Mas será que o que nos aguarda nos meses restantes é algo semelhante ao verificado em 2007? Há ainda algumas dúvidas antes de concluir que sim, por diversas razões. O primeiro ponto é a oferta. É oportuno constatar que a oferta de leite em 2008 está muito consistente, fruto de uma combinação de chuvas que permanecem no Centro-Oeste e Sudeste e de uma expectativa favorável ao setor que se instalou com os preços recordes do ano passado, em função dos investimentos e da percepção de que o Brasil pode ser a bola da vez no leite, como já foi com a cana, a laranja, o gado de corte e por aí vai.
No Centro-Oeste e Sudeste, Minas Gerais em especial, diversas fábricas estão operando em plena capacidade, algumas até evitando novos produtores, o que é absolutamente anormal para abril, um dos meses de menor produção se analisarmos os dados do IBGE. Vale lembrar que, nessa época do ano passado, algumas indústrias lançaram mão de estratégias para elevar a captação, pagando prêmios extras por produções excedentes ao volume de safra, o que não ocorre hoje da mesma maneira. E o mercado de leite spot não está aquecido como no ano passado, apesar de ter reagido e chegado a R$ 0,85/litro.
Em Goiás, há relatos de produção em abril maior do que de março, algo não usual, e produção 15% acima do mesmo mês do ano passado. Mesmo no RS, onde falta chuva, a produção está sensivelmente acima da do ano passado, na casa dos 10%. Dados do Cepea/USP falam em captação 23% superior em fevereiro de 2008 em comparação a fevereiro de 2007. Embora não sejam dados oficiais e tal estatística seja fruto de amostragem, o que pode gerar diferenças em relação ao valor efetivamente produzido, o fato é inegável: há forte crescimento na oferta em 2008, até porque o início de 2007 foi fraco em termos de leite, conforme já havíamos colocado em outro artigo (clique aqui para ler).
Esse crescimento de oferta de leite nos sinaliza que o potencial de resposta da produção é muito elevado e precisaremos desenvolver consumo e exportações para crescer algo próximo desse potencial. As indústrias alegam que esse leite não consegue ser colocado no mercado aos preços que o setor esperava para essa época do ano. Há alguma movimentação, mas lenta. Fala-se em longa vida com negócios entre R$ 1,25 e R$ 1,50 no atacado, dependendo da região, volume e poder de negociação. É um valor parecido com a mesma época do ano passado, mas que desafia as margens desse segmento de mercado, tendo que remunerar a matéria-prima a mais de R$ 0,70/litro, chegando a R$ 0,80, quando no ano passado pagava cerca de R$ 0,55 nessa época.
Há quem diga que os preços no campo já estavam elevados e subiram a uma taxa acima daquela que o mercado comportaria, fruto da expectativa da indústria para essa época do ano, pois não se esperava que fosse chover até final de abril, mantendo a oferta alta. Difícil dizer. Afinal, a pressão de custos é um fato real, criando um novo patamar de valores. Talvez tenha havido também a expectativa de 2008 repetir o comportamento de 2007, com preços bem mais altos no atacado (o que ainda pode ocorrer). Há, possivelmente, uma certa dose de especulação, fruto dos investimentos: quem entrou no setor, precisa crescer; quem tem a idéia de se desfazer do negócio, precisa mostrar musculatura, isto é, captação, para se valorizar; quem fica, precisa se movimentar. O resultado é uma procura por leite, que ainda não encontrou totalmente o espaço no atacado.
É esperar para ver o desenrolar dos próximos 15-30 dias. Se os lácteos (longa vida principalmente) der sinais mais fortes de elevação nos preços, há espaço para novas elevações e 2008 pode ir no embalo de 2007. Para isso, a oferta deve ceder um pouco e viabilizar um crescimento de preços. Há que se lembrar, ainda, que o governo está procurando conter o ritmo de elevação do consumo, tendo elevado os juros em 0,5%, valor considerado exagerado por muitos analistas. Ou seja, parece ser complicado elevar os preços do longa vida mantendo-se a oferta atual, pois o consumo, embora alto, pode não manter o ritmo de crescimento dos últimos 12 meses.
O aumento dos preços dos lácteos no atacado é desejável e possível, mas analisando hoje é arriscado prever que tenhamos algo parecido com o comportamento de 2007 (gráfico 1) enquanto tivermos leite disponível e sem a válvula das exportações funcionando plenamente (mais sobre isso a seguir). E, a julgar pelo ânimo dos produtores no sul do país, com a chegada dos novos investimentos, além das culturas de inverno que elevam a produção nessa época e pelos estoques de silagem feitos no Sudeste e Centro-Oeste, o estímulo à oferta continua. Em outras palavras, talvez não venhamos a ter, neste ano, um comportamento típico de entressafra - aliás, esse conceito precisará ser revisto considerando que o leite no Sul vem ganhando importância e apresenta crescimento da produção nos meses de entressafra do Sudeste/Centro-Oeste, que também vem investindo mais em forragem conservada, diminuindo a diferença entre safra e entressafra.
Gráfico 1. Variação de preços no atacado nos últimos 18 meses (até janeiro/08)
Vale a pena também analisar o cenário internacinal. No ano passado, os preços externos nessa época do ano estavam em franca ascensão, fruto da demanda aquecida e oferta escassa. Os exportadores de commodities comemoravam uma escalada de preços sem precedentes e que culminou com picos acima dos US$ 5.500/tonelada. Em 2008 (gráfico 2), a situação é ainda bastante boa, mas distinta. Após os picos de setembro e outubro, os preços - especialmente do leite em pó desnatado - caíram e hoje oscilam em torno de um valor ainda historicamente bom (US$ 4400-4700/tonelada de leite em pó integral, no oeste da Euroa), é verdade, mas menor do que nos picos - e sem tendência definida de elevação, como em 2007.
Gráfico 2. Preços do leite em pó no Oeste da Europa (US$/tonelada)
Assim, os elevados preços externos que coincidiram com o grande aumento de preços no mercado interno no início/meio do segundo semestre parecem não estar presentes nesse ano, apesar de vários países exportadores continuarem sem muito leite e da demanda internacional continuar forte, mesmo considerando o viés de desaceleração, fruto principalmente da crise norte-americana.
O câmbio é a outra variável que determina a transmissão de preços externos para o mercado nacional. Se analisarmos o gráfico 3, vamos notar que o Real se apreciou muito nos últimos 12 meses, valendo cerca de 17 a 18% mais dólares hoje do que no mesmo período de 2007. Essa valorização do Real impacta diretamente na menor competitividade de nossas exportações. A Tabela 1 simula, para diversos preços do leite no mercado internacional e câmbio, o máximo preço que pode ser pago pelo leite e ainda assim ser competitivo para exportação. Supondo um preço médio de US$ 4500/tonelada e o câmbio atual, de R$ 1,67, conclui-se que pagamentos acima de R$ 0,80/litro não permitem rentabilidade na exportação. Isso não quer dizer que empresas exportadoras não possam vir a pagar mais, dependendo de estratégias regionais e interesses específicos, mas que, no agregado, preços médios acima destes não são competitivos no mercado internacional.
Gráfico 3. Variação do câmbio de 2004 a 2008
Nota-se que, no ano passado, com câmbio na casa dos R$ 1,90 a R$ 2,10 e preços dos leite em pó atingindo US$ 5500/tonelada, o mercado externo permitia folga bem maior na remuneração da matéria-prima, o que explica fortes elevações de preços iniciando justamente em estados/regiões em que atuam empresas exportadoras, algumas delas mantendo preços bastante atrativos mesmo quando o mercado já não estava tão aquecido.
Tabela 1. Preços máximos, em R$/litro, a serem pagos pela matéria-prima dependendo do câmbio e valor do leite em pó integral no mercado internacional
Em função disso, nossa quantidade exportada não tem se elevado em 2008, quando comparada a 2007, apesar da disponibilidade de leite ser sensivelmente maior (vamos abordar isso a seguir). De fato, até março exportamos em quantidade cerca de 3% a menos do que no mesmo período de 2007, apesar de termos muito mais leite. A matéria-prima está mais cara, o câmbio não ajuda e os preços externos não são suficientes para determinar um movimento exportador forte.
Tudo somado, somente manteremos um forte ritmo de aumento na matéria-prima nos próximos meses se os preços no atacado subirem (ou se a briga pelo aumento na captação se sobrepor ao mercado). Para isso ocorrer, parece necessário que a oferta ceda um pouco ou que venhamos a exportar em condições melhores, o que implica câmbio mais favorável (difícil) ou preços externos melhores (é uma possibilidade, mas incerta hoje). Por outro lado, vale a pena colocar que nossa suscetibilidade ao produto importado é hoje menor: a Argentina, que realmente pode elevar as exportações para o Brasil sem pagamento de taxas extras, está com oferta restrita e uma política que não favorece vendas externas; os EUA, que possuem leite em pó desnatado para exportação, esbarram na Tarifa Externa Comum, de 27%. Assim, é possível que tenhamos algum descolamento em relação ao mercado externo. Resta saber como se comportará o Uruguai.