Em dezembro de 2004, neste mesmo espaço, a Scot Consultoria divulgou um artigo apontando custos de produção do leite em torno de R$0,54/litro para uma empresa de 4,8 mil litros de leite por dia, com eficiência de 16 mil litros de leite/ha/ano.
Muitos não gostaram do artigo, o que já era esperado. Também eram esperadas as diversas críticas recebidas em torno do tema e dos números divulgados, o que ocorreu de fato.
Ótimo, pois artigos são escritos com objetivo de gerar debate, criar opiniões e incentivar a busca por soluções de diversos problemas. Escrever para agradar pode levar ao superficialismo, subjetivismo e hoje, com a grande quantidade de informações disponíveis, o tempo para leitura é cada vez menor, o que exige mais de quem se propõe a analisar algo. Tudo é válido.
O motivo das críticas era o valor dos custos de produção, considerado elevado por vários profissionais do setor.
Daí partem diversas linhas de raciocínio para justificar as divergências sobre o número apresentado, que vão desde a metodologia adotada até a ineficiência da empresa cujos custos foram analisados.
Custos de produção sempre geram as maiores polêmicas entre técnicos e pesquisadores que atuam na pecuária leiteira. É provável que, após a desregulamentação do mercado no início da década de 90, não tenha sido apresentada uma só planilha de custos sem que fosse acompanhada de críticas e debates, muitas vezes acalorados. Ora apontando os valores como baixos, ora como altos.
Evitando entrar nos méritos de ambas as linhas, parte da polêmica em torno do assunto parece originar-se da necessidade de convencer produtores de que a atividade é um bom negócio, de que vale a pena investir, de que é possível ganhar dinheiro com leite, que técnica traz resultados, enfim, tudo o que o setor sempre debate. Sendo assim, a divulgação de custos de produção de leite acima do que se gostaria que realmente fosse, teoricamente traria desânimo ao setor, carregando por água abaixo todos os esforços para se profissionalizar a produção.
Em outras palavras, quem divulga custos mais altos para a produção leiteira parece ser contra o desenvolvimento do setor e a aplicação de tecnologia, além de desmotivar o produtor rural.
Na verdade, essa é uma visão muito parcial e simplista em torno de algo tão complexo como o resultado financeiro de uma empresa leiteira. Em artigo, escrito ao final de 2004 e publicado no Espaço Aberto do MilkPoint ( clique aqui para ler), o professor Sebastião Teixeira Gomes lembra que o que mais interessa aos produtores são os resultados, o lucro, e não custos baixos ou preços altos.
Afinal, com base em que comparação pode-se afirmar que custos de produção acima de R$0,55/litro são ineficientes? Observe, na figura 1, a comparação dos preços do leite pagos aos produtores nos últimos 6 anos. Os valores foram corrigidos pelo IGP-DI para viabilizar a comparação.
Vale lembrar que os preços médios brutos referem-se ao "mix" pago pela indústria, ou seja, a média de todo o leite coletado. Produtores com maiores volumes de produção, como é o caso da empresa analisada, recebem preços mais elevados, normalmente acima de 10% em relação à média de mercado, além de geralmente apresentar menor custo de frete do leite.
Em 2002, a média diária de leite entregue por produtor das 12 maiores indústrias que captam leite no país foi de cerca de 180 litros de leite por dia. No caso, está se analisando uma empresa que entrega 4,8 mil litros diariamente.
Sendo assim, o custo de produção em torno de R$0,54/litro representa lucro para o empresário, ou seja, bons resultados financeiros. As margens por unidade produzida são, de fato, apertadas, por isso os resultados são dependentes da escala de produção e da capacidade de produzir a maior quantidade possível por unidade de área.
A empresa em questão produz 16 mil litros de leite por hectare para obter os referidos custos. É eficiente ou ineficiente?
Apesar da dificuldade e inexatidão dos números sobre a pecuária leiteira, estima-se que atualmente, o produtor de leite brasileiro produz, em média, cerca de 1 mil a 1,2 mil litros de leite por hectare por ano. Sendo assim, a empresa analisada trabalharia com uma eficiência em torno de 13 a 16 vezes acima da média do produtor brasileiro.
Bons produtores de milho, sorgo, soja, feijão e cana produzem, respectivamente por hectare, cerca de 2,8 vezes, 7 vezes, 1,3 vez, 3,3 vezes e 2 vezes acima da média nacional de todos os demais produtores.
O mercado, regido por leis de oferta e demanda, é desenhado pela média geral dos participantes e não pelos produtores "top" de linha. Comparando com a realidade de outras atividades do agronegócio, produzir 16 vezes acima da média nacional é algo extraordinário em termos de eficiência. Independente de que o potencial seja superior a 30 mil litros de leite por hectare, a realidade que compõe o mercado é bem diferente. Se tal produtor não estiver obtendo bons resultados, quantos estarão?
Perceba que esta linha de argumentação sugere que, além de não ser elevado, o custo de R$0,54/litro de leite é baixo e típico de uma empresa financeiramente eficiente, correto?
Para fortalecer o raciocínio, optou-se por realizar uma comparação com um estudo divulgado em 1997, que envolvia a análise de 4 fazendas produtoras de leite.
O estudo, financiado pela FAESP (Federação da Agricultura do Estado de São Paulo), e conduzido por diversos pesquisadores e consultores gabaritados e experientes no assunto, produziu alguns números interessantes com base no mercado de 1996.
Evitando entrar em detalhes, o custo de produção do leite encontrado no estudo variou de R$0,34/litro a R$0,41/litro em valores nominais, dinheiro da época. A média foi de R$0,37/litro. A produção anual por hectare, calculada a partir dos índices apontados, era de 9,9 mil litros, em média. Variava de 7,5 mil a 13 mil litros de leite.
As empresas trabalhavam com custos de produção próximos dos preços de venda, assim como a empresa atual, ou seja, os preços eram superiores à média geral.
A inflação de 1996 a 2004, pelo IGP-DI, foi de 126%. Sendo assim, corrigindo os valores, o custo de R$0,37/litro em 1996 representaria, ao longo de 2004, o valor de R$0,84/litro, custo 55% superior aos R$0,54/litro obtido na análise feita pela equipe da Scot Consultoria.
Como os produtos agrícolas perdem valor real ao longo dos anos - e cerca de 30% a 40% dos custos de produção referem-se à compra de alimentos - é de se esperar que juntamente, com os preços do leite, os custos de produção tenham se reduzido, em valores reais. E de fato, foi isso mesmo que se observou.
Aplicando, na fazenda analisada pela Scot Consultoria, os mesmos índices de produtividade observado na média do estudo conduzido em 1996, ter-se-ia uma entrega diária de 2,97 mil litros de leite, com produção de 9,9 mil litros por hectare por ano, ao invés dos 4,8 mil litros diários e 16 mil litros por hectare por ano.
Neste caso, o custo da empresa atual seria de R$0,63/litro, considerando os preços de mercado de 2004. Ainda assim, os valores seriam menores que os custos corrigidos com base no IGP-DI.
Em outras palavras, para trabalhar com os custos de R$0,54/litro, a empresa teria que ter agregado tecnologia, eficiência e produtividade nos últimos 8 anos.
Na tabela 1 estão apresentadas algumas comparações entre os preços e custos de 1996, os valores corrigidos pelo IGP-DI, os valores observados no mercado de 2004 e a comparação entre os valores atuais e os valores deflacionados.
Tabela 1: Comparação entre valores nominais, valores reais corrigidos pelo IGP-DI para 2004 e os valores observados no mercado de 2004 para os custos de produção e mercado de insumos em São Paulo.
Fonte: IEA/Faesp/ Scot Consultoria
*1 Custo de produção caso a empresa trabalhasse com o mesmo nível tecnológico observado no estudo de 1996
*2 Custo de produção com empresa trabalhando com os 16 mil litros por hectare de eficiência
Observe que os custos de produção e preços do milho, em 2004, foram inferiores aos valores de 1996, quando os mesmos são corrigidos pelo IGP-DI.
Por outro lado, o preço do diesel, de 1996 a 2004, subiu 57% acima da inflação. Os fertilizantes aumentaram cerca de 25% acima da inflação de 1996 a 2004, justificando a reclamação de quase todo o setor agropecuário. Aliás, o aumento dos preços dos fertilizantes é também reflexo da própria evolução da agropecuária, cujo aumento de produtividade acabou por pressionar a demanda pelo insumo.
Mesmo o farelo de soja, cujas cotações em baixa possibilitaram os melhores resultados aos produtores em 2004, teve seus preços majorados em torno de 9% acima do IGP-DI, quando se compara os anos de 1996 e 2004.
Pelos números da tabela 1 pode-se observar que o aumento da eficiência produtiva foi uma exigência inquestionável ao longo dos últimos anos. E o produtor que atualmente estiver colhendo resultados positivos atendeu a estas exigências; isso é fato.
Por fim, custos de R$0,54/litro não são altos e também não indicam maus resultados, pois 2004 foi positivo para o produtor de leite, como foi 2003 (apesar da crise do final do ano), assim como são as perspectivas para 2005. É positivo porque, apesar de tudo, o mercado firme do leite, e em baixa dos concentrados, viabiliza que bons resultados sejam obtidos.
A questão, evidente, é que só colhe resultados positivos o produtor que for capaz de agregar eficientemente as técnicas de produção na empresa. Há quem esteja ganhando mais, por ser mais eficiente, assim como há quem esteja perdendo. Infelizmente, é provável que a grande maioria dos produtores estejam com custos mais elevados que os R$0,54/litro.
Em muitos casos, diversos já estudados pela Scot Consultoria, empresários que acreditam estar ganhando com a atividade acabam sucateando os bens de produção, ou mesmo abandonando a atividade em busca de melhores opções. Trata-se do histórico problema metodológico da análise econômica de fazendas.
Fazendo eco à análise do professor Sebastião Teixeira Gomes, não são os custos altos que desestimulam os produtores, mas sim os maus resultados econômicos e a falta de perspectivas, em muitos casos.
O setor passa pelo segundo ano em que o mercado, ora do leite, ora de insumos, possibilita que bons trabalhos técnicos reflitam em resultados econômicos. É provável que o setor passe pelo terceiro ano de resultados favoráveis.
Um dos motivos das reclamações, ainda comuns entre os produtores, está relacionado à necessidade de recuperar resultados perdidos ao longo de toda a década de 90 e início desta década. Estes maus resultados se apresentam através do montante a ser reinvestido para a substituição de bens de produção, que já deveriam ter sido trocados: benfeitorias, forragens, máquinas, equipamentos, etc. Concomitante a essa necessidade de re-investimentos, os custos com as manutenções também se elevam.
Mesmo assim é possível que o setor leiteiro entre num ciclo positivo de resultados e recuperação das perdas de anos anteriores. O cenário é otimista.
Evidentemente que qualquer variável econômica pode alterar este quadro. Façamos votos que não.