecido com auxílio de mamadeiras, até quando o animal parasse de consumir por vontade própria. Em seguida, a mamadeira era oferecida por mais 2 vezes ao animal, com intervalos de 2 minutos entre cada oferecimento, sendo considerada como finalizadas as tentativas quando o animal se negava a consumir o colostro por 2 tentativas seguidas, sendo então registrada a quantidade de colostro consumida por cada animal. Os animais que consumiam menos de 4 L por vontade própria, tinham colostro oferecido novamente 1 hora após a primeira refeição; caso o consumo ainda fosse insuficiente (menor que 4 L) o restante era fornecido com uso de uma sonda esofágica de forma a não comprometer a transferência de imunidade passiva nestes animais.
Os resultados desta pesquisa mostraram que para consumir pelo menos os 4 litros de colostro, foram gastos, em média, 18 minutos por animal. O tempo após o nascimento não afetou o consumo de colostro, a duração da refeição, a velocidade de consumo ou a latência para mamar (Tabela 1). O que demonstra que o fornecimento mais tardio não vai resultar em maior consumo voluntário. No entanto, pode-se observar a grande variação individual no consumo voluntário de colostro, sendo que cerca de 22% dos bezerros consumiam menos de 2 L por vontade própria (Figura 1).
Tabela 1. Efeito do tempo de fornecimento após o nascimento (2 ou 6h) no consumo voluntário de colostro, duração da refeição, velocidade de consumo e latência para mamar.
Figura 1. Relação entre peso ao nascer e consumo de colostro (r2=0,37). Cada ponto representa um bezerro.
Também foi observado que os bezerros que apresentavam maior vigor e vitalidade tanto durante a primeira hora após o nascimento, quanto durante a primeira alimentação com colostro, apresentaram maior consumo voluntário. Maior vigor durante a primeira hora após o nascimento também mostrou-se altamente relacionado com maior velocidade da refeição. Por outro lado, não foi observada diferença na quantidade e na velocidade de consumo de colostro entre os bezerros que eram ou não proveniente de partos distócicos, ou entre os bezerros que chegaram a mamar ou não na própria mãe (Tabela 2). Entretanto, trabalhos de pesquisa mostram que animais oriundos de partos problemáticos, geralmente apresentam um tempo maior para apresentar maior vitalidade e ânimo.
Tabela 2. Efeito do sexo do bezerro, de partos distócicos e da ocorrência de mamada prévia no consumo voluntário de colostro, duração da refeição, velocidade de consumo e latência para mamar.
Tabela 3. Efeito do vigor do bezerro no consumo voluntário de colostro, duração da refeição, velocidade de consumo e latência para mamar.
Os dados mostraram claramente que a quantidade de colostro consumido pelos bezerros foi afetada por seu vigor tanto logo após o nascimento, quanto no momento em que o colostro foi fornecido (Tabela 3). Os resultados deste trabalho mostraram que os animais que apresentaram mais vigor e vitalidade apresentavam maior capacidade de encontrar e utilizar o bico da mamadeira e por isso apresentavam maior consumo.
Possivelmente, o maior tempo de contato do grupo de animais que permaneceu até 6 horas com a mãe após o nascimento pode ter resultado em efeitos positivos pela estimulação extra em comparação aos animais separados logo após o nascimento ou em até 2 horas do parto. Dessa forma, quando os dados de vigor e vitalidade são comparados, deve-se lembrar que os animais separados logo após o nascimento foram alimentados precocemente, o que pode representar maior dificuldade em aceitação e tempo para o fornecimento do colostro, isso por serem muito jovens e exigir maior empenho do tratador. Dessa forma, os resultados sugerem que os animais estão mais aptos a aceitar o fornecimento de colostro entre 2 e 6 horas após o nascimento.
Entre os animais que permaneceram pelo menos 6 horas com a mãe após o parto, não foi observado maior procura pelo teto da própria mãe, mostrando que a espera pela mamada voluntária do bezerro recém-nascido não garante o adequado consumo de colostro. Dentre os 36 bezerros avaliados neste estudo, apenas 7 mamaram na própria mãe, porém sem qualquer garantia de consumo adequado.
Este trabalho de pesquisa mostra que o consumo voluntário de colostro por m bezerro é previsível, principalmente por parâmetros como o peso ao nascer e seu vigor e vitalidade. Em resumo, podemos concluir que animais mais pesados, mais espertos e vigorosos não apresentam problemas de consumo de colostro. Entretanto, animais mais fracos, que muitas vezes apresentam pouca vontade em sugar o bico da mamadeira de colostro, são muitas vezes deixados de lado, comprometendo todo o processo de colostragem. Dados como deste trabalho auxiliam produtores e tratadores a investir mais tempo e paciência neste animais mais problemáticos, visto que o adequado consumo de colostro durante estas primeiras horas é essencial para o desempenho adequado durante todo o período de aleitamento e crescimento.
Referências
Vasseur, E.; Rushen, J.; de Passillé, A.M. Does a calf's motivation to ingest colostrum depend on time since birth, calf vigor, or provision of heat? Journal of Dairy Science, v.92, p.3915-3921, 2009.