Após cerca de meio ano de quedas nos preços ao produtor, o mês passado verificou uma elevação, ainda que modesta: segundo o CEPEA/USP, o preço médio dos estados pesquisados subiu 3,4%, para R$ 0,432/litro. Já a Scot, em matéria do Valor, apontou elevação de 1,4%, com preço muito próximo: R$ 0,427/litro. A principal razão para esse comportamento em um mês de "safra" foi a redução na captação de leite (segundo o CEPEA, a captação em fevereiro foi 3,8% menor do que em janeiro), aliada a maior demanda de lácteos pela volta às aulas, além do estímulo ao consumo provocado pelos baixos preços nos lácteos, fatores que motivaram alguma elevação dos valores no atacado e varejo. De outro lado, em informação recém-divulgada, as exportações atingiram US$ 13 milhões em fevereiro, superando em US$ 3,2 milhões as importações, contribuindo para enxugar o mercado. A percepção do setor é de que os estoques estejam relativamente baixos, principalmente para longa vida e queijos.
Esse movimento de alta foi precedido por uma substancial elevação os valores do chamado leite "spot", comercializado entre empresas. Aliás, o "spot" é sempre o primeiro a reagir, quando há movimento de alta, e o primeiro a cair, quando o movimento é de redução de preços. Além disso, pelo fato ser normalmente negociado a cada quinzena e envolver volumes maiores, apresenta maior volatilidade de preços. O leite "spot", que chegou a ser comercializado a R$ 0,35/litro em janeiro, atingiu valores próximos a R$ 0,60/litro recentemente, em uma elevação muito rápida - menos de 2 meses e meio - e até maior do que poderia esperar o mais otimista dos analistas, analisando o cenário ao final do ano passado.
Tal situação, evidentemente, repercute o mercado, sinalizando a necessidade de aquisição de leite por parte das empresas do setor, refletindo a conjuntura exposta no primeiro parágrafo adicionada de dois aspectos: primeiro, a expectativa de elevação do consumo em função do maior crescimento da economia em 2006 em relação a 2005 (que apresentou aumento pífio do PIB de 2,3%) e o ganho salarial nas faixas de renda mais baixas com o aumento de 17% no salário mínimo a partir de abril. Um terceiro aspecto pode ser citado, finalizando a composição do quadro por trás desse movimento: considerando os preços mais baixos pagos pelo leite no segundo semestre, cria-se a expectativa (que começa a ser materializada pela redução na captação de fevereiro), de menor disponibilidade de leite no mercado na entressafra, o que coincide com a necessidade atual das empresas de captação de leite. Analistas do setor estimam, para 2006, um aumento de 3 a 5% na produção, bem mais baixo do que o verificado em 2005, ainda que não tenhamos os números finais. É interessante lembrar que várias fábricas foram recentemente construídas, sendo necessário girá-las.
Não é difícil, portanto, explicar essa reversão no quadro em fevereiro e a expectativa de novos aumentos de preço ao produtor, ainda mais se considerarmos que o "spot" vem subindo - e bastante. Porque, então, a cautela sugerida no título desta análise?
A cautela está no câmbio. Até pouco tempo, a opinião geral era que o câmbio estava distorcido, isto é, irreal, e que mais cedo ou mais tarde, subiria para níveis mais palatáveis, de R$ 2,40 a R$ 2,50. Hoje, cada vez mais cresce a opinião no mercado de que o dólar atingiu um novo patamar estrutural, ou seja, não há porque esperar, considerando as variáveis macroeconômicas do país e o cenário mundial, um aumento nas cotações. Pelo contrário: há quem trabalhe com expectativa de valorização ainda maior do real, a ponto de atingir valores tão "improváveis" quanto R$ 1,80.
Em janeiro, a balança comercial de lácteos apresentou déficit de cerca de US$ 4 milhões, contra menos de US$ 0,5 milhão no mesmo mês de 2005. Apesar da recuperação em fevereiro e em que pese a boa notícia da reabertura do processo das medidas anti-dumping, muito bem comentada por Paulo do Carmo Martins em seu artigo de Conjuntura (clique aqui para ler), o fato é que se o câmbio ficar mesmo na faixa dos R$ 2,00 a R$ 2,10, a possibilidade de recrudescimento das importações - e conseqüente frustação dos esforços exportadores - é real. Com um câmbio de, digamos, R$ 2,10, qualquer valor que se aplique ao preço do leite parece uma heresia ao ser convertido em dólar, partindo-se do princípio que o preço que permite competitividade hoje no mercado internacional estaria na casa dos US$ 0,21-0,22 por litro. De outro lado, em função das incertezas em relação ao câmbio, várias empresas estão receosas de fechar contratos e depois amargar perdas em função de variações cambiais.
Dessa forma, explica-se a cautela. Se o câmbio se firmar nesses novos patamares, é provável que tenhamos aumento significativo de importações principalmente a partir de abril e maio, quando a safra argentina começa a crescer (o dólar está hoje cotado a 3,08 pesos). Assim, uma leitura possível, no momento atual, indica elevação de preços por mais 2 a 3 meses e, depois disso, incerteza em função de uma provável entrada de leite argentino (e, em menor quantidade, uruguaio). Há, dessa forma, o risco de termos uma repetição do comportamento da curva de preços do primeiro semestre de 2005.