Passados 30 dias desde nossa última análise, os fundamentos continuam basicamente os mesmos, embora com alguma turbulência se aproximando. O mercado de longa vida vem reclamando das vendas, o de queijos já esteve um pouco melhor e o leite em pó definitivamente não está nos seus melhores anos. Essa conjuntura, aliada à expectativa das chuvas e ao fato da balança comercial ter apresentado déficit em agosto, podendo continuar assim mais algum tempo, responde pela maior incerteza do cenário. O valor médio de R$ 0,50/litro parece ser o teto do ano, ainda mais se considerarmos que o câmbio (veja gráfico abaixo) faz desse preço o mais alto do ano também em moeda americana.
Por outro lado, à exceção dos estados do Sul do país, de resto a oferta está bastante apertada. Até maio, os dados do Cepea indicavam produção 3,64% maior do que em 2005. Incluindo junho e julho, essa vantagem cai para 2,79% de elevação, abaixo da média histórica de crescimento. Assim como já ocorrera em junho, julho deste ano apresentou, de acordo com o centro, produção total menor do que o mesmo mês de 2005. O calor elevado e a falta de chuvas devem manter a situação assim para os próximos 30 dias, podendo, no entanto, haver alguma variação de preços em função da turbulência mencionada acima.
De qualquer forma, a análise mais certeira hoje, falando da totalidade de 2006, sugere preços médios sem dúvida mais baixos do que 2005 (estimo entre 8 e 10% na média anual, em valores nominais), fruto da distância nos valores recebidos no primeiro semestre dos dois anos. Em se tratando de segundo semestre, porém, a situação é outra: 2006 deve apresentar resultado superior a 2005, além de preços bem mais estáveis. Isso não quer dizer que o produtor esteja satisfeito com a remuneração, sendo o principal indicativo disso o modesto aumento da produção de leite nesse ano. Os gráficos abaixo trazem os preços em real e em dólar, sendo interessante notar que, em dólar, os valores estão praticamente iguais aos de 2005, com agosto apresentando valores mais elevados do que no mesmo mês no ano anterior.
Indo além na análise e falando de 2007, um item que preocupa é a perspectiva de preços das commodities, especialmente milho e farelo de soja, que nesse ano "subsidiaram" a atividade leiteira com preços um tanto convidativos.
As análises atuais sugerem um cenário distinto no caso do milho. A consultoria Safras & Mercado aponta retração na área plantada entre 9 e 14%, com uma produção total de 40 a 40,5 milhões de toneladas, contra 42,24 milhões na safra 05/06. Os estoques finais internos podem sofrer uma redução de 80%. Já instituto FNP aponta uma variação menor, da ordem de 1% na produção das duas safras. No cenário externo, a produção norte-americana deve se manter com pouca mudança (na verdade, queda de 1%), ao passo que o consumo deve aumentar 5,7%. Vale lembrar que a demanda para produção de etanol a partir do milho, nos EUA, deve aumentar 34,5% e a demanda continuará forte nos demais mercados. As estimativas apontam elevação de 8 a 28% nos preços do grão para o produtor norte-americano.
Em função desse cenário, os preços do grão devem subir. A Safras & Mercado fala em valores de até R$ 18/saca (R$ 300/tonelada) já em janeiro de 2007. Na Bolsa de Chicago, os contratos com vencimento para dezembro de 2007 estão 32,6% acima dos valores de julho de 2006, indicando a tendência de alta do grão. Na média do ano, 2007 apresenta contratos com preço 17,9% superiores aos de 2006. É obviamente complicado fazer previsões de preços, mas a chance é grande do produtor de leite ter de trabalhar em 2007 com custos de energia significativamente mais altos do que em 2006, apesar do consumo interno do grão apresentar poucas variações, em função do setor de carnes estar andando de lado nos últimos tempos.
No caso da soja, deve haver também redução da área plantada, da ordem de 8%, porém com ganhos de produtividade, de forma que a produção final deve se manter próxima à da safra 05/06, com 55,3 milhões de toneladas no Brasil. A manutenção do forte crescimento da economia mundial, da ordem de 5%, aliada à produção mundial de soja sem grandes variações, deve reduzir parte dos estoques no complexo soja. A previsão é de valores próximos ou pouco acima dos verificados em 2006 (cerca de 5,5%). Já no caso do farejo de soja, a Bolsa de Chicago aponta US$ 180 a 210/tonelada para 2007, mesma faixa verificada em 2006.
Tudo somado, é esperado um aumento do custo da alimentação dos rebanhos em 2007, fruto de uma recuperação nos preços do milho, que pode ser da ordem de 20% ou mais. Essa perspectiva, aliada ao dólar atual, que limita o escoamento do produto e coloca um teto de preços, abre um cenário de menor estímulo para a atividade leiteira em 2007. Em outras palavras, a relação de troca favorável, que foi a salvação da lavoura nesse ano, perde um pouco de seu encanto em 2007.
O gráfico abaixo traz os valores comparativos do leite versus uma mistura de 70% de milho e 30% de farelo de soja, de 2000 a 2006 (parcial até julho) e a estimativa para 2007, considerando preços do leite iguais aos de 2006 e milho mais caro. Nesse cenário, a relação de troca fica entre o obtido em 2004 e os valores mais atrativos verificados em 2005. Se houver valorização do dólar, como muitos estimam, a situação melhora, pois o preço do leite em reais tende a subir, embora o mesmo deva ocorrer para milho e soja (mesmo assim, considerando que outros custos não são dolarizados, há ganhos com a alta do dólar). No cenário que se pode hoje avaliar, porém, o mais certo é que 2007 será um ano parecido com 2006 no que se refere a crescimento da produção, dificilmente passando dos 3% anuais. Mais para frente, será possível reavaliar o quadro, com informações mais precisas.