A definição dos preços não tem muito mistério. Existem leis que definem em quais patamares se estabelecerão os preços pagos por um produto. Essas leis não são redigidas, estabelecidas ou alteradas. São naturais, as chamadas leis de mercado.
O princípio é básico: há falta de um produto, o seu valor aumenta. Há sobra deste produto, o seu valor cai.
A falta e a sobra são formadas por dois extremos: quanto do produto existe disponível (oferta) e quantos querem obtê-lo (demanda). Por isso, o que rege qualquer mercado é a tão conhecida lei da oferta e da demanda. De nada adianta ter pouca oferta de um produto, se não há demanda. Seu valor será definido pelo equilíbrio destas partes. Da mesma forma, se houver um produto com alta oferta no mercado, porém com alta demanda, o valor encontrará o equilíbrio. Enfim, o mercado se ajusta.
No início de 2002, em um artigo neste mesmo espaço, chamou-se a atenção de que os preços do leite pagos ao produtor estavam acima do mercado de vendas do longa vida. Haveria pressão no mercado que levaria a duas situações possíveis: ou baixa nos preços do leite ao produtor ou alta no mercado de longa vida. Prevaleceu a segunda situação, pois a oferta restrita de leite no mercado impediria a derrubada nos preços.
O preço do longa vida reagiu alguns centavos, o mercado continuou comprando e os preços se mantiveram firmes até agosto de 2003.
Neste final de 2003, novamente os preços se estabelecem em patamares mais elevados em relação ao preço de venda do longa vida. A oferta de leite ainda é baixa para a época do ano, porém as vendas estão enfraquecidas, um reflexo da crise que atinge o consumidor.
Observe, na figura 1, o comportamento dos preços do leite longa vida e do leite entregue pelo produtor, valor médio do Brasil.
Hoje, o preço médio do leite ao produtor está em torno de 39,7% do valor final de venda do longa vida no atacado. Na média, dos últimos cinco anos, o preço bruto médio brasileiro do leite na plataforma tem girado em 35,2% do valor final de venda do longa vida no atacado.
E por este motivo que muitas indústrias estão reduzindo abruptamente os preços do leite produzido em outubro e novembro. Alguns chegaram a anunciar, e praticar, reduções de até R$0,10/litro para produtores que recebem os maiores preços (os que tem maior escala de produção).
Há quem estime que o preço médio do leite deveria estar em torno de R$0,36/litro ou US$0,13/litro, um valor 26,5% abaixo do preço. Vale lembrar que este preço, fora da realidade sob todos os aspectos, colocaria a remuneração do produtor no mesmo patamar que a de meados de 2002, quando o setor ainda iniciava a recuperação nos preços.
Pois bem, fala-se em mais quatro a cinco centavos de redução no preço do leite para a produção de novembro.
Porém, analisando o mercado de leite, pode-se concluir que não há espaço para quedas elevadas nos preços. Uma redução de cinco centavos nos valores pagos colocaria o produtor nas mesmas condições de 2001 e 2002, quando a produção foi reduzida pela má remuneração do produtor. Na média, de julho até outubro, os preços já recuaram cerca de R$0,015/litro.
Para comparar o nível de preços, basta analisar a capacidade de troca atual com a dos últimos anos. Os anos de 2001 e 2002 foram as piores relações de troca para o produtor de leite, ou seja, foi o período que o leite valeu menos quando comparado aos principais insumos utilizados na pecuária leiteira.
Observe na tabela 1 a relação de troca em litros de leite por unidade de insumo observada para novembro dos últimos cinco anos. Para o pagamento de novembro de 2003, considerou-se uma nova queda de R$0,015/litro, o que era esperado em reduções nos preços.
Tabela 1: Necessidade em litros de leite para adquirir alguns dos principais insumos demandados pela atividade leiteira. Base: mês de novembro de cada ano.
Contabilizando a importância dos insumos proporcionalmente à sua participação nos custos de produção, o produtor gasta hoje 5,2% menos leite para produzir, quando comparado ao período de 2001 e 2002. Portanto, a relação de troca melhorou neste período.
No entanto, quando se compara a relação de troca atual com a média dos anos de 1998, 1999 e 2000, percebe-se o empobrecimento do produtor. Em média o produtor de leite tem que destinar 29,3% de leite a mais para comprar as mesmas quantidades de insumos que comprava anteriormente ao ano 2000. Sendo assim, o leite, mesmo sendo reajustado em 30% sobre os preços de 2002, ainda vale menos quando comparado a períodos mais distantes.
A queda dentro dos limites de R$0,04/litro, considerando o valor de pico em agosto, deixa a situação muito mais próxima dos anos de 2001 e 2002 do que dos anos anteriores. Estas condições apontam para um cenário de baixa oferta de leite para o próximo ano. Ou seja, o ambiente tende a ser novamente concorrido pela captação do produtor.
Porém, caso os preços caiam outros R$0,04/litro, conforme tem sido falado por algumas empresas, a queda total do preço do leite será de R$0,06/litro. Nestas condições, a relação de troca ficará praticamente a mesma observada nos últimos dois anos. Aí não restarão dúvidas, a oferta de leite não reagirá.
Se o mercado reagir e aumentar a demanda, como muitos esperam para dezembro, as indústrias travarão verdadeiras batalhas para conseguir fornecedores de leite, pois a falta de leite será inevitável.
Com base nestas informações pode-se esperar que a baixa no preço não se sustentará por muito tempo.
Nestas semanas muitos compradores falaram que as chuvas provocaram aumento na produção, como se as chuvas estivessem normalizadas em todas as regiões. De fato, houve aumento na produção de leite, normal para o período em questão. Porém, aumentou o volume esperado para o período do ano? Em que condições o rebanho a pasto está produzindo?
Não precisa ser um grande especialista para perceber que o gado está se alimentando de pastagem em brotação. O atraso nas chuvas atrapalhou qualquer plano de utilização das pastagens. Esse fato se traduzirá em baixa produção dos pastos durante todo o verão. Assim, para produzir o mesmo volume de leite, o produtor será obrigado a fornecer maiores quantidades de concentrados.
A falta de chuva também atrasou os plantios das culturas para suplementação na seca. Pode-se esperar perdas de produtividade e aumento nos custos de produção.
Os custos também aumentarão pela própria pressão do mercado de grãos. No Paraná, por exemplo, a queda de 13% estimada na produção de milho provocará forçosamente um aumento nos preços do grão. É provável que o comportamento ocorra, em maior ou menor proporção, em outras regiões do país.
O custo de oportunidade, que muitos não gostam de mencionar, também influenciará o produtor. Este custo é independente de cálculo, análises e controle financeiro, é algo que simplesmente o produtor percebe. A cana-de-açúcar e a soja continuarão invadindo áreas de pecuária. Há estimativas que em todo o Brasil já tenham tomado cerca de 3 milhões de hectares da pecuária, especialmente a de corte. Todos esses fatos interferem nos custos e, conseqüentemente, nos preços. Os custos aumentam, a atividade torna-se desinteressante, cai a produção e os preços se ajustam.
Conhecer e trabalhar adequadamente essas informações possibilitaria à indústria elaborar uma política mais adequada de preços. Os preços do leite, em relação ao longa vida, estão realmente elevados. Porém o diagnóstico não é que o preço do leite ao produtor está alto, mas sim que o preço de venda do longa vida está baixo. Observe novamente a evolução dos preços do longa vida na figura 1. Atualmente os preços estão 10% abaixo da média de venda dos últimos cinco anos, corrigindo os preços pelo IGP-DI. São estes 10% que tem sido anunciados para redução nos preços dos produtores.
Evidente que não se pode ser ingênuo em acreditar que a indústria pagará mais ao produtor, sendo que pode pagar menos. No entanto, o recuo elevado nos preços levará o mercado para condições já vividas no curtíssimo prazo de um ano. Já aconteceu antes, acontecerá novamente. Serão simplesmente as leis da oferta e demanda mostrando que também regem o mercado de leite.
Se o fato puder ser evitado será bom para produtores e indústria.