
Larry Brennen é presidente do conselho da Challenge Dairy-Cooperative, uma cooperativa de pequeno porte, localizada no sudoeste da Austrália, uma região que não é vasta, mas com razoável disponibilidade de água, com boa topografia e clima adequado, o que possibilita desenvolver a atividade leiteira de forma competitiva, bem como a agricultura. De lá, saem anualmente 15 milhões de toneladas de grãos e 400 milhões de litros. Brennen esteve no Brasil a convite do Cream Club, para participar da Cream Club Conference, que reuniu produtores de destaque de várias regiões do mundo (clique aqui para ler a notícia). Nessa entrevista ao MilkPoint, ele conta como é o sistema de produção na região, como sua cooperativa foi formada recentemente, como recebeu investimentos de grupos privados e os desafios que tem pela frente, visando manter a sustentabilidade em um ambiente altamente competitivo.
MilkPoint: Como é a produção de leite no Sudoeste da Austrália?
Larry Brennen: Estamos em uma região que representa apenas 4% da produção de leite do país. São apenas 350 fazendas de leite, com 70.000 vacas produzindo ao redor de 400 milhões de litros por ano. Temos sistemas de produção majoritariamente baseados em pastagens temperadas e subtropicais, como azevém e quicuio. O clima é tipicamente mediterrâneo, parecido com a Tunísia ou a Córsega: invernos com 12 a 15ºC e verões com temperaturas que chegam a 35-40ºC, quando o clima se torna quente e seco, com baixa umidade. Temos por volta de 1000 mm de chuva por ano. As fazendas ficam em sua grande maioria, perto da costa, onde recebem mais chuvas. À medida que avançamos para o interior, a disponibilidade de água é menor, com pouca possibilidade de irrigação, exceto em alguns pontos. É justamente nessa direção, para o centro, que a indústria leiteira está se movendo hoje.

MKP: Como é o sistema de produção nessa região?
LB: Há, na verdade, dois sistemas, um baseado em pastagens irrigadas e o outro em pastagens não irrigadas e suplementadas durante boa parte do ano. O sistema irrigado baseia-se em azevém perene, trevo branco e capim quicuio. Em média, são 100 a 120 vacas por fazenda, sendo que a irrigação é feita de novembro a junho, quando o clima é seco. Além disso, as vacas são suplementadas com grãos (trigo, cevada e "lupins" - uma fonte protéica) e feno. De julho a outubro, há o pastejo não irrigado de pastagens de inverno, com complementação de silagem e feno.
MKP: E o outro sistema de produção?
LB: Ele é baseado na utilização de pastagens anuais, como azevém anual e trevo, porém sem irrigação. São fazendas que ficam em áreas onde a irrigação é mais complicada. De abril a maio, há a semeadura, aproveitando o período das chuvas (60% ocorrem de julho a setembro). De maio até novembro, as vacas são manejadas em pastagens rotacionadas, recebendo feno e suplementação de grãos. No verão, como não há irrigação, a suplementação é elevada. No total, as vacas nesse sistema recebem 2,5 toneladas de grãos por lactação, contra 1,0 tonelada no sistema irrigado.
MKP: Como se trabalha a lotação por área?
LB: O crescimento da forragem não é uniforme e isso causa momentos de sobre-oferta ou sub-oferta. Historicamente, manejava-se a lotação a partir de 1000 kg de matéria seca por hectare, ou seja, a lotação seria aquela que permitisse consumir essa qualidade de forragens, de forma que o excesso, que chegava a quase 2500 kg de MS/ha, deveria ser conservado na forma de feno ou silagem. Hoje, o manejo está diferente (veja a figura abaixo). Trabalha-se com lotação bem maior, baseada no máximo de produção por área, havendo porém a necessidade de suplementar quase o ano inteiro. Esse sistema tem se mostrado mais lucrativo. A produtividade por vaca alcança, em média, 8.000 kg/vaca/ano, havendo algumas fazendas de grande porte, com até 3000 vacas. Várias fazendas estão confinando as vacas de dezembro a abril, recebendo silagem, feno e grãos, uma vez que basicamente não temos pastagens nessa época. Há fazendas que confinam durante o ano inteiro, mas o custo fica elevado, na faixa de US$ 0,20 a 0,22/litro.

MKP: Como é a utilização da mão-de-obra?
LB: É muito eficiente. É importante lembrar que temos apenas 2 milhões de pessoas em todo o Oeste da Austrália. As fazendas precisam otimizar a mão-de-obra. Em média, 1 pessoa trabalha com 80 a 90 vacas em lactação, em alguns casos chegando a 100 ou 120 vacas por trabalhador.
MKP: Qual é a produtividade das pastagens?
LB: Trabalhamos com 10 a 12 toneladas de matéria seca por hectare/ano, chegando no máximo a 14-16 toneladas. Porém, o que é efetivamente utilizado é bem menos, atingindo 6-8 toneladas de MS/ano.
MKP: Como é a lucratividade da atividade?
LB: Em uma planilha desenvolvida, estamos trabalhando com 6,68% ao ano, antes do pagamento dos impostos. Se incluirmos o ganho de capital com a valorização da terra, esse valor sobe para 9,7% ao ano, o que é interessante. O leite é mais rentável do que a pecuária de corte e do que a produção de grãos. Para iniciar a atividade com 500 vacas, é necessário investir cerca de US$ 3,5 milhões. Os preços de vacas e novilhas estão subindo, porque a China está comprando em grande quantidade. Isso pode causar problemas futuros para a reposição do rebanho australiano.
MKP: Falando agora da Challenge Dairy Co-operative, como surgiu a cooperativa?
LB: Nos anos 90, tínhamos um mercado regulamentado pelo governo, com foco doméstico, sem crescimento e com baixos preços de leite para industrialização. Em junho de 2000, houve desregulamentação, ou seja, o governo deixou de controlar os preços e interferir no mercado, eliminando o sistema de cotas domésticas. Os preços caíram de AUS$ 0,45/litro para AUS$ 0,25/litro (US$ 0,18). Era fazer algo ou morrer! De 13.000 fazendas de leite, em 2000, esse número caiu para 8.000 hoje. Os produtores viram a necessidade de agir em conjunto e contrabalançar o poder dos supermercados.
MKP: Como funciona a Challenge Dairy Co-operative?
LB: É uma cooperativa de nova geração, puxada pelo mercado e não pela produção. Foi fundada por 89 fazendas, em junho de 2001, mas hoje já temos 140. Cada produtor, ao entrar na cooperativa, precisa pagar AUS$ 1000 para ter direito a voto (nosso sistema é "1 homem, 1 voto") e capitalizá-la de forma proporcional à quantidade de leite que irá entregar. Esse valor é de AUS$ 0,10/litro de leite. Assim, como a cooperativa recebe 115 milhões de litros por ano, tem de capital AUS$ 11,5 milhões. O produtor é obrigado a entregar o volume acordado, o que resolve o problema do "carona": aquele que se beneficia da cooperativa, mas não arca com as responsabilidades. Os direitos de entrega ("delivery rights") podem ser comercializados entre produtores, o que reduz o problema do horizonte. Os dividendos são entregues como % do capital investido.
MKP: Foi fácil iniciar?
LB: O momento foi favorável, o governo ajudou, os produtores estavam dispostos a investir e havia boas oportunidades para aquisição de fábricas, visto que, na desregulamentação, algumas indústrias estavam à venda a preços interessantes.
MKP: Como é a estrutura da empresa?
LB: Os produtores de leite são donos da cooperativa, que é sócia de uma empresa de capital limitado, sendo a empresa QAF, de Cingapura, a outra sócia. Temos 49% e eles 51%, mas as decisões têm sido feitas em consenso, com igual representação no conselho. Utilizamos a força de vendas, marketing e distribuição deles no sudeste Asiático, incluindo marcas locais conhecidas, sendo uma excelente oportunidade para desenvolver novos mercados. A cooperativa tem um acordo de 5 anos para fornecimento de leite à indústria (da qual ela tem os 49%), com renovação por mais 5 anos, e assim por diante. O preço é fixo pelos 3 primeiros anos e depois flutuará, de acordo com o mercado.
MKP: Não incomoda ser minoritário?
LB: Preferimos ter uma participação menor de algo realmente grande, do que ter 100% de uma empresa quebrada. Isso está bem claro junto aos nossos associados.
MKP: Quais produtos são fabricados?
LB: Em geral, são commodities, como queijo cheddar e mozzarella, manteiga, leite em pó desnatado (SMP) e leite em pó integral (WMP). Mas estamos procurando produtos de maior valor agregado, que são vendidos em supermercados, como "waxed cheese" (US$ 4500/tonelada) e iogurte. Também, estamos com um novo produto que está sendo exportado para Cingapura. É um leite pasteurizado, vendido como leite fresco. A tecnologia é muito interessante. O leite é homogeneizado e pasteurizado, sendo embalado em um recipiente protegido por uma cama de glicol, que fica a -40ºC a - 45ºC. O leite atinge 0,5ºC e ganha meio grau por dia, até chegar em Cingapura, quando terá 5oC. Aí, é novamente pasteurizado e comercializado como leite fresco. Queremos entrar em Hong Kong com esse produto.
MKP: Como está a situação financeira?
LB: Agora estamos melhor. No segundo ano de operação, tivemos prejuízo de AUS$ 4 milhões, mas contratamos uma consultoria que nos recomendou um novo CEO (executivo-chefe), que está fazendo um trabalho muito bom. Cometemos alguns erros, mas, como diz o Prof. Michael Cook, da University of Missouri: "o importante é quanto tempo vai demorar para você perceber o erro e em quanto tempo irá corrigi-lo". É isso que estamos fazendo.
MKP: A Challenge paga um preço melhor do que o mercado?
LB: Ainda não. Estamos pagando menos que o mercado, cerca de AUS$ 0,02 a 0,04 por litro, mas esperamos reverter essa situação. Os produtores apostam na cooperativa e entendem que é necessário um período de ajustes até que tenhamos algo lucrativo. Sabem da necessidade de agir em conjunto para controlar mais o mercado, mas que isso não é algo fácil ou imediato.
MKP: A Challenge teve uma experiência mal sucedida na China. Como foi?
LB: A Austrália está em uma localização muito favorável para explorar o mercado chinês. É praticamente nosso mercado doméstico. Grande parte de nossas exportações já vai para o sudeste Asiático, onde o mercado cresce de forma muito acelerada, tanto pela crescente adoção de hábitos ocidentais, como pela enorme população e pelo crescimento econômico. Em junho de 2003, fizemos uma joint-venture com a Sanyuan, um dos maiores laticínios chineses (o quinto). Mas diversos problemas apareceram. Primeiro, o governo chinês não queria que usássemos a ampla rede de distribuição deles em Beijing, sob o argumento que isso não geraria empregos. Teríamos de montar uma rede própria. Depois, houve problemas relativos ao controle da joint-venture e do capital. A taxa de câmbio também nos foi desfavorável justamente nesse período. Por fim, diferenças culturais e de linguagem dificultaram o negócio, aliado às dificuldades de se trabalhar com um sistema ainda controlado pelo estado, mas que precisa dar lucro (a Sanyuan tem ações na bolsa de valores). Em março deste ano, terminamos a joint-venture, mas temos ainda um MOU com eles - "memorandum of understanding", visando um relacionamento futuro.
MKP: Quais são as perspectivas?
LB: Estamos partindo para o segundo estágio de nossa joint-venture. Construiremos uma nova fábrica de leite em pó, onde trabalharemos com fórmulas infantis e produtos especiais. Também, teremos uma nova fábrica de queijos, incluindo instalações para processamento, focando clientes de foodservice e varejo. Queremos atingir 300 milhões de litros até 2012.
Conversão:
1 dólar norte-americano = 1,3787 dólares australianos; 1 dólar australiano = 0,7253 dólar americano