Quando se corrige o preço pelo IGP-DI (índice geral de preços - disponibilidade interna), calculado pela FGV (Fundação Getúlio Vargas), nota-se a queda drástica nas cotações do leite.
O valor do pagamento de outubro, pela produção de setembro, foi 13,6% inferior em relação ao mesmo período de 2004, computando-se a inflação. E em 2005 ainda esperam-se mais recuos nos preços, que podem se estender até a virada do ano. O produtor está visivelmente perdendo poder de compra, embora os alimentos concentrados ainda se encontrem mais acessíveis comparativamente.
O comportamento do mercado de 2005, entre diversos outros fatores, segue uma tendência lógica relacionada principalmente à capacidade do produtor brasileiro em responder com aumento de produção em momentos mais favoráveis.
Diversos pesquisadores já exploraram essa característica do setor leiteiro. Ainda em 2005, a Scot Consultoria explorou em duas ocasiões essa relação entre momentos favoráveis e a rápida resposta do setor produtivo na produção leiteira - no VII Interleite, organizado pelo Milkpoint em Uberlândia, e em um texto publicado na Revista Agroanalysis de junho da Fundação Getúlio Vargas.
Os bons momentos podem ser relacionados a preços mais altos ou mesmo com a redução de custos. Como sempre é lembrado pelo professor Sebastião Teixeira Gomes, o que importa ao produtor é a margem, a diferença entre custos e receita, desde que a escala seja suficiente, evidentemente.
Pois bem, em ambas as ocasiões, a linha de raciocínio defendida pela Scot Consultoria baseava-se na tese de que preços favoráveis do leite ou preços baixos de alimentos tenderiam a promover o aumento da produção de leite e, conseqüentemente, queda drástica de preços no momento imediatamente posterior ao fato.
O que sustenta este raciocínio é justamente o baixo nível tecnológico das fazendas leiteiras brasileiras. Qualquer alimento que se forneça às vacas tende a promover um considerável impacto na produção na grande maioria dos estabelecimentos leiteiros do país. Evidentemente, onde já se adota tecnologia, o processo não ocorre desta maneira.
E é exatamente o que tem ocorrido. Os preços do leite mais favoráveis em 2003 e parte de 2004, e preços baixos dos concentrados em 2004 e 2005 provocaram um aumento na captação de leite em 2005, fruto em grande parte do aumento da produção, mesmo durante os primeiros meses de seca. Observe o favorecimento da relação de troca entre quantidade de alimentos comprados com um litro de leite na figura 1.
Clique aqui para ver a figura 1.
Comparando o período de março de 2004 a junho de 2005, a relação de troca é 19,5% mais favorável ao produtor de leite em relação à troca do período que antecede o ano de 2004. Realmente, o produtor de leite teve mais acesso aos alimentos neste período.
Os concentrados, além de representarem os insumos de maior impacto direto em termos de produção, são os de maior impacto nos custos de produção. Dependendo da tecnologia, os concentrados representam entre 25% a 35% do total dos custos operacionais.
Nestas condições, era de se esperar um aumento na produção e, conseqüentemente, na captação de leite na maioria das praças produtoras do país. Observe, na tabela 1, o aumento da captação de leite registrada pelo IBGE no período de janeiro a junho de 2005. Os dados referem-se ao Brasil e aos seis maiores Estados em produção leiteira.
Tabela 1. Evolução da captação de leite nos estabelecimentos fiscalizados no Brasil e nos maiores Estados produtores de leite no país. Comparação entre o ano de 2004 em relação a 2003 e o de 2005 em relação a 2004. Em %.
Com exceção de São Paulo, em 2005, os principais Estados aumentaram a captação de leite, o que levou o país a captar 13,26% a mais em 2005, quando se compara ao mesmo período de 2004.
Outro fato, de grande importância, é a ausência de tempo de armazenagem de leite nas fazendas. Esse período inexiste, pois nem se pode considerar aquelas 24 ou 48 horas de tanque de expansão. Por este último fator que sempre se discorre da necessidade de um cooperativismo forte e estruturado para industrializar, armazenar e planejar o escoamento da produção leiteira. É a única forma do produtor brasileiro não ficar a mercê destas oscilações tão severas e, até certo modo, esperada nos preços. Até certo modo, porque era certo que os preços cairiam, mas poucos apostavam em quedas tão severas nos preços de 2005. Pelo menos até a divulgação da captação de leite até o mês de junho, realizada pelo IBGE.
Portanto, somando todos os fatores, é de se esperar que ocorram quedas nos preços de mercado. Na figura 2 estão apresentados os preços médios anuais, corrigidos pelo IGP-DI, do leite segundo acompanhamento da Scot Consultoria desde 1998.
Figura 2. Preços médios anuais pagos ao produtor leiteiro no Brasil - R$ corrigidos pelo IGP-DI
Em meados do ano, quando o setor já vivia o "prenúncio de uma grande crise", parafraseando o engenheiro agrônomo Rodrigo Alvim, presidente da Comissão Nacional da Pecuária de leite da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil(CNA), as estimativas de preços médios já haviam recuado 3%. Até novembro, já se espera preços 6,2% inferiores às primeiras estimativas e, com grande chance, da situação piorar ainda mais.
Desde o pagamento de setembro, o produtor de leite já colhe prejuízos em 2005, mesmo com a relação de troca por alimentos mais favorável. Em toda a história, considerando a inflação, os preços de 2005 já são o segundo pior, ficando apenas atrás do terrível ano de 2001.
"Taí" um outro ano dificílimo para um setor que sofreu durante toda a década de 90.