Nas várias regiões, a oferta de leite nesse início de ano é de fato bastante superior a verificada em 2007, como sugere o indicador de captação do CEPEA (Figura 1). Há que se lembrar, no entanto, que o início de 2007 foi um período de produção particularmente baixa, com abril produzindo até menos do que o mesmo mês do ano passado, segundo o CEPEA, fruto do desestímulo causado por preços reduzidos durante todo o ano de 2006. Com isso, certamente, no acumulado do ano, não manteremos os cerca de 20% de aumento nesse índice, uma vez que de junho em diante, a produção de 2007 respondeu rapidamente em função dos preços mais altos.
Figura 1. Variação da captação em relação ao mesmo mês do ano anterior, de fevereiro de 2007 a março de 2008 (Fonte: Cepea, Elaboração: MilkPoint)
De qualquer modo, o fato é que 2008, até agora, apresentou produção significativamente mais alta do que 2007. Abril foi chuvoso no centro-oeste e sudeste, postergando a entressafra, que começou a vir somente em meados de maio. Em breve, começa a safra do sul, animada pelos investimentos em laticínios e com as pastagens de inverno em pleno desenvolvimento.
Para permitir preços mais elevados, esse panorama de oferta necessitava de manutenção do consumo e/ou fortes exportações. O consumo, embora ainda consistente, já dá sinais de desaquecimento. Como citado em matéria do jornal Estado de S. Paulo, não se trata de uma virada, mas sim de perda de fôlego. Vários setores detectaram uma redução na velocidade dos negócios, o mesmo ocorrendo com lácteos. Entre as razões para essa desaceleração estão o aumento dos juros e o aumento da inflação, que minam o poder de compra da população, e o maior endividamento em função da expansão do crédito dos últimos anos. Para enfrentar essa situação, algumas empresas de alimentos e bebidas estão lançando mão de promoções. Segundo dados da LCA Consultores, nos últimos 12 meses, até abril, o salário mínimo perdeu 6,6% do poder de compra em relação à cesta básica, fruto do aumento dos preços dos alimentos. Por isso, está sobrando menos dinheiro no bolso do consumidor, que também tem maior parcela de sua renda comprometida com as prestações, por conta do crédito mais fácil. Por tudo isso, o Departamento de Economia da ABIA (Associação Brasileira das Indústrias de Alimentação) já admitiu que o crescimento de 8,1% no volume de vendas de alimentos no primeiro trimestre de 2008 não se repetirá agora. É preciso considerar que o crescimento em faturamento em 2007 foi muito elevado - alguns produtos tiveram vendas acima 30% maiores quando comparadas a 2006. Manter esse ritmo não é tarefa fácil.
A demanda externa é também motivo importante para essa desaceleração na produção. Câmbio desfavorável e menor crescimento mundial dificultam a exploração desse canal, apesar de, nos lácteos, o saldo de abril ter sido favorável em US$ 36 milhões. Resta aguardar os próximos meses, mas a lógica é de menos exportações.
Essa conjuntura logicamente afeta os lácteos. Apesar das boas expectativas e das correções verificadas em março e abril, o leite longa vida, um dos produtos mais importantes para determinar o comportamento de mercado, parece ter estacionado nos R$ 1,35-R$1,45/litro no atacado, valor que está abaixo do verificado em maio de 2007 (o CEPEA indicava R$ 1,49/litro), o que é crítico para o segmento que precisa trabalhar hoje com matéria-prima na casa dos R$ 0,75-R$0,80/litro. Em função disso, algumas indústrias vem procurando direcionar a produção para outros produtos, como o leite em pó, deteriorando também a situação dessa alternativa que vinha se mostrando melhor do que as demais. Os estoques estão mais elevados e os preços do produto industrial se situam entre R$ 8 e 9/kg (algo acima da paridade de exportação, que está na casa dos R$ 7,5-8,0/kg), contra R$ 10 a R$ 12/kg do produto fracionado. Por outro lado, há indícios que o setor de queijos tenha melhorado, com mussarela e prato subindo cerca de 20% do ponto mais baixo para agora, atingindo R$ 8,50-9,00/kg; mas há estoques.
Em função disso, ensaia-se uma acomodação de preços, a começar pelo leite spot, que está apresentando em algumas praças redução de cerca de R$0,05/litro na segunda quinzena de maio, com pressão para novos ajustes futuros. Os preços médios ao produtor, pagos em junho, devem variar pouco em relação a maio, talvez com oscilações regionais. Já para a produção de junho, paga em abril, o mercado está especulado, não sendo impossível que tenhamos algum ajuste para baixo. Por outro lado, as indústrias não querem perder captação. O passado recente traz alguns casos dolorosos de tentativas de redução de preços quando não havia espaço para tal, tendo como resultado expressiva perda de captação e necessidade de aquisição de leite a preços mais altos. Isso também é motivo de cautela para a indústria - ou deveria ser.
Nessa toada, 2008 parece se descolar do comportamento de 2007. Porém, qualquer projeção futura nesse momento é arriscada. Primeiro, devemos ter alguma desaceleração na produção, que ajudará a manter o mercado ao enxugar a oferta. Se isso ocorrer, movimentos de redução de preços não têm vida longa, como a experiência já nos mostrou. Segundo, com os preços de insumos muito elevados, os custos subiram sensivelmente e um cenário de preços em queda com custos em elevação será muito negativo, desestimulando a produção. Nesse cenário, com o produtor tendo que comprar adubo, mineral e ração a preços impensáveis, com preços da arroba em alta e com a produção de grãos atrativa, há o risco de termos, em 2009, uma repetição de 2007, com pouco leite no primeiro semestre, elevando novamente os preços e os custos de captação das indústrias, que deveriam ter esse quadro em mente para formular suas políticas de captação.
De qualquer modo, a avaliação feita anteriormente continua: 2008 tende a ser um ano com menor flutuação de preços do que 2007 e provavelmente com preços médios superiores. O problema, claro, são os custos. Isso posto, o produtor deve ficar atento aos indicadores de mercado e, principalmente, aos custos de produção.