Na última década do milênio passado o preço do leite ao produtor caiu a quase um terço do valor, descontada a inflação. Foi uma queda radical, que expulsou muitos da atividade e obrigou um forte ajuste nos sistemas produtivos daqueles que se mantiveram na atividade. E neste milênio, qual tem sido o comportamento dos preços?
O gráfico 1 reproduz os preços mensais recebidos por produtores de leite nos estados de Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul, Goiás e Bahia, entre novembro de 2000 e novembro de 2003, de acordo com o Cepea, da Esalq/USP. Deflacionei os preços para novembro de 2003.
Deflacionar corresponde a retirar a inflação. Vamos explicar melhor este procedimento. Deflacionar significa trazer todos os preços para um mesmo mês. Suponha que você comprou um Fiat Palio novo por R$ 8.000 em 1994. Suponha agora que um Fiat Palio novo é vendido hoje por R$ 14.000. Hoje ele é mais caro ou mais barato que há 10 anos atrás? Erra quem compara os dois preços diretamente. Um dos graves erros que se comete em análises de preços é comparar valores de épocas diferentes, sem descontar a inflação do período, o que mascara qualquer análise. Isso vale também quando trabalhamos com moedas fortes como o dólar, pois mesmo nestes países ocorre inflação. Somente depois que os preços nominais ou correntes são deflacionados ou corrigidos é que se torna possível saber se os preços recebidos foram maiores, menores, ou estáveis.
Veja o gráfico 2. Ali estão representados os preços nominais ou correntes para o leite, ou seja, os preços efetivamente recebidos pelos produtores, mês a mês. Agora compare os gráficos 1 e 2. O Gráfico 2 nos dá a falsa sensação que os preços tiveram crescimento contínuo da metade da série até o seu final. Mas o crescimento do preço foi menor que a inflação mês a mês, em geral. Portanto, seu crescimento, na realidade, não foi verdadeiro. Por isso, o gráfico válido para qualquer análise é o gráfico 1. Em outras palavras, está errado afirmar que o preço do leite cresceu seguidamente após o verão de 2002!
Então, vamos no ater ao Gráfico 1, que reproduz valores reais e entender o que ele, o gráfico, nos diz. A título de exemplo, o Cepea nos informa que o produtor de leite em Minas Gerais recebeu, em média, R$ 0,32 por litro em novembro de 2000. Após deflacionarmos, descobrimos que, em novembro de 2003, os R$ 0,32 equivalem a R$ 0,48. Portanto, neste caso específico, o preço do leite recebido em novembro de 2003 foi maior em R$ 0,01 que o preço do leite em novembro de 2000, medido em valores de novembro de 2003, pois os produtores receberam, três anos depois, R$ 0,49 por litro de leite naquele estado. Parece complicado? Parece, mas não é.
Mas, voltemos ao gráfico 1. O comportamento da série histórica apresenta três momentos distintos, o que lembra uma montanha russa. Os preços caem na safra 2000-2001 e se elevam até julho-agosto de 2001. Se estabilizam e têm queda vertiginosa, quando voltam a subir e, a partir daí, apresentam uma certa estabilidade até o final de 2003.
Em termos médios, o estado que melhor remunerou o produtor foi Minas Gerais no período (relembrando: novembro de 2000 a novembro de 2003), a R$ 0,466 o litro, seguido de São Paulo a R$ 0,447, Goiás a R$ 0,439, Rio Grande do Sul a R$0,422, Paraná a R$ 0,414 e Bahia a R$ 0,393. Numa comparação mês a mês, em 37 observações, Minas Gerais obteve o maior valor em 29 meses e o segundo maior preço nos demais meses. São Paulo obteve a melhor remuneração para o leite em nove meses da série e o segundo melhor preço em outros 16 meses. Isso não significa afirmar que as maiores rentabilidades foram obtidas nestes estados. Dados de preços somente não permitem esta inferência. É necessário se conhecer a estrutura de custos das propriedades e o comportamento do preços dos insumos. Em outra oportunidade e com outros preços, verifiquei que as propriedades do sul do país têm melhor rentabilidade que as propriedades de Minas e São Paulo, embora os preços recebidos pelos produtores de leite no sul do Brasil sejam tradicionalmente inferiores.
Essa última afirmação se confirma nessa série histórica. O Paraná apresentou os menores preços entre os cinco maiores estados produtores de leite do Brasil, embora tenha melhorado o seu desempenho comparativo, a partir de janeiro de 2001. Efeito do Conseleite? O último lugar ficou para a Bahia. Em 24 dos 37 meses aquele Estado apresentou o pior preço recebido entre os seis estados analisados.
O Gráfico 3 retrata os preços médios praticados nos seis estados, vistos em conjunto e apresentados sob a forma de números-índice. Esse é um artifício interessante para tornar mais visível o comportamento dos preços. Elegi novembro de 2000 como índice 100. Isso significa dizer que, se num determinado mês encontrarmos índice de preço de 117, é correto afirmar que, naquele mês, o preço foi 17% superior a novembro de 2000, descontada a inflação.
Vejam que estrago o apagão promoveu na remuneração do produtor. Entre julho de 2001 e janeiro de 2002, o preço recebido caiu de 111 para 75, ou dois terços do que era a seis meses anteriores. Mas o lado bom disso é que, afastado o efeito apagão, em termos reais, ou seja, descontada a inflação, os preços apresentaram uma relativa estabilidade de preços. Entre janeiro e novembro de 2003, por exemplo, os preços recebidos oscilaram entre 95 (janeiro) e 108 (entre junho e setembro). Convenhamos, é uma pequena oscilação (13,7%), entre os picos de safra e entre safra.
Pretendo continuar com este assunto nos artigos seguintes. No próximo, apresentarei o comportamento de preços nos seis estados. Conheceremos quem é o estado campeão em estabilidade de preços e o campeão em instabilidade. No artigo seguinte, apresentarei o comportamento de 22 insumos largamente utilizados pelos produtores, como ração, adubos e defensivos, produtos veterinários. Entre uma notícia e outra sobre o tufão Parmalat, que a todos nos assola, creio ser interessante continuarmos analisando os preços que afetam a atividade leiteira.