No artigo da quinzena anterior descrevi um programa de assistência técnica para o leite, implantado há oito anos e com resultados muito favoráveis. Refiro-me ao Proleite. Este é apenas uma das algumas experiências brasileiras disponíveis. Aproveitando que o Governo Federal colocou o assunto na ordem do dia, volto novamente à carga, com algumas reflexões.
É bom que se diga que tais reflexões dizem respeito à minha experiência pessoal, como pesquisador e como gestor público que, na condição de Secretário Municipal, contratava os serviços públicos de Assistência Técnica. É, portanto, uma visão restrita e parcial.
Na gestão pública, compartilho da opinião que o grande feito das últimas duas décadas em termos de desenho institucional se deu na saúde pública. Durante os anos oitenta, os profissionais desse setor foram competentes e se prepararam para o que a Constituição de 1988 legitimou. Refiro-me à universalização dos serviços de saúde. Grande feito, para uma sociedade pobre como a nossa, que tem a metade da renda per capita do Chile, por exemplo.
Esses profissionais se juntaram com lideranças populares, buscaram apoio político e criaram inicialmente o SUDS - o Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde. Isso significou definir tarefas para as três esferas de poder: federal, estadual e municipal. Até então, você se lembra, para o cidadão (e cidadão era somente quem tinha carteira de trabalho assinada...), saúde era competência de Governo Federal.
O processo de descentralização ocorreu em etapas: primeiro, gestão semi-plena, ou seja, gestão compartilhada entre diferentes esferas de poder, em municípios selecionados, que demonstravam vontade política de participar da experiência e tinham corpo técnico compatível.
Nos dias atuais, nesses municípios a gestão é plena, ou seja, o atendimento ao cidadão que demanda serviços de saúde é responsabilidade do Secretário Municipal de Saúde.
Existem dois pontos importantes desta experiência bem sucedida. Um é a formação dos Conselhos Municipais de Saúde, que é uma espécie de câmara setorial. Ali estão presentes os representantes dos hospitais privados, dos profissionais de saúde e dos usuários. Quem preside o Conselho é o Secretário Municipal, que deve mais satisfação aos seus membros que ao Prefeito que o nomeou.
O outro ponto é que os secretários municipais são tão articulados entre si que o presidente de sua entidade nacional fala diretamente com o ministro da Saúde. O resultado você viu recentemente. Quando a equipe econômica falou em reduzir verbas para o setor, a bancada da saúde no Congresso, que é supra-partidária, vestiu-se de branco e tomou de assalto a mesa diretora. Virou principal manchete de todos os jornais e o Governo recuou.
Você deve estar discordando, pois entende que os serviços de saúde pública no Brasil são ruins. Bom, primeiro você há de concordar comigo, que somente é manchete o que não funciona. E temos o hábito de generalizar. Veja um exemplo recente em outra área. Quando o IBGE declarou que o desemprego na cidade de São Paulo em outubro chegou a 20%, muitos de nós generalizamos e imediatamente imaginamos que um em cada cinco trabalhadores está desempregado em nosso município, o que tem pouquíssimas chances de ser verdade. Além do problema nacional, São Paulo vive crise própria. Se a economia voltar a crescer, ainda assim teremos problemas por lá. Segundo, saúde é o tipo de serviço cuja necessidade não se esgota. Quanto maior a melhoria, maiores e mais intensas serão as demandas.
Mas você também pode estar questionando: o que esse assunto tem a ver com o título do artigo?
O Governo Federal colocou como uma de suas prioridades o apoio à agricultura familiar. Nesse contexto, pouco adianta aumentar recursos via PRONAF, ou intensificar apoio aos assentamentos. Há uma variável fundamental para o salto quântico, ou seja, o aumento de produtividade e a conseqüente melhoria da condição de vida. Sem o aprender a fazer, como fazer? Nesse ponto é que entra a assistência técnica pública.
Creio que o primeiro ponto a ser estabelecido é que o Governo Federal deve se restringir a formular e coordenar a execução de macropolíticas de ação. Nada de cair em tentação de "por a mão na massa", como alguns defendem. Por outro lado, quando o Sistema Embrater foi estimulado a disseminar tecnologia no passado, agiu com competência. Ganhava 2% por projeto financiado. Cabe então ao Governo criar estímulos e acertar metas com os estados e municípios. Experiência nesse sentido de outras áreas podem ser aproveitadas, tanto na saúde (AIH´s) quanto na educação (Fundef, Merenda Escolar, Bolsa-Escola). Repasse público federal somente com o cumprimento de metas pactuadas!
Um segundo ponto diz respeito à necessidade de se encontrar mecanismos pecuniários e de salário indireto como premiação para aqueles técnicos que obtenham melhor rendimento junto aos produtores. Tratamento idêntico desestimula quem é dedicado, criativo e se integra com os produtores.
Um terceiro ponto está relacionado ao município ou micro-região. É fundamental que se estabeleçam prioridades em cada espaço geo-administrativo e os parcos recursos de pessoal e financeiros sejam concentrados nas prioridades (produtos) estabelecidos. Isso é relevante, pois somente desta forma é possível manter equipe de técnicos atualizada em termos tecnológicos. Também somente assim é possível aferir o cumprimento de metas qualitativas e quantitativas.
Um quarto e derradeiro item vincula-se à atenção a ser dada em termos de treinamento em gestão para os produtores familiares. Afinal, a produção é meio e não um fim em si. É meio para se conseguir melhorias efetivas de vida para a família. Ensinar a produzir é relevante. Mas como gerir sua propriedade é essencial. Produzir leite não é um fim que se esgota em si. É meio de assegurar melhores condições de vida para quem se dedica a atividade. Ou deveria.