Com a participação de 166 produtores originários de 16 estados e que produzem juntos 76,3 milhões de litros por ano, o MilkPoint mais uma vez traz um retrato do mercado lácteo brasileiro. Dando continuação aos estudos da pesquisa realizada no site sobre a situação da mão-de-obra no Brasil, que gerou o artigo relativo aos custos da mão-de-obra, agora iremos tratar da produtividade brasileira da mão-de-obra no leite e como ela varia de acordo com cada estrato produtivo. Em um país com excessivos encargos trabalhistas, legislação defasada e incompatível com o dinamismo da nossa "era virtual" (a "Consolidação das Leis do Trabalho" foi criada durante o governo Getúlio Vargas, em 1943), é necessário que a produtividade do trabalho seja relativamente maior que a dos demais países que competem dentro do nosso próprio mercado (como Argentina, Uruguai e Chile), visto que o chamado "custo Brasil", resultante dos elementos citados anteriormente, acaba onerando as atividades produtivas, reduzindo assim a competitividade nacional.
O diferencial na produtividade pode ser alcançado, principalmente, por três formas: pela mecanização da produção, desenvolvimento educacional da população ou pelos trabalhos de extensão e consultoria técnica. Entretanto, o que vemos no cenário nacional atual é que em nenhum destes três pilares do desenvolvimento produtivo há evoluções significativas. A quantidade de fazendas leiteiras no Brasil que utilizam-se de mecanização é muito baixa comparada ao total, o desenvolvimento educacional recente no Brasil deu-se muito mais de forma quantitativa que qualitativa, houve grande aumento no acesso à educação, porém a qualidade da mesma está muito aquém do desejado, o que acaba por limitar a oferta de trabalhadores qualificados no campo. Já a extensão rural pública no Brasil perdeu força desde as crises fiscais do Estado, no final da década de 80, que fizeram com que os investimentos nesta modalidade caíssem significativamente. Nos últimos anos, com a nova Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural do Ministério do Desenvolvimento Agrário, houve alguma evolução neste quesito, porém insuficiente para suprir as necessidades do setor agropecuário brasileiro.
É necessário ao produtor o conhecimento destes dados relativos à produtividade, para que possa ser feita uma avaliação pertinente da atividade, tanto no cenário nacional quanto no internacional. Também é importante salientar que a análise de um único parâmetro em uma atividade tão heterogênea como a produção de leite não é suficiente para explicar a competitividade (ou falta dela...). Tal heterogeneidade não é observada somente entre os países produtores, mas dentro do próprio Brasil vemos os mais diversos sistemas produtivos e modelos (ou não) de gestão do empreendimento.
Metodologia
A pesquisa foi realizada através de um questionário online elaborado pela equipe MilkPoint de forma a gerar um panorama sobre a produtividade e os custos atrelados à mão-de-obra na atividade leiteira. No questionário foram contabilizados apenas os trabalhadores envolvidos na produção de leite. Funcionários envolvidos em outras atividades produtivas não entraram no cálculo ou, no caso de desempenharem funções tanto na produção de leite quanto em outra atividade, tiveram sua participação relativa ponderada. Por exemplo, um funcionário que se dedica 40% do tempo à produção de leite e os 60% restantes a outras atividades dentro da propriedade, seria considerado como "0,4 trabalhador".
Outra importante variável incluída na análise foi a participação da mão-de-obra familiar para o cálculo da produtividade. Em muitas ocasiões, principalmente nas propriedades de menor escala produtiva, a não-inclusão da mão-de-obra familiar pode gerar uma produtividade por trabalhador muito acima da observada da apresentada quando inserimos este item no cálculo, resultando em um valor que não condiz com a realidade da produção.
Comparamos a produtividade em litros/homem/dia nas duas formas referidas acima (com e sem mão-de-obra familiar) para 5 diferentes estratos produtivos, além do índice geral:
- Menor que 500l/dia
- Entre 500 e 1.000l/dia
- Entre 1.000 e 2.500l/dia
- Entre 2.500 e 5.000l/dia
- Maior que 5.000l/dia
Entretanto é necessário ressaltar que, devido à impossibilidade de checarmos os dados - pois tratou-se de uma pesquisa online - não é possível avaliar se todas as informações obtidas foram mensuradas de forma correta. Os dados estão sujeitos a diferentes interpretações por parte dos produtores, portanto não é possível afirmar que todos tenham disponibilizado informações comparáveis entre si (ex: diferenciação entre os funcionários da atividade leiteira perante os demais, mensuração adequada da mão-de-obra familiar e etc.).
Desta forma, não podemos elaborar conclusões definitivas acerca da produtividade da mão-de-obra na atividade leiteira, trata-se de um estudo de caráter exploratório, que visa levantar dados sobre a questão e estimar um panorama da atividade.
Resultados
A pesquisa teve grande participação da região Centro-Sul do Brasil, Minas Gerais (34,3%), Goiás, Rio Grande do Sul, São Paulo (com 11,4% de participação cada um) e Paraná (9,6%) sendo os cinco estados com o maior número de respostas de produtores. O sistema de produção majoritariamente utilizado foi o de pastejo (44,6% do total), no entanto, a cada aumento no nível de produção em litros/dia, os sistemas de semi-confinamento e confinamento obtiveram maior importância, chegando a não haver propriedades utilizando o sistema de pastejo no maior estrato produtivo (produção acima de 5.000l/dia). Também houve a predominância de fazendeiros com menor volume de produção, 44,6% afirmaram produzir menos que 500l/dia. A apresentação destes dados de forma mais detalhada pode ser vista no artigo publicado anteriormente, sobre o custo da mão-de-obra na atividade leiteira. Clique aqui para ler na íntegra.
A tabela abaixo apresenta os dados sobre produtividade obtidos na pesquisa em litros/homem/dia:
A produtividade geral (ponderada pela produção) da mão-de-obra contratada nas fazendas participantes foi de 592,6l/h/dia. No entanto, a amplitude entre as faixas extremas de produtividade (Fazendas com produções menores que 500l/dia comparadas às com produção maior que 5000l/dia) foi de 539,9 l/h/dia, ou seja, tal amplitude foi próxima ao próprio índice de produtividade observado no pesquisa, o que demonstra a discrepância da eficiência do trabalho nos estratos mais produtivos. Ao considerarmos a mão-de-obra familiar no cálculo da produtividade, o índice geral cai 28,3%, demonstrando o peso desta variável no cálculo da produtividade da mão-de-obra. A tabela abaixo apresenta a queda da produtividade por estrato de produção ao considerarmos a mão-de-obra familiar na análise. É nítida a importância deste parâmetro nas propriedades de menor escala, chegando a causar uma queda de 41,3% na produtividade da mão-de-obra nas fazendas com produção entre 500-1.000l/dia. Este impacto é mais expressivo até a faixa de 2.500l/dia, havendo uma grande redução do efeito da mão-de-obra familiar acima desta faixa.
Segundo dados de 2009 da IFCN (International Farm Comparison Network) publicados no "Panorama do Leite" da Embrapa Gado de Leite , a produtividade da mão-de-obra (com a mão-de-obra familiar inclusa) no Brasil foi de 486 l/homem/dia. Considerando a diferença de metodologias (o IFCN utiliza fazendas típicas das regiões Sul e Sudeste a partir de determinado número de vacas, ao passo que em nossa amostragem foram os leitores que voluntariamente participaram), é possível inferir que a ordem de grandeza foi semelhante.
Já segundo a pesquisadora da Embrapa, Rosangela Zoccal, em comentário feito no artigo relativo aos custos da mão-de-obra, os valores gastos com mão-de-obra representam 31% do custo total de produção em uma fazenda com produção diária de 82 litros; 18% em uma com produção de 545 litros/dia e 12% em um sistema que produza 2.649 litros/dia. A produtividade do trabalho observada, segundo ela, foi de, respectivamente, 82 litros/homem/dia; 182 litros/homem/dia e 324 litros/homem/dia, valores sensivelmente mais baixos do ue os nossos e os do IFCN, indicando que a realidade pode ser ainda pior.
A comparação com os outros países demonstra a baixa produtividade da mão-de-obra brasileira: Alemanha, Argentina e EUA apresentam eficiência entre 90 e 110% maior no trabalho, quando comparadas aos dados resultantes de nossa pesquisa. Já a Nova Zelândia, maior exportador de lácteos do mundo, possui produtividade quase 5 vezes maior que os 425,1 l/homem/dia encontrados em nossa pesquisa.
Conclusões
A análise dos dados obtidos mostra que temos dois "Brasis" em termos de produção de leite: um voltado à produção de subsistência e baixa profissionalização da atividade e outro com eficiência muito maior, voltado à comercialização em maior escala. No entanto, a conclusão geral é uma só: estamos um passo (ou mais) atrás dos demais países produtores de leite, inclusive de países do Cone Sul. Nossas fazendas mais eficientes - com produção diária maior que 5.000 litros - apresentaram um índice de produtividade 20% menor que o apresentado pela Argentina, um dos principais países que vem ganhando espaço no mercado brasileiro de lácteos. A baixa eficiência do trabalho torna-se ainda mais importante se considerarmos a valorização do salário mínimo na última década, muito acima da valorização do preço do leite. A profissionalização da atividade, buscando maiores índices de mecanização, produtividade da mão-de-obra, sistemas produtivos adequados à realidade nacional e modelos de gestão eficientes, deve ser a meta do produtor de leite nacional para competir no mercado. Caso contrário, os baixos índices de rentabilidade observados contribuirão para que o setor lácteo tenha dificuldades não só de recuperar a competitividade internacional, como também garantir a elevação desejada da produção interna, uma vez que atividades concorrentes podem se tornar mais rentáveis.