No dia 6 de abril de 2004, a BM&F (Bolsa de Mercadorias e Futuros) realizou o seminário "Perspectivas para o Agronegócio em 2004 e 2005". Dentre as várias pastas de discussões e trabalhos, houve o painel do Agronegócio da Pecuária de Corte e Leite.
Ao final da apresentação do cenário do Agronegócio da Pecuária, desenvolvida pela equipe da Scot Consultoria, foi levantada, para debate, a questão de que não se deveria falar das mazelas da pecuária leiteira, ou seja, dos problemas que afligem o setor.
De fato, a maior parte das atenções é destinada aos problemas e aos pontos negativos do setor leiteiro. Mas, e o que há de bom para se dizer da pecuária leiteira?
Mesmo com todos os problemas, a pecuária leiteira vem avançando ao longo dos anos, ganhando eficiência e, apesar da lentidão desta melhoria, vem ininterruptamente crescendo no Brasil.
Observe, na figura 1, o aumento da produção brasileira de leite ao longo dos últimos 20 anos. Na figura estão representadas as produções totais e as que foram comercializadas no mercado formal e informal.
Em 20 anos a produção de leite no país praticamente dobrou.
Em pouco mais de 10 anos, do início da década de 90 até 2003, a produção de leite aumentou 49%. No mesmo período, a lactação média anual das vacas aumentou 50%. A produção brasileira, por área, atinge atualmente mil litros por hectare por ano, ante os 600 litros observados há 10 anos atrás.
Ganhou-se em volume e em produtividade.
O leite, mesmo com todos os problemas crônicos que atingem os produtores há anos, é o sexto produto agropecuário nacional em ordem de importância econômica.
Juntamente com os demais produtos expostos na figura 2, faz parte do pequeno grupo cujo valor bruto da produção ultrapassou os R$10 bilhões em 2003.
Em 2003 foram cerca de 22,3 bilhões de litros produzidos, em média, no valor de R$0,48/litro, valores atualizados pelo IGP-DI para o último mês de 2003.
Para se chegar à média de preço pago no Brasil, a Scot Consultoria acompanhou o mercado nas bacias responsáveis por mais de 95% da produção nacional, chegando ao valor final, estimado a partir da média ponderada entre a produção e os preços pagos regionalmente.
De todos os seis produtos com valor bruto acima de R$10 bilhões ao ano, o leite e o milho são os mais recentes no mercado internacional.
No mercado internacional, a pecuária leiteira vem somando recordes anuais no aumento das exportações, podendo em breve passar de importador à exportador de produtos lácteos. Diversas organizações ligadas à exportação de produtos lácteos mostram-se otimistas com relação aos possíveis resultados de 2004. As importações, no sentido inverso, tendem a se reduzir anualmente.
O leite ensaia seguir o mesmo caminho trilhado pela pecuária de corte nos últimos anos. Está atrasado, mas o "trilheiro" é o mesmo.
Incontestavelmente, a cada ano o setor leiteiro ganha importância econômica e social, na geração de empregos no país.
E o maior ponto positivo do leite não são os resultados já conquistados, ou observados até o momento, mas sim o potencial de crescimento do setor.
O Brasil possui um elevado potencial de aumento de demanda no mercado interno. Ainda há muito para crescer.
No mercado internacional, segundo estimativas baseadas no consumo mundial de leite a na recomendação mínima de consumo elaborada pela FAO (Food and Agriculture Organization), da Organização das Nações Unidas, há um potencial de aumento de demanda na ordem de 330 bilhões de litros de leite ao ano, cerca de 65% aproximadamente da atual produção mundial.
O Brasil, atualmente respondendo por 4,5% da produção mundial, é um dos países que tem tudo para se consolidar como grande produtor e exportador no cenário mundial. Acredita-se que, num prazo de 10 a 15 anos, o Brasil esteja figurando, juntamente com Estados Unidos, Austrália, Nova Zelândia e Argentina, entre os principais países no mercado internacional de lácteos.
E mais. Dentre os países relacionados, o Brasil é o que tem maior potencial de crescimento em produção.
Portanto, o cenário que se abre para o setor leiteiro é de grandes perspectivas: o país tem, pela sua frente, um mercado interno e externo potencialmente grande e capacidade de resposta à demanda acima de todos os outros concorrentes.
Atualmente, segundo estudos com base em fazendas de leite analisadas pela Scot Consultoria, foram obtidos resultados positivos nas empresas que produziram acima de 12 mil litros de leite por hectare por ano. A média brasileira está por volta de mil litros por hectare por ano, conforme comentou-se anteriormente. O potencial é enorme,
Em termos de ações práticas, já se observam diversas iniciativas para criar oportunidades.
A Láctea Brasil desenvolve um trabalho fundamentado de marketing institucional, cuja tendência é promover a expansão do mercado e, conseqüentemente, beneficiar toda cadeia láctea.
As "tradings" e as indústrias, que partiram para as vendas externas, abrem mercado gradualmente, conquistando o lugar do Brasil no cenário internacional.
Internamente, dentre os vários esforços, pode-se destacar o Conselho Brasileiro de Qualidade do Leite (CBQL) que trabalha objetivando viabilizar a implantação da Instrução Normativa 51, instrução que visa padronizar a qualidade do leite produzido no país.
Há também espaço para discorrer sobre a atuação das centrais e cooperativas, atuando da região Sul ao Centro Oeste do país, do Conseleite, dos institutos de pesquisa e extensão rural, das universidades e da iniciativa privada; todos que atualmente se empenham em profissionalizar e aumentar a competitividade da cadeia láctea nacional.
Há, na pecuária leiteira, diversos pontos positivos, ações modernas com base em inovações e ousadia empresarial, louváveis de serem comentadas e enaltecidas, conforme fora colocado em debate no seminário organizado pela BM&F.
No entanto, nem por isso é possível esquecer-se dos problemas da pecuária leiteira. Fingir que os problemas não existem é assumir a recusa em resolvê-los. Várias das diversas ações, hoje elogiáveis no setor, nasceram da necessidade de se buscar soluções para grandes problemas.
O setor leiteiro brasileiro tem enorme potencial de crescimento, tanto em mercado, como em produção. Porém, sem conhecer os problemas, entender as dificuldades pelas quais passam os produtores, identificar as perdas de competitividade ao longo da cadeira leiteira, as causas das distorções do mercado e criar medidas para superar estas dificuldades, o agronegócio lácteo dificilmente potencializará as oportunidades comentadas anteriormente.
Estamos num mercado global competitivo, em que as empresas modernas atuam de maneira planejada e com eficiência.
No Brasil, parte das indústrias, de grande importância, ainda trabalha com conceitos ultrapassados no relacionamento com fornecedores de matéria-prima. É comum assistirmos especulações de mercado, manipulação das informações disponíveis, concorrência desleal, fraudes nos produtos e diversas outras práticas que deveriam ser condenadas no mundo empresarial moderno. São práticas típicas do início do século XX, quando a indústria ainda estava na adolescência.
Perde a indústria, perdem os produtores e perdem os consumidores.
Infelizmente ainda é necessário falar sobre as mazelas do setor leiteiro pois, sem entendê-las, dificilmente será possível transformá-las em oportunidades.