Toda afirmação simples em economia pode levar a erro, com a exceção desta. Ainda mais quando o caso é o Brasil, com suas características regionais muito peculiares. Se estamos falando de leite, o risco de erro é ainda maior. Mas assumo o risco: você ganhou dinheiro com leite nos últimos doze meses!
Em outro artigo aqui mesmo nesta coluna, no mês de janeiro, discuti a falta de dados do mercado lácteo, que permitam afirmações mais seguras. Até mesmo as grandes empresas do setor tomam muitas decisões no escuro. Felizmente, uma parceria inédita entre OCB, CBCL, Embrapa Gado de Leite e Cepea/Esalq/USP irá gerar os primeiros dados de monitoramento desse mercado, no Brasil. A divulgação está prevista para os meados do ano e será apenas o embrião de um trabalho que precisará ser aprofundado e expandido nos próximos anos. Enquanto isso não acontece, a alternativa é utilizar os dados disponíveis, que são gerados por entidades respeitáveis, mas necessariamente não possibilitam a profundidade e a especificidade requeridas para que os produtores e laticínios tomem suas decisões quanto ao mercado.
Veja o Gráfico 1. Nele está representado o comportamento dos preços médios recebidos pelos produtores de leite no Brasil, tendo por base o levantamento feito sistematicamente pelo Cepea/Esalq/USP nos estados de Minas Gerais, São Paulo, Goiás, Paraná, Rio Grande do Sul e Bahia. Também está ali representado o comportamento dos preços pagos pelos consumidores brasileiros, não somente leite, mas tudo que é necessário para o consumidor se manter, o que inclui produtos de higiene, de saúde, além de produtos alimentares, dentre outros. A base é o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo, divulgado pelo IBGE mensalmente, mais conhecido como o Índice do Custo de Vida.
Para muitos, gráficos e índices complicam, por serem difíceis de serem entendidos. Na verdade, eles existem exatamente para facilitar o entendimento de situações analisadas. É como matemática: muitos não gostam sem ter se dedicado a entender. O Gráfico 1 é muito fácil. No caso do preço do leite, considerei o valor recebido pelos produtores em março de 2003 como 100. Os valores mensais são proporcionais a março de 2003, portanto. Então, em julho de 2003, os preços médios efetivamente recebidos pelos produtores de leite, ou preços correntes, foram quase 18% a mais que os preços pagos em março daquele mesmo ano.
Numa comparação entre a evolução do preço recebido pelos produtores e o custo de vida, percebe-se que o preço do leite evoluiu favoravelmente. Isso significa que o produtor ganhou poder aquisitivo em todos os doze meses analisados.
Ocorre que o preço dos insumos pode ter se elevado tanto, que a elevação de custos seja maior ou desfavorável à elevação do preço do leite. Mas não é isso que se observa no Gráfico 2. Ali estão representados os preços de insumos em São Paulo, coletados pelo Instituto de Economia Agrícola. Embora tecnicamente não seja muito correto assumir o comportamento de preços de um Estado como nacional, a ausência de dados nos impõe esta limitação. Veja que a ração esteve mais barata em nove dos treze meses. Além disso, o preço médio de uma vaca subiu menos que o preço do leite. Apenas o salário mínimo manteve-se em patamar superior.
Também o comportamento de preços de alguns derivados lácteos foram favoráveis à cadeia do leite, conforme Gráfico 3. Somente a mussarela, o queijo prato e a manteiga tiveram desempenho desfavorável, ainda assim em poucos meses da série.
A conclusão, portanto, é a seguinte: baseado nos dados acima, se você produziu leite nos seis estados de maior produção da Federação, se tem propriedade estabilizada em termos de rebanho, se a atividade é bem gerenciada, e nada de muito grave desfavoravelmente ocorreu entre o carnaval do ano passado e o carnaval deste ano, você ganhou dinheiro com leite.