Quem compra carro usado, em princípio, faz mau negócio. Ao contrário de quem vende. Você pode não concordar, mas um importante economista americano lançou mão dessa afirmação nos anos 50, para introduzir uma das mais atuais discussões econômicas. Que lógica o levou a essa conclusão?
Quem vende um carro usado conhece todos os problemas que o carro já teve. Sabe se foi batido ou não, que peças estão mais usadas, que partes do veículo apresentam mais defeitos. Sabe até se o carro é legal ou clonado. Logo, como conhece o preço de mercado de um carro daquele modelo e ano, pode comparar o seu próprio carro e chegar ao verdadeiro valor. Se seu carro está acima do padrão, poderá cobrar preços acima deste. Se está abaixo...bem, poderá cobrar o preço padrão. Ou pelo menos tentar. Já quem compra, não conhece nada do veículo. Irá dar uma olhadinha na lataria, fará um pequeno test-drive e, se for cuidadoso, irá levar o veículo a um mecânico de sua confiança que, meio sonolento, irá afirmar que o preço que lhe pediram para o veículo é justo. E ele está certo. Não é consultor de mercado de carros. E, sendo racional, quanto mais problemas tiver o seu carro, mais serviço ele terá. Não ganha para avaliar carro, ganha para consertá-lo.
Dizem que todos os dias um bobo sai de casa ávido por ser enganado. Se esse bobo estiver a procura de um carro usado...negócio fechado!
O que diferencia o vendedor e o comprador do carro usado em questão é o nível de informação. O vendedor sabe tudo. O comprador sabe nada. Numa relação onde impera a assimetria de informação, o natural é que quem a detém consiga auferir lucros sobre quem não a detém.
Transpondo o exemplo do carro para o leite, quem atua no mercado e detém pouca informação está fadado a ser o tal bobo que todo dia sai de casa. E não adianta imaginar que o Estado pode protegê-lo plenamente. O que o protege é ter informação. Quanto mais informação circular mais equânimes serão as relações entre os agentes. Entre compradores e vendedores. Entre produtores e indústria. Entre indústria e supermercado. Além disso, com mais informações, menor será o motivo para o Estado intervir e, se intervir, menor será a chance de desorganizar o mercado, embora a intenção seja organizar.
Veja a Figura 1. Ali estão retratados os preços recebidos pelos produtores de leite mensalmente, nos cinco principais estados da Federação, entre janeiro de 1986 a agosto de 2001. Os valores estão deflacionados, ou seja, foi descontada a inflação do período e as sucessivas mudanças de moedas e cortes de zeros. Na prática, deflacionar significa trazer um valor do passado para o presente, para que se possa comparar se um produto teve realmente elevação ou queda de preço. Veja que, do lado esquerdo da Figura até a sua metade, que vai de 1986 a 1993-1994, a variação entre os preços recebidos pelos produtores dos cinco estados é bem grande. Lembre-se que nesse espaço de tempo ocorreu controle de preços pelo Governo - até 1991, e liberação total, após aquele ano.
Mas o curioso é que, quando caminhamos para a extrema direita do gráfico, os preços entre os estados vão se afunilando, até quase ficar impossível distinguir que linha tracejada efetivamente representa cada estado. O que explicaria esse fenômeno? Circulação de Informação!!! Nos últimos 4 anos, as informações de mercado começam a circular com mais intensidade. Isso reduz a possibilidade de ganhos extras entre quem detém informação sobre quem não a detém.
Figura 1 - Preços reais mensais recebidos por produtores de leite em cinco estados, Brasil, Janeiro de 1986 a Agosto de 2001.
Fonte: Banco de Dados USP,ESALQ,CEPEA
Nota: Preços deflacionados por IGP-DI da FGV/RJ
Há várias formas de se fazer previsões quanto ao mercado. Cartomante, Mãe Diná, Tarô são algumas. Há uma outra, adotada em todos os mercados já estruturados: é o seu monitoramento por indicadores econômicos. Ainda assim, erra-se, pois sempre há o imponderável. Mas erra-se menos.
Em março apresentei uma proposta de monitoramento do mercado de leite ao corpo técnico da Empresa em que trabalho - a Embrapa Gado de Leite. O apoio foi integral. Mesmo pesquisadores da área biológica entenderam a importância desse radar do mercado. Que ganhos isso traria para a sociedade?
Para os produtores, seria muito importante saber que preços estão sendo pagos ao leite em várias meso-regiões do Brasil, e não somente nos estados. Por exemplo: o que efetivamente me diz um preço médio para Minas Gerais? Muito pouco. Afinal, Minas são várias. O preço do Triângulo é muito diferente do Sul do Estado, que é diferente da Zona da Mata. No Paraná, outro exemplo, preciso saber o preço do Oeste, do Noroeste e da Bacia de Castro. Média de preços por estado é uma boa maneira de quase acertar e quase errar ao mesmo tempo...Portanto, média estadual é quase! Para quem toma decisão, o que significa um quase?
Para os laticínios, que detém mais informações que os produtores, também é importante saber o comportamento de preços e custos. O primeiro ganho seria reduzir a desconfiança que graça na relação com os produtores. Além disso, evitaria que solavancos desnecessários sejam adotados, como aquele de 2001, quando o preço caiu vertiginosamente no meio do ano, ou evitaria que preços irrealistas para cima sejam pagos aos produtores, como aconteceu nos doze meses que antecederam ao tenebroso inverno (no sentido econômico) de 2001. Outro ganho: daria força na negociação com o agente que mais informação detém, pois a capta diariamente junto ao consumidor - o supermercado.
Você, aí leitor, avalie. Se é produtor, não seria importante para o seu negócio saber como está a variação de uma dezena de insumos necessários ao seu negócio? Não seria interessante entender o que está pressionando os seus custos, aos moldes do que o IBGE informa mensalmente para o consumidor, quando divulga o INPC ou o IPCA? Não seria interessante saber como está variando o preço do leite nos diferentes mercados? Você não ficaria menos irritado com o laticínio, se entendesse que o preço recebido pelo leite caiu porquê algum fenômeno está acontecendo lá na outra ponta da cadeia?
E você, dono de laticínio, sabe efetivamente quanto os seus concorrentes estão pagando para o leite? Em Julho do ano que vem, o programa Fantástico irá fazer uma reportagem dizendo, uma vez mais, que o leite subiu mais que a inflação, como fez esse ano. Você, que passou maus momentos de venda no mês de julho deste ano, ficou calado. Em 2001, viu os laticínios serem apontados como vilões nas CPIs estaduais. Nos dois casos, que dados institucionais os laticínios tinham em sua defesa?
Os economistas da Embrapa Gado de Leite têm conversado com entidades interessadas em formar parcerias para ofertar esse SIVAM DO LEITE. Também do lado das demandadoras, a conversa é mais do que promissora. Mas o interesse tem se mostrado individual e, cada uma, por uma parte do projeto. Isso é pouco para um setor que quer se mostrar grande. Porquê não agirmos de modo institucionalizado. Porquê não de modo conjunto?