Este poço tem fundo? |
Findo o levantamento do mercado de leite de agosto, o cenário "escurece" um pouco mais aos produtores.
Atividade que até junho era considerada uma das poucas que permanecia imune à dura crise que atingiu os produtores rurais na safra 2004/2005, lentamente a produção leiteira vai entrando, com tudo, no bonde da crise.
Uma pena, pois seria o terceiro ano favorável aos produtores de uma atividade que, na última década, passou praticamente apenas por crises, uma atrás da outra.
O pagamento de agosto, quando se remunera a produção de julho, trouxe um recuo médio de 6,67% em todo país. Em algumas das principais bacias leiteiras, o recuo nos preços chegou a R$0,07/litro em apenas um mês, uma queda brusca no orçamento.
Goiás, a segunda maior bacia leiteira do país, teve queda média de R$0,06/litro nos preços pagos aos produtores. Esta queda representa 11,67% em apenas um mês. Observe os preços de agosto, produção de julho, e as evoluções em porcentagem e em centavos na tabela 1.
Tabela 1: Variações em porcentagem e em R$/litro e preço bruto médio pago pela produção de julho em todo o país.
Os produtores gaúchos levaram outra pancada nos valores pagos. Apenas em agosto, o recuo foi de outros 8,24%. Em três meses, a queda nos preços do leite no Rio Grande do Sul já atinge 16%.
Dentre as principais bacias leiteiras, além do Rio Grande do Sul, as quedas mais expressivas ocorridas até o momento foram observadas no Paraná (13,5%) e em Goiás (15%).
Na média nacional, os preços caíram cerca de 10,7% desde o pagamento de julho (produção de junho). Para calcular a média nacional, a Scot Consultoria acompanha todos os Estados que representam mais de 1% da produção nacional. São 16 Estados, cujos preços pesam proporcionalmente à produção anual de cada um deles, no cálculo da média nacional. É a média ponderada.
Como mais de 80% dos entrevistados acreditam em recuos nos preços para os próximos meses, a situação ainda não se estabilizou, e nem mesmo as estimativas para o próximo pagamento. É certo que os preços caem ainda mais. Por isso, até o final do ano os preços recuarão mais do que se esperava. Até então, acreditava-se em quedas próximas de 14%.
Já é certo que o impacto nos resultados das fazendas leiteiras será maior do que o que se esperava até o momento. O ano será difícil!
A opinião dos entrevistados, de que os preços recuarão ainda mais, não é exagero. Os preços do longa vida recuaram novamente em agosto. No mês, a cotação média do longa vida no atacado abaixou 3,56%. Em relação a abril, quando os preços foram os mais altos, houve queda de 18%.
No varejo, situação semelhante. Em agosto os preços caíram 5,67%. No ano a queda já é de 14%. Observe, na figura 1, a evolução dos preços do longa vida no varejo e no atacado, em reais nominais (dinheiro da época), no período de janeiro de 2004 a agosto de 2005.
Na figura 2 estão os preços do longa vida no atacado nos últimos 7 anos, em valores reais corrigidos pelo IGP-DI e em valores nominais.
O fraco desempenho no mercado interno, que é refletido nas figuras 1 e 2, e os maus resultados no mercado externo, influem no preço da matéria-prima.
No ano, o preço do leite no mercado "spot", comercializado entre as indústrias, já recuou cerca de 30%. No mercado "spot", o preço médio é cotado em R$0,46/litro, o pior valor nominal desde fevereiro de 2004, pouco depois da crise da Parmalat reduzir a praticamente "nada" as cotações deste mercado.
A situação fica cada vez mais alarmante aos produtores. Observe, na figura 3, a evolução dos preços médios nacionais pagos aos produtores de leite, em reais corrigidos pelo IGP- DI e em reais nominais por litro de leite, nos últimos 7 anos.
Mesmo quando corrigidos pelo IGP-DI, os preços do leite ainda não atingiram os valores mais baixos da história; na verdade ainda não chegaram nem aos menores preços de 2004.
No caso da pecuária de corte, as cotações da arroba bovina, corrigidas pelo IGP-DI, estão cerca de 7,5% abaixo do que, até julho deste ano, vinha sendo considerado o pior preço da história.
Esse comportamento, caso se estendesse para a pecuária leiteira, equivaleria a um valor médio nacional para o leite em torno de R$0,39/litro, valor bruto. Hoje o preço médio nacional é de R$0,512/litro.
Evidentemente, trata-se de uma comparação injusta, visto que nos últimos anos a pecuária leiteira teve os preços mais defasados em relação à inflação do que a pecuária de corte.
De qualquer forma, o cenário pode e deve piorar. Há ainda quem fale em preços de leite a patamares significativamente mais baixos que os atuais, antes que 2005 chegue ao fim. Não há como prever; são especulações, embora nada seja impossível.
Recomenda-se prudência antes de acreditar em suposições, especialmente as alarmistas. Corre-se o risco do próprio setor contribuir para uma queda mais acentuada do que a esperada. O cenário não é nada bom, mas o "inferno ainda não está na Terra".
Vale lembrar que este momento, de péssima perspectiva para o mercado leiteiro, ocorre numa época essencial, quando se inicia o preparo dos alimentos volumosos para o próximo ano. Não é de se duvidar que todo o ganho em produção de 2005 se transforme em relativa escassez em 2006. O preço do fertilizante, 18% mais baixo que no mesmo período de 2004, é reflexo também da menor demanda. Em outras palavras, o agropecuarista não está comprando adubo como comprou em 2004.
Este ano, muitas culturas agrícolas assistem o seu pior momento das últimas safras.
Outro dia, num debate em uma palestra da Scot Consultoria, referente à pecuária de corte, um produtor mostrou seu otimismo: "Pelo menos, nós estamos no fundo do poço! Não tem como piorar, agora só melhora".
De imediato, outro produtor rebateu: "Que estamos no fundo do poço todos sabem; a dúvida é se este poço realmente tem fundo!!"
MAURÍCIO PALMA NOGUEIRA
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FERNANDO LUIS PAES FONSECAITABAIANA - PARAIBA EM 23/09/2005
Isso é resultado de uma política econômica irresponsável, de um governo que quer destabilizar o setor rural. O dólar em queda e os juros em alta, o que nós esperávamos? O setor produtivo desse país está segurando a inflação e pagando caro por isso, temos que agüentar esse governo incompetente até o ano que vem.
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ÂNGELA DE FARIA MARASCHINOUTRO - RIO GRANDE DO SUL - ESTUDANTE EM 21/09/2005
Meu comentário se dirige ao colega produtor de leite de Livramento, que em um texto conciso e esclarecedor conseguiu expressar toda a frustração pela qual os produtores comprometidos com a atividade estão sentindo. Cada vez mais nos sentimos "trouxas" por acreditar que o leite de qualidade realmente um dia será valorizado pelas nossas indústrias!
Até quando nós produtores vamos ficar parados, esperando que o mercado "vire" novamente a nosso favor? |
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FERNANDO BUENO SIMÕES PIRESSANTANA DO LIVRAMENTO - RIO GRANDE DO SUL - PRODUÇÃO DE LEITE EM 12/09/2005
Olha, gostaria de acreditar que o poço tem fundo. Como produtor de leite há 18 anos, nunca havia visto o que vi nestes dois últimos meses. Para mim, produtor de 51.000 litros por mês, o preço caiu, em julho R$ 0,07/litro, e em agosto, R$ 0,08/litro. Segundo a Cooperativa para qual entrego leite, a culpa é do mercado - excesso de leite. Mas não se vê marketing sobre o leite, o que tem de sobra para refrigerantes e outros produtos de menor importância que o leite. Também não se vê uma exigência maior pela qualidade do leite coletado, apesar da IN 51. Se a IN fosse realmente implantada, o "excedente" de leite desapareceria no outro dia, o mesmo acontecendo se as indústrias tivessem critérios para aceitar novos produtores. Hoje, uma empresa pega produtor de outra, não interessa o que está pegando, só se preocupam em abrir novas rotas de coleta. O resultado é o que poucos conhecem. Interessa o volume que a indústria recebe. A qualidade ainda é secundário.
Em agosto a bonificação por qualidade baixou de R$ 0,0675 para R$ 0,0525/litro, na pontuação máxima, ou seja, no momento de entrar em vigor a IN 51, houve uma queda de 22,22% na bonificação por qualidade. Aliás, a qualidade interessa a quem? A mim e a minha família, que tomamos leite cru, do próprio tanque. Acho que a mais ninguém. Toda a qualidade do leite, buscada ao longo destes anos, acaba no momento que ele sai pela torneira do tanque para dentro do caminhão, e nele é misturado a outro, produzido em condições completamente diferentes. Mas a indústria os recebe, e me bonifica em R$ 0,0525/litro, só que a qualidade no volume total recebido já caiu. Do preço final, recebido hoje com 51.000 litros, a bonificaçaõ pelo volume representa 89,63%, ficando os restantes 10,37% relacionados a qualidade e gordura, 9,8% e 0,57%, respectivamente. Desta forma, o "branco" do leite, é responsável por 89,63% do seu preço final, e a qualidade do produto, que realmente deveria interessar a todos os segmentos envolvidos na atividade recebe peso de apenas 10,37%. E as indústrias degladiando-se para "pegar" mais produtores, depois tentando colocar o produto nos supermercados - um capítulo a parte - o preço despencando, e as desculpas aflorando: " há excesso de leite; não houve entressafra; o poder aquisitivo da população caiu; os hábitos do consumidor estão se modificando etc..." E nós produtores? Damos as costas e vamos para nossas propriedades produzir mais lete e investir em tecnologias cada vez mais caras, visando melhorar mais o produto e aumentar a produção para melhorar o preço em função da escala. E o consumidor? Continua comprando refrigerantes e refrigerecos, cervejas da onda e outras mais, trocando de celulares como quem troca de roupa - e o poder aquisitivo do povo caiu! E o Sr "mercado"? Ganha com o VÁCUO existente entre produtor e indústrias, pois sua "margem de lucro" continua intocável, chegando a R$ 0,30 por litro de leite "longa vida" comercializado, onde só a embalagem vale hoje R$ 0,37. O supermercado extorque - a ação é esta mesmo, extorsão- intimida a indústria na hora da compra do produto lácteo e dela tira a "margem de lucro" . E nós produtores é que arcamos com o ônus. Produzimos o mês inteiro, por um preço, e depois de fechado o mês, recebemos a notícia de que em função dos problemas já citados anteriormente, o leite a ser pago terá redução de preço. O problema de caixa da indústria foi sanado. E o nosso? Não temos a quem recorrer, senão a nós mesmos. Políticos? Não temos malas pretas. Governo? Que governo? Nos profisionalizamos em produzir leite, mas não sabemos vender o fruto de nosso trabalho, A QUALIDADE. Sinceramente me sentiria realizado em saber que estamos no "fundo do poço". Fernando Bueno Simões Pires Produtor de leite- Livramento-RS |
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CLEMENTE DA SILVACAMPINAS - SÃO PAULO EM 11/09/2005
Campinas, 10 de Setembro de 2005
Olá, Maurício, Eu, particularmente acho que esse poço do qual você está falando, não tem fundo só, que a pedra que está a beira, é maior que a boca do poço por isso, a pecuária leiteira brasileira não vai de vez, para as cucuias. Parabéns, pelo excelente Raio X do leite que você apresentou inclusive, buscando resultados de 8 anos passados. Não seria tão feio se os encargos e insumos tivessem subido na mesma proporção, se o poder de compra e consumo do brasileiro tivesse se mantido, o que não aconteceu e o que é pior; em 98, estávamos ainda vivendo o milagre econômico do "plano real", até o final de 99 quando ocorreu o fim do sonho e a disparada do dólar para patamares aos quais ele deveria estar bem antes, chegando depois de algum tempo a beirar a casa dos R$4,00, o que para a pecuária e agricultura, o agro-negócio de um modo geral, foi a melhor coisa que aconteceu na história da agropecuária brasileira. Todo mundo sabe que dólar baixo é morte para países em desenvolvimento e principalmente no caso do Brasil, com essa extensão continental agricultável que tem e que precisa exportar para garantir crescimento. Com esse dólar nos patamares de R$2,3, juros nas alturas inibindo o empreendedorismo, só podemos esperar que a pecuária brasileira sofra muitíssimo. O pior disso tudo, é que o pecuarista brasileiro não tem a cultura da continuidade e persistência. Numa situação como a que está se configurando, o produtor de leite de Goiás, Minas, Mato Grosso do Sul, Bahia, e até de boa parte do estado do Paraná, começam a vender vacas leiteiras para o corte, ou, colocam nelore na vacada, desmantelando todo um trabalho que sabemos levar anos para se recompor, e aí, os argentinos, neozelandeses, europeus e americanos, desovam aqui, seus excedentes de leite e derivados quase vencidos, para vergonha e desespero de quem trabalha na área e sabe que este país não precisaria passar por vexames desse tipo, até que a crise passe e nossos produtores voltem a correr atrás do prejuízo de refazer seus rebanhos novamente. O que é necessário para que o produtor brasileiro consiga atravessar crises e sair lá no outro lado sem muitos arranhões? Aprimoramento, trabalho, visão de médio e longo prazos, produção em escala e produtividade por animal e por hectare, e, finalmente, consciência para produzir com alta qualidade, ganhando assim, competitividade em mercados externos. Seguir exemplos e se espelhar em países como o Canadá, tido como um dos países com leite de melhor qualidade no mundo, agora se preocupando com a aparência das embalagens, para ficar melhor na cena! Enquanto isso não acontecer, teremos que nos contentar com as sobras e cantar aquela musiquinha sertaneja que diz assim: "nóis trupica mais num cai, podi levá fé que desse jeito vai". É... triste realidade não é? Nós não caímos, mas também não levantamos. Infelizmente o nosso Brasil, que tem tudo para se projetar mundialmente, não consegue sair da condição de mero vendedor de commodities e de matérias primas. Abraços, Clemente. <b>Resposta do autor:</b> Prezado Clemente, A sua carta reflete a indignação e o desânimo que tenho encontrado junto aos produtores, tanto de São Paulo como de outros Estados. É fato que o atual comportamento do mercado refletirá em um comportamento desfavorável para todo o setor, num futuro bem próximo. Esperamos passar pela turbulência o mais cedo possível. Um forte abraço Maurício Palma Nogueira Engenheiro agrônomo |
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JOSE RONALDO BORGESCUIABÁ - MATO GROSSO - PRODUÇÃO DE LEITE EM 09/09/2005
Prezado Mauricio,
Pelo menos temos a certeza que 2006 será melhor, pois inevitavelmente os produtores não investirão este ano e a produção também começará a diminuir por redução de alimentação de concentrado para as vacas, além de ocorrer muitas demissões no campo, engrossando novamente as fileiras do MST. O próprio governo vem alardeando o número recorde de contratações com carteira assinada, principalmente no setor rural e isso foi principalmente pela melhoria no setor leiteiro. Vamos dar marcha ré! Mas com o dolar a R$ 2,34 todos os setores da economia vão ser afetados e a previsão é que o superavit comercial do Brasil comece a declinar, até que em meados do ano que vem, quando a balança comercial ficar insustentável e o próprio mercado imponha uma drástica desvalorização do real assim como foi feito em 1999. |
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