A atual crise de corrupção causa surpresa, consternação e desesperança. A principal pergunta que se faz, neste momento, é se as nossas instituições irão funcionar, se conseguirão sair dessa crise fortalecidas. Crises são oportunidades únicas para consolidar mudanças institucionais profundas.
Há um riquíssimo debate no mundo sobre a questão da qualidade e eficiência das instituições. Mailson da Nóbrega tem escrito ótimos artigos sobre o tema. O autor mais importante da área é Douglass North, que recebeu o Prêmio Nobel de Economia de 1993 por sua análise histórica sobre o papel das instituições no crescimento econômico dos países. O seu último livro, Understanding the Process of Economic Change (Princeton University Press, 2005), é uma excelente referência para refletir sobre a alma da atual crise política brasileira.
Instituições são as estruturas de incentivos e punições de uma sociedade. Elas são formadas por regras formais (Constituição, leis ordinárias, etc.), por restrições informais (normas de comportamento, códigos de conduta, convenções, valores, crenças, costumes, religiões, etc.) e pela forma como estas são cumpridas. Em outras palavras, instituições são as 'regras do jogo', formais e informais, utilizadas pelas organizações econômicas da sociedade, ou os seus 'jogadores': empresas, cooperativas, sindicatos, órgãos de imprensa, ONGs, igrejas, escolas, congressistas, juízes, partidos políticos e gestores do setor público.
North mostrou, de forma esplêndida, as 'regras do jogo' que garantiram o crescimento da Inglaterra e da Holanda nos séculos 16 a 18, e as que determinaram a decadência de Espanha e Portugal. A análise institucional de North é bem mais ampla e completa do que a explicação clássica de Max Weber, baseada na ética religiosa do protestantismo, cujos valores foram determinantes para o desenvolvimento do capitalismo.
Dependendo do estímulo oferecido pelas regras do jogo, os jogadores são incentivados a se comportar de uma ou outra maneira, podendo, inclusive, promover mudanças institucionais. Instituições eficientes são aquelas que reduzem os custos das transações econômicas, diminuem conflitos e incertezas, incentivam comportamentos íntegros, garantem a proteção dos direitos de propriedade e o cumprimento dos contratos, enfim, ampliam os mercados e os investimentos.
Oliver Williamson, um dos mais criativos pesquisadores da nova economia institucional, mostra que, devido à ação de grupos de interesse, muitas instituições são expressamente desenhadas para ser ineficientes ('inefficient by design'), aumentando incertezas, conflitos e custos de transação. O 'desenho ineficiente' nos faz imediatamente pensar no caso brasileiro. Nossos problemas institucionais são gravíssimos.
A legislação brasileira é excessivamente complexa e ambígua. As regras do jogo são alteradas a todo momento. A Justiça é morosa e incerta. Contratos e direitos de propriedade são freqüentemente desrespeitados. O sistema político é marcado por uma forte desconexão entre o político e a sua base eleitoral, sendo que a falta de cobrança redunda em elevado grau de fisiologismo, clientelismo, nepotismo, etc. Na área dos valores e normas de comportamento, destacam-se as trocas pessoais, o 'jeitinho brasileiro' e a crença coletiva de que os grandes problemas da sociedade serão resolvidos somente pelo governo ou, pior, pela ação de um 'salvador da pátria' milagroso.
Em tempos de crise, não faltam artigos reclamando da situação do País e dos problemas acima. Ocorre, porém, que há hoje fortes indícios de que o Brasil está passando por melhorias institucionais em diversos campos e de que esta nova crise poderá, no fim, servir para uma reforma mais profunda nas regras do jogo da nossa sociedade. Vale destacar três mudanças positivas recentes:
- Sucessivos governantes vêm demonstrando a sua convicção em relação à importância da estabilidade macroeconômica, traduzida na intolerância com o crescimento inflacionário, na preocupação com o equilíbrio do balanço de pagamentos e com uma maior responsabilidade fiscal. Tudo indica que não há mais espaço para políticas populistas irresponsáveis no País.
- Cresce a capacidade de investigação, com a ação do Ministério Público, da Polícia Federal, uma imprensa mais atenta e novas organizações da sociedade civil. A consolidação da democracia e o maior controle da sociedade brasileira vão tornando a corrupção muito mais visível hoje do que no passado, desestimulando quem deseja enveredar por esse caminho.
- Na área dos valores e costumes, as pesquisas de opinião mostram um sentimento coletivo em favor da apuração rigorosa das denúncias e a necessidade de reforma profunda das regras do jogo da política, muito além das questões de financiamento de campanha ou fidelidade partidária. Tudo indica que o famoso 'rouba, mas faz' tem cada vez menos admiradores no País.
É tempo de buscar avanços institucionais na sociedade brasileira, por meio de uma agenda convergente das principais organizações do País em torno de reformas coerentes nas áreas política, econômica, jurídica e social. Felizmente, a distância entre as promessas utópicas vazias e a realidade do País tende a se reduzir depois desta crise, e as pessoas verão que não há solução mágica, tampouco o ano zero de um suposto nirvana da felicidade coletiva.
O que há, sim, é um trabalho diário feito de pequenas reformas incrementais no sistema, nas instituições e nas organizações. Não é necessário olhar muito longe para encontrar países que completaram reformas institucionais importantes, as quais produziram grande crescimento e aumento de bem-estar. Chile, Coréia, Espanha, Portugal e Irlanda são excelentes exemplos.
A saída histórica da América Latina para crises desta natureza tem sempre sido a eterna busca do líder caudilho, o salvador da pátria sobre o qual se depositam todas as esperanças de um mundo melhor.
É hora de mostrar que o Brasil evoluiu, amadureceu. Que esta crise sirva para vermos que o que importa não é o 'jogador' que vai e vem, que ora cresce no jogo, ora tropeça, mas, sim, o funcionamento e a estabilidade das 'regras do jogo' no longo prazo.
Mudando as regras do jogo
Publicado por: Marcos Sawaya Jank
Publicado em: - 4 minutos de leitura
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Marcos Sawaya Jank
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