Domingo, 30/11. Manhã chuvosa em todo o centro-sul do Brasil. Dia propício para ficar em casa, ler jornal. Dia ideal para ser influenciado pela mídia. Pego a Folha de São Paulo. Na primeira página, está lá o leite como manchete! Boa Notícia?
Vejo que não, como todas as outras dos últimos anos. Leite quando sai do caderno de agronegócio e vai para o caderno de Economia ou de Cidades, é porque coisa boa não está por vir.
Leio rapidamente a chamada da primeira página e corro para as páginas internas do primeiro caderno - o mais importante do jornal. Lá encontro a matéria. O título: Nada se cria - iniciativa do ex-presidente foi alvo de uma série de denúncias e críticas. Lula retoma programa do leite lançado por Sarney.
Sem introdução padrão, a primeira frase é do ministro Graziano: o companheiro Sarney tinha razão. Referia-se ao programa de distribuição de leite do Ex-presidente. A partir daí, a matéria descreve como será todo o programa, em 132 palavras, o que inclui o público beneficiado, os estados, as parcerias. Mas logo retoma para o seu eixo principal, sugerindo que haverá uso político com o programa.
E emenda, informando que serão gastos R$ 250 milhões/ano com a aquisição de leite, o que corresponde a 62,5% dos recursos do ministério responsável pelo combate à fome. Para quem estava em casa lendo a matéria relaxadinho como o dia pedia, seguramente começou a se irritar. Seria normal o leitor se perguntar se o ministério era de combate à fome ou de apoio ao leite; se de segurança alimentar ou de segurança dos enricados produtores de leite... Esse mesmo jornal, três meses antes, usou de estratégia semelhante, em sucessivas matérias, ou seja, preparou os consumidores para apoiarem a renúncia fiscal que o Governo acabou providenciando para o setor automobilístico, com o corte do IPI. Convido-o a reler o artigo O Carro e o Leite nesta coluna.
O que a matéria não informa é que, com R$ 250 milhões, 49.250 empregos permanentes serão gerados na economia nordestina. E nem informa que, deixando de contribuir com os combalidos cofres públicos, as montadoras de automóveis deixarão de arrecadar cerca de R$ 800 milhões. E o que é pior: sem gerar nenhum novo emprego!
A matéria continua e mais 146 palavras são usadas para levantar suspeitas de possível uso político com a proposta. Mas não pára por aí. Como toda matéria indutiva que se preza, para ganhar credibilidade, é necessário buscar um embasamento técnico. E qual foi então a fonte escolhida? Ora, o Conselho Federal de Nutricionistas! Regra de Manual. Vivi isso como delegado do Conselho Regional de Economia por quatro anos. E o que diz este Conselho, naturalmente formado por profissionais que se dedicam mais a elaboração de cardápio de refeições industriais e a tentar emagrecer os gordinhos espalhados pelo Brasil? Segundo a matéria, disse que as famílias deveriam ter liberdade de escolher os alimentos que vão consumir. Se não tivesse ficado fora de moda a partir de 01 de janeiro deste ano, iria aproveitar para dizer que esta afirmação é tipicamente Neoliberal! Afinal, um de seus maiores difusores é um economista Prêmio Nobel, que ficou popular com um livro exatamente com este título - a liberdade de escolher!!!
O que a afirmação da Presidenta deste Conselho demonstra desconhecer é que existe uma brutal diferença entre política de rendas, na qual poderia ser citado o relevante Programa Bolsa-escola e Política de combate à desnutrição, focada num produto ou num conjunto de alimentos previamente escolhido. É como remédio. Hum, liberdade de escolher....
Mas vejam só: segundo a matéria, ela ainda insistiu em que o leite não garante os nutrientes de que as crianças precisam, embora seja uma fonte de proteínas. Mas, a R$ 1,00 o quilo, o que a Presidenta sugere? Que produto completo é este que ela não nos informa? Que proposta alternativa tem esse Conselho?
Bom, a matéria inicia seu término com a ardorosa defesa da ação do Governo feita pelo Dr. Jorge Rubez, da Leite Brasil. Mas ainda continuou impiedosa. Colocou sua posição como a voz do mercado e terminou com um subtítulo, onde o Programa é analisado como negócio.
Veja, caro leitor, como é possível, em apenas uma matéria juntar todos os ingredientes que faz a classe média se colocar contra uma decisão governamental justa e correta, sob a ótica social e econômica: coronelismo e uso político, desperdício do dinheiro público e uso da pobreza para ganhos de grupos restritos da sociedade. Querendo ou não, a matéria passou esta imagem. E acho que quis. E quantos a leram? Aos domingos a edição chega próximo de 1,4 milhões de exemplares. O cálculo que fazem é que um exemplar de jornal no Brasil é lido 4 pessoas, em média. Chegamos então a 5,6 milhões de pessoas. Mas tem ainda a versão disponível na internet, que eu não saberia mensurar o número de leitores. Tudo bem: 6 milhões nas duas mídias. Se 10% leram a matéria que saiu no principal caderno daquele jornal e em destaque, num domingo chuvoso, seriam 600 mil leitores!!!!
Defender a política do ministro Graziano é fundamental. Não se pode deixá-lo inibido por pressões como essa, pois não é a única. Caso contrário, irá gastar estes recursos em programas que sejam políticamente sustentáveis. Por outro lado, é importante registrar o papel que o Presidente da Leite Brasil vem cumprindo, defendendo o Programa do Governo. Somente assim será possível expandi-lo para todo o Brasil nos próximos anos. Afinal, leite e pobre têm em todo o Brasil!!!
Agora, umas perguntinhas para o Conselho Federal de Nutricionistas: aonde estavam, quando a merenda escolar era somente produtos formulados tipo feijão em pó, sopa em pó? Aonde estavam quando o governo quebrou o cartel de fornecedores então existente e iniciou o estímulo de consumo de produtos in natura na rede escolar? Porque não se pronunciaram contra e a favor no primeiro e no segundo casos? Porque não propõem uma política alternativa para o combate a fome e o desemprego ao mesmo tempo, tendo por base os tais R$ 250 milhões?
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