O bem-estar e a saúde dos bezerros estão se tornando cada vez mais importantes, visto que bezerros saudáveis têm maiores chances de expressar seu potencial produtivo, quer seja para a produção de carne ou de leite. Para garantir o bem estar destes animais, é necessário considerar não somente aspectos relativos ao ambiente, instalações e transporte, mas também relacionados à nutrição e sanidade.
Um programa satisfatório de nutrição deve assegurar que o bezerro tenha crescimento positivo, em reposta ao fornecimento de dieta líquida e dieta sólida, e acesso diário à água. Além disso, bezerros recém nascidos devem receber uma dieta líquida que forneça energia e proteína suficientes para garantir sua manutenção e seu crescimento satisfatório. Existem muitas dietas que são adequadas para o crescimento do bezerro, mas para assegurar seu bem-estar é necessário avaliar os resultados do programa de alimentação adotado ao invés de analisar rações específicas. O crescimento é considerado satisfatório de acordo com o sistema de produção com taxas de ganho de peso variadas. Fêmeas de reposição devem apresentar uma condição de escore corporal entre 2,0 (ao nascer) e 3,75 (no pré-parto) durante todo seu período de crescimento.
O fornecimento do colostro tem papel crucial na prevenção de doenças e na nutrição do bezerro na sua fase inicial de vida. O colostro é uma fonte de proteína e energia altamente digestíveis, possui anticorpos que garante imunidade ao animal até que seu próprio sistema imune passe a ser funcional, além de enzimas que auxiliam no desenvolvimento do trato gastrointestinal. Existem três maneiras de fornecer o colostro aos bezerros recém nascidos: aleitamento natural, aleitamento através de mamadeira ou por sonda oroesofágica. Estudos recentes demonstram que bezerros deixados para mamar o colostro diretamente da mãe apresentam maiores falhas na transferência de imunidade passiva (em torno de 60%), 20% de falha quando foram alimentados por mamadeira e menor falha (10%) quando alimentados por sonda oroesofágica. No entanto, vale ressaltar que o procedimento de alimentação pelo método oroesofágico cria certo desconforto ao animal, havendo necessidade de treinamento para sua realização de forma que a minimizar os danos à laringe e esôfago do animal. O principal problema com a mamada natural é que não se tem garantia de consumo em quantidade adequada, além da qualidade do colostro, o que resulta em falha na transferência de imunidade passiva.
Figura 1. Consumo de colostro através de mamada direta, fornecimento através de mamadeira ou sonda oroesofágica.
Do ponto de vista de bem-estar animal, o colostro é necessário para o funcionamento adequado dos processos fisiológicos do bezerro, além do seu consumo ser um evento natural na sua vida. Para assegurar o bem-estar do bezerro, o colostro pode ser fornecido através de vários métodos desde que sejam asseguradas quantidades adequadas de energia, proteína e anticorpos ao animal. No manejo do colostro também é importante que sua ordenha seja realizada de forma a minimizar as contaminações com bactérias e outros patógenos, como Mycobacterium paratuberculosis (bacilo de Johne) ou Mycoplasma que causam doenças que podem aumentar as taxas de mortalidade. Para isso, o úbere da vaca deve estar limpo durante as primeiras amamentações do bezerro, no caso da colostragem natural; ou no momento da ordenha, no caso do fornecimento através de mamadeira ou sonda. Após a coleta, o colostro deve ser imediatamente armazenado sob refrigeração ou congelado para evitar o desenvolvimento de agentes infecciosos, podendo-se utilizar garrafas plásticas ou sacos plásticos como recipiente.
O fornecimento de água a vontade, desde os primeiros dias de vida, é um requisito básico para o sucesso do programa de alimentação de animais jovens. A disponibilidade de água é importante para o bem-estar do bezerro primeiramente para saciar a sede do animal e segundo porque a sua ingestão tem alta correlação positiva com a ingestão de alimentos sólidos como o fornecimento de concentrado, que auxilia no desenvolvimento do rúmen. Pesquisas demonstram que bezerros recém nascidos recebendo água à vontade desde o início do seu nascimento têm apresentado consumo normal de leite e promovido uma diminuição nos hormônios indicadores de estresse crônico.
Bezerros podem ser alimentados com a dieta líquida (leite ou sucedâneo), através de mamadeiras ou balde. Além disso, a dieta líquida pode ser fornecida em quantidades controladas ou a vontade, divididas em 2 a 3 refeições. Embora os requerimentos nutricionais do bezerro possam ser atendidos por qualquer um dos métodos de fornecimento, os aspectos comportamentais e sociais do bezerro são afetados pelo sistema de alimentação. Isto é ser observado em bezerros alimentados através de mamadeiras que após serem aleitados apresentam o hábito de descansar mais cedo que bezerros aleitados por balde. Bezerros criados em grupos e aleitados através de alimentadores automáticos apresentam maior interação social. No entanto, deve existir a preocupação com a relação de bicos disponíveis por bezerro, pois isso pode resultar em maior interação competitiva entre os animais, o que poderia acarretar em maior disputa no momento do aleitamento, havendo assim diminuição do tempo de alimentação e ingestão de leite.
A disponibilidade de alimentos sólidos também contribui para o bem-estar do bezerro, pois está correlacionado não só com o atendimento das exigências protéicas e energéticas para crescimento adequado, como também com processos fisiológicos como o desenvolvimento do rúmen. Em bezerros recém-nascidos este é um processo fisiológico normal e é por sua vez considerado necessário para seu bem-estar. O acompanhamento do desenvolvimento ruminal é importante para o bezerro leiteiro, pois quando ocorrer o desaleitamento, o bezerro deve ter um rúmen funcional para a digestão de dietas sólidas e assim manter um bom estado nutricional e adequadas taxas de crescimento. Bezerros alimentados com dietas sólidas e consumido mais grãos, são desaleitados mais cedo, confirmando que a disponibilidade de alimento sólido é importante para o desenvolvimento do rúmen e o crescimento do animal.
Figura 2. Animais jovens com acesso a água e concentrado desde a primeira semana de vida.
Além do manejo alimentar, o programa de bem-estar deve promover a saúde dos animais com práticas de prevenção de doenças, como a colostragem e as vacinações, além de rotina de diagnóstico e tratamento precoce de animais doentes. O programa de saúde do bezerro leiteiro inclui: nutrição, higiene, vacinas, treinamento de tratadores e protocolos de tratamento. A eutanásia também é um requisito do programa de bem-estar: bezerros gravemente debilitados e feridos devem ser criteriosamente avaliados para a tomada de decisão da utilização ou não da eutanásia.
O programa de saúde deve ser específico para cada fazenda leiteira ou rebanho e deve ser desenvolvido por um médico veterinário dentro de um relacionamento válido entre cliente/paciente. Vacinas e tratamentos adequados são determinados pelo veterinário e proprietário dentro de cada sistema de produção, lembrando que um programa de bem-estar não requer produtos específicos. Para manter a sanidade do rebanho é necessário um sistema funcional de monitoramento constante. Os componentes básicos para garantir a sanidade dos bezerros para um programa de bem-estar incluem: treinamento de funcionários para executar tarefas e reconhecer doenças e lesões, observações diárias das instalações para manutenção de limpeza e eventuais reparos que possam surgir para prevenir lesões e, finalmente, desempenho de tarefas como vacinação, tratamentos veterinários, descorna e, se necessário, eutanásia.
Produtores que atenderem à maioria dos requisitos dos programas de nutrição e sanidade terão maiores probabilidades de serem bem sucedidos na condução do programa de bem-estar de seus bezerros. Programas de manejo que consideram o bem-estar de bezerras e novilhas de reposição garantem adequadas taxas de crescimento e entrada destes animais em lactação mais precocemente e com maiores chances de expressar seu potencial de produção.
Para ler a parte 1 "Bem estar de bezerros: Instalações", clique aqui.
Referências
Carolyn Stull & Jim Reynolds. Calf Welfare. Veterinary Clinical Food Animal, v.24, p.191-203, 2008.