Maurício Palma Nogueira formou-se em engenharia agronômica na Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz", da Universidade de São Paulo - turma de 1997. Posteriormente fez especialização em Administração Rural, pela Universidade Federal de Lavras, em 2002.
Atualmente é diretor da Scot Consultoria, editor chefe do informativo de mercado A Nata do Leite e coordenador da divisão de gestão empresarial da equipe da Scot Consultoria.
Atua no mercado de consultoria e serviços em gestão integrada de custos, mercado pecuário (leite e boi), mercado de alimentos concentrados e insumos, marketing e consultoria estratégica para produtores e agroindústria, gestão pela qualidade total para organizações agropecuárias e pesquisas de mercado e de opinião. Faz também análises setoriais.
É palestrante e facilitador em diversos cursos, seminários, simpósios e encontros agropecuários em todo o país abordando os temas:
Histórico e perspectivas de mercado pecuário (leite e corte); administração rural (tecnologia e resultados); estratégias para empresas agropecuárias; gestão pela qualidade total;
custos e resultados de empresas pecuárias; cálculos e gestão de custos de produção; atuação da empresa de consultoria e serviços para o setor rural; importância do cooperativismo para o setor leiteiro; o agronegócio brasileiro.
Possui mais de 400 artigos publicados sobre estes temas nos mais variados veículos de informação especializados no agronegócio.
MKP: Como o mercado está se comportando hoje em relação a preços ao produtor?
MPN: Até junho, pagamento da produção de maio, os preços médios pagos aos produtores, em valores reais (deflacionados) estavam cerca de 6% abaixo dos valores pagos no mesmo período de 2003.
Para o pagamento de julho, produção de junho, os preços aumentaram novamente. Já para o pagamento de agosto, produção de julho, os preços tendem a se estabilizar ou variar muito pouco em relação ao mês anterior.
MKP: Há variações regionais?
MPN: Sim, os preços diferem para cada região e entre produtores dentro da mesma região. Com relação às diferenças por Estado, observe na figura 1 os valores pagos em junho pela produção de maio nos Estados pesquisados pela Scot Consultoria.
As diferenças de preços por regiões e Estados relacionam-se com a proximidade do mercado consumidor, oferta regional de leite e presença ou não de competição entre indústrias compradoras.
Observe o caso de Rondônia e do Pará, por exemplo. Apesar de ainda não ser possível dizer que trata-se de uma tendência, o preço de Rondônia estava em média 7% acima do valor pago no Pará. Com a maior importância dada pelas indústrias nos últimos meses a Rondônia, além do aumento real da sua produção de leite, os preços de 2004 de Rondônia estão em média 15%, maiores em relação aos do Pará.
Em junho, com a falta de leite no mercado, o preço que o produtor de Rondônia recebe está 23% maior que o paraense.
Na mesma região, e no mesmo laticínio, os produtores com volumes diários maiores também recebem mais. Na verdade, o produtor que consegue reduzir custos de coleta para a indústria acaba ganhando as maiores bonificações. Reduz-se os custos da coleta, principalmente através da granelização, refrigeração e aumento do volume diário de leite fornecido à indústria. Os produtores com maiores bonificações recebem, em média, preços 8% a 12% superiores aos valores médios regionais.
MKP: Pelo último levantamento da Scot Consultoria, o RS tem o melhor preço do Brasil hoje. Porque isso ocorre?
MPN: Atualmente o Rio Grande do Sul possui um dos preços mais elevados para o leite. Perde para o Ceará, numa condição especial e com um volume próximo apenas 2% da produção nacional, e para o leite tipo B paulista, preço pago aos produtores com maiores bonificações próximos do maior mercado consumidor do país.
Considerando volume total de leite e preços médios, o leite gaúcho é o que mais vale atualmente no mercado brasileiro.
Os principais motivos podem ser atribuídos à pesada crise de preços, que foi mais acentuada na região, e à atuação da Parmalat, que imprimiu no Rio Grande do Sul uma concorrência mais vigorosa que nas demais regiões do país.
O Estado em que a Parmalat está mais agressiva nas compras do leite junto a produtores é justamente no Rio Grande do Sul, o que tem levado diversos concorrentes a reclamarem dos preços pagos pela multinacional italiana.
MKP: Você acha que os preços ao produtor vão aumentar mais?
MPN: Por enquanto, até o mês de julho de 2004, houve espaço para novos reajustes nos preços. A partir daí, tudo dependerá do mercado consumidor e do desempenho das exportações. Por volta do dia 15 de julho começou a aparecer informações de desaquecimento do mercado "spot", o que indica tendência de estabilidade no mercado.
Historicamente, aumentos bruscos nos preços são acompanhados de quedas nas mesmas proporções. O cenário que se desenha é de redução drástica nos preços do leite no final do ano.
No início do ano, muitos achavam que os preços não voltariam aos patamares de meados de 2003, e cá estamos.
O setor passa por um cenário bem diferente dos outros anos. A crise da Parmalat abriu espaço para disputas, envolvendo as maiores empresas do país e a própria Parmalat, que está na briga por leite no mercado interno visando recuperar o valor de seus ativos. A pecuária leiteira também pode contabilizar um superávit no mercado internacional. Esses fatores pesam favoravelmente e criam boas perspectivas para o produtor brasileiro.
Pesam negativamente o problema de consumo interno, com uma população de baixa renda, e as históricas relações comerciais entre o varejo, indústria e produtor. No Brasil, a comercialização ainda é predominantemente baseada em movimentos especulativos e pouca atenção é dada à qualidade do leite. Isso privilegia a produção de baixa tecnologia e pouca escala.
MKP: Em termos de rentabilidade, 2004 está melhor ou pior para o produtor do que 2003?
MPN: Até o momento, a rentabilidade em 2004 está pior que a de 2003. Os preços médios do leite, em valores nominais, de janeiro a maio estão 0,65% abaixo da média do mesmo período de 2003.
Uma formulação concentrada, considerando as devidas substituições de ingredientes numa dieta, está 2% mais barata em 2004. O custo dos volumosos em 2004, por sua vez, estão 12% mais caros que em 2003.
Grosso modo, pode-se dizer que a dieta de uma vaca de leite está por volta de 2% a 4% mais cara em relação a 2003. Dependendo das substituições nos ingredientes na alimentação, o custo da dieta pode ser reduzido ao mesmo valor de 2003 ou até a 2% menos.
Portanto, com a alimentação praticamente nos mesmos patamares, o que mina a rentabilidade do produtor de leite são os aumentos dos demais insumos e serviços.
MKP: E para a indústria?
MPN: Considerando o comportamento dos preços do leite e derivados no atacado, com os valores da matéria prima, conclui-se que as condições para as indústrias melhoraram em 2004. Enquanto nos primeiros meses do ano, os preços do leite aos produtores ficaram 0,65% inferiores em relação a 2003, os preços dos produtos industrializados - leite e derivados - estão 5,3% maiores em 2004, comparados ao mesmo período de 2003.
No entanto, outros custos estão envolvidos e é provável que a indústria, em geral, tenha mantido a rentabilidade de 2003, na melhor das hipóteses.
Vale lembrar que a indústria também sofre a pressão do varejo.
Por outro lado, grandes indústrias aumentaram a competitividade através do aumento do volume médio de leite fornecido por produtor, como é o caso da DPA (joint venture entre a Nestlé e a Fonterra). Aumentar o volume de leite por produtor implica em redução de custos. A Itambé acompanhou a mesma linha da DPA (Dairy Partners of Américas), aumentando o volume de leite por fornecedor.
As empresas que, em 2004, estão bem posicionadas para exportar e para abocanhar parte da fatia de mercado da Parmalat colherão resultados significativamente maiores, quando comparados a 2003. Enfim, quem tinha uma estratégia de crescimento planejada há algum tempo colherá os frutos a partir deste ano.
PROBLEMAS DO SETOR
MKP: Quais são os principais desafios que a cadeia do leite enfrenta hoje para ser mais rentável aos seus agentes?
MPN: O maior desafio da cadeia do leite é o amadurecimento dos elos envolvidos. O produtor ainda acredita que produzir leite de qualidade custa mais caro, o que não é real. Por outro lado, a indústria não percebe que pagar por qualidade também custa menos, pois haveriam ganhos operacionais e, principalmente, ganhos em clientela.
O marketing do leite das empresas deveria almejar aumentos na percepção de valores por parte do consumidor. Independente de embalagens envolvidas, o setor leiteiro deveria buscar recuperar a credibilidade do consumidor, trazê-lo de volta e aumentar o consumo de leite e seus derivados.
Em termos de consumo interno, o desafio é aumentar tanto a quantidade como o valor dos produtos. Existem vários exemplos de produtos de sucesso entrando a preços mais altos no varejo.
Outro desafio, histórico, é nas relações comerciais. Não há contrato, não há garantia e a política de preços e pagamentos ainda é perversa. Como é difícil crer que uma empresa- compradora, com a faca e o queijo na mão, queira abrir mão de seus ganhos para repassá-lo aos produtores, o sucesso de um setor leiteiro moderno acaba dependendo da modernização e do fortalecimento do cooperativismo.
Portanto, cooperativismo é outro grande desafio.
Em termos sociais - programas de governo - o leite não pode continuar sendo objeto apenas de manutenção de agricultores ineficientes no campo. Esse tipo de agricultura tende a desaparecer e, hoje, a sua produção está tornando a atividade empresarial moderna mais difícil. Corre-se o risco do produtor brasileiro enfrentar subsídios no mercado internacional e, pior, subsídios no mercado interno, que é o financiamento de uma agricultura ineficiente. Em médio e longo prazo, o fortalecimento da agricultura empresarial tende a gerar mais empregos e melhores condições para a sociedade, principalmente na atividade leiteira.
O pequeno agricultor pode produzir de maneira empresarial, desde que tenha suporte informativo e assistencial. O desafio dos governos é criar medidas que mantenham o pequeno agricultor em condições de produzir, de maneira competitiva, para que ele possa crescer, se desenvolver e criar condições para que seus filhos estejam aptos também a trabalhar em outras atividades. Em outras palavras, é preciso educação para o homem do campo. Não haverá espaço para todos na agricultura.
Hoje, o pequeno agricultor está sobrevivendo e não vivendo. Voltamos assim à necessidade de fortalecer o cooperativismo.
Com o mercado externo, outro desafio ganha força. É preciso reduzir o custo Brasil, ganhar credibilidade como país exportador e manter um padrão de qualidade para os produtos que serão enviados ao exterior e destinados ao mercado interno. É preciso estar atento e atender às exigências dos clientes. Existe uma corrente de pensamento que diz que o mercado consumidor para o leite brasileiro será composto basicamente de países pobres e que, por isso, as exigências em qualidade não seriam tão acentuadas. No entanto, é preciso lembrar que haverá oferta de leite produzido, e subsidiado, com bons padrões de qualidade no mercado internacional. O Brasil deverá, necessariamente, superar tais padrões.
MKP: Apesar das dificuldades históricas do setor, a produção de leite cresce a taxas consideráveis. Em sua opinião, porque isso ocorre?
MPN: A atividade leiteira, assim como as demais atividades agropecuárias, reagiu à necessidade de ganhar produtividade frente à queda nos preços dos produtos agropecuários.
Normalmente, no mercado de commodities, o empresário reage à queda de preços aumentando a escala de produção. No caso do leite não foi diferente.
O pouco que se organizou na atividade permitiu ganhos. Segundo números do IBGE, do início da década de 90 até 2003, a produção de leite aumentou quase 50%. No mesmo período, a Scot Consultoria estima um aumento de 50% na produção média por vaca em lactação e cerca de 65% de aumento na produção por área. O setor leiteiro ganhou em produção e produtividade.
Nesse início de década, o pecuarista brasileiro repassou cerca de 4,9 milhões de hectares para a agricultura. Essas áreas, antes destinadas à pecuária de corte, principalmente, e de leite, foram para agricultura na tentativa do empresário aumentar sua renda.
Mesmo com a redução de área, tanto a pecuária de leite, como a pecuária de corte, mantiveram ou aumentaram o número de animais e a produção total, segundo números oficiais.
É de se esperar, portanto, que tenha ocorrido um aumento de uso de tecnologia.
Portanto, essa continua sendo a tendência para todo o agronegócio: produzir cada vez mais na mesma unidade de área.
Num primeiro momento, essa busca por tecnologia visava a sobrevivência, período característico dos últimos 15 anos; atualmente o aporte tecnológico objetiva aumentar os ganhos econômicos, ser competitivo.
Se a produção de leite não for eficiente em gerar renda frente a outras atividades agropecuárias, a pecuária leiteira gradualmente perderá espaço para atividades mais lucrativas. Esse é o conceito de custo de oportunidade.