Há algumas semanas, um produtor enviou uma sugestão de pauta para esta seção. Na sugestão, solicitava que fosse analisada a atuação das entidades de classe e das lideranças da pecuária leiteira com relação à queda de preços, informações desencontradas divulgadas pela indústria e à constante pressão para reduzir o valor do leite coletado no campo.
Pois bem, o momento parece oportuno para discutir esta questão.
Geralmente, em qualquer encontro de produtores, muitas críticas são dirigidas aos representantes de classe. Estes se defendem apresentando as suas ações e mostrando resultados dos trabalhos. Apontam a distância entre as bases e as lideranças como o principal foco motivador das críticas.
A verdade é que os representantes têm desempenhado sua função na defesa dos interesses políticos do setor leiteiro, como é o caso da recente implantada Câmara Setorial do Leite.
O problema é que os produtores ainda esperam que a política, através da pressão de seus representantes, seja eficaz na solução de um sério problema: os baixos preços do leite. É comum ainda encontrar produtores exigindo que o mercado volte a ser regulamentado pelo Governo, algo impraticável no cenário atual.
Como não há regulamentação no mercado, representantes dos produtores, como a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), as federações estaduais e as diversas associações regionais (Leite Brasil, Leite São Paulo etc.), acabam tendo seu universo de ação limitado, como ocorre com lideranças de todo o mundo capitalista.
Se antes da década de 90 participavam da definição dos preços, hoje as ações das lideranças têm pouca influência imediata. As únicas medidas políticas e legais, que podem relacionar-se com o mercado, são as pressões pela obrigatoriedade de uso de leite nacional nos programas sociais e nas escolas; pressões por controle de práticas desleais de mercado; por ações "antidumping" contra países que subsidiam a produção; por fiscalização do mercado informal e outras.
Apesar da importância de ações em torno de temas como os supracitados, os resultados não são perceptíveis no curto prazo. O produtor quer soluções para problemas imediatos como é o caso da queda de preços em outubro e novembro. Na figura a seguir estão os preços dos leites tipos C e B, em São Paulo, em reais corrigidos pelo IGP-DI por litro ao longo dos últimos cinco anos.
Observe que a curva dos preços está voltando a assemelhar-se à dos anos de 2000 e 2001. Confirmando-se as quedas previstas nos preços para dezembro, os valores médios pagos pelo leite brasileiro terão recuado 8%.
Como o mercado é soberano, não há como barrar comportamento nos preços. Se há sobra de leite, os preços caem; se falta leite, os preços sobem. Sendo assim, a única maneira de os representantes dos produtores influírem nesta questão é analisando informações e instruindo os produtores a tomarem medidas de mercado.
Em outras palavras, as entidades de classe precisam passar de representantes políticos para líderes dos produtores rurais. E é isso mesmo que os representantes vêm fazendo nos últimos anos. Vale lembrar que esta mudança é recente, e teve início a partir da década de 90.
No entanto, para que a liderança seja eficaz, os produtores devem discutir e seguir as recomendações elaboradas e propostas por eles. É isso que se pode chamar de coordenação de ações. Levantam-se as informações, elabora-se um planejamento e se adotam medidas que evitem excesso ou falta do produto no mercado.
Para exemplificar, nada melhor que usar os fatos do final de novembro de 2003. As vendas de leite e derivados têm evoluído lentamente, o que acabou causando queda dos preços. Há estoques de leite, ou seja, está sobrando o produto. A sobra de leite nada tem a ver com excesso de produção, o que tem sido afirmado por diversas indústrias, mas sim com dificuldade de vendas.
Há quem diga que a produção tem aumentado 25% a partir de setembro, algo pouco provável de ter acontecido. Alguns especulam sobre o pagamento de leite extracota para a virada do ano e já se estipulam preços nos patamares de R$ 0,20/litro. Ressalta-se que grande parte das indústrias não confirma esta informação.
Em cima destas especulações, e da evolução dos preços dos insumos, a CNA passou a recomendar, nos últimos dias, que o produtor reduzisse as despesas com rações e fertilizantes, o que promoverá uma retração da produção leiteira. Segundo Rodrigo Alvim, presidente da comissão de pecuária de leite da CNA, se há sobra de leite, nada melhor que o produtor reduzir o volume de oferta do produto. Portanto, a recomendação é que o produtor avalie na fazenda qual será a perda com a redução da escala de produção, e passe a reduzir o volume ofertado.
Se a maior parte dos produtores seguir a recomendação, o que acontecerá na prática? Os preços do leite, sem sombra de dúvida alguma, subirão já no início de 2004. Não é isso que se deseja?
Há quem diga que a melhor opção é uma união entre as indústrias e produtores para construir um mercado fortalecido de leite e derivados. Evidentemente, essa seria a melhor opção, mas, por enquanto, a única opção para o produtor influenciar o preço do leite, ou pelo menos combater quedas muito elevadas, é reduzindo a produção.
E foi exatamente isso que ocorreu em 2002 possibilitando uma firmeza de 22 meses nos preços do leite.
Sendo assim, avaliando criticamente, as entidades e os representantes da classe produtora de leite estão desempenhando adequadamente o seu papel. A recomendação da CNA é uma das provas de que estão buscando medidas que defendam a renda do produtor de leite.
A situação foi analisada, houve conversas com as indústrias e não há alternativa. O mercado depende da ação do produtor e a CNA está indicando qual ação tomar.
No entanto, os resultados só se concretizarão se a maior parte dos produtores seguir a recomendação. As entidades não podem agir por todos os produtores, apenas liderar.
Para liderar com qualidade precisam de informações e, posteriormente, que os produtores sigam as recomendações.
Apenas para informar e contra-argumentar os que criticam a atuação destes representantes, em recente palestra, Rodrigo Alvim afirmou que a CNA frequentemente envia 6 mil cartas para produtores pesquisando sobre as suas condições e sugestões de ações. Deste total, apenas 800 produtores, em média, respondem. Menos de 13% do total.
Sem a participação dos produtores, seja informando, sugerindo ou agindo, as medidas mais eficazes elaboradas pelos representantes de classe certamente não renderão frutos.