
Jacques Gontijo Álvares é vice-presidente comercial da Itambé, segundo maior laticínio do Brasil e maior cooperativa de laticínios no país, com captação de leite de 829,5 milhões de litros (dados de 2004, ranking Leite Brasil/OCB/CBCL/CNA/Embrapa Gado de Leite). A empresa, que há alguns anos buscava um parceiro estratégico, caminha por pernas próprias - e bem. Com previsão para conclusão no final do ano, a Itambé está investindo R$ 160 milhões para construção de uma fábrica de leite em pó, para produção em sacos e em lata, visando o mercado externo (30%) e interno (70%). Na última quinta-feira (07/07), durante a entrevista coletiva de lançamento do 7º Interleite, em Uberlândia, Gontijo falou com exclusividade sobre vários temas importantes, como o novo sistema de pagamento por qualidade lançado pela empresa (clique aqui para saber mais), sobre a IN 51, sobre a conjuntura de mercado e também sobre os resultados obtidos pela Itambé. Confira!
MilkPoint: Qual é a expectativa da Itambé em relação ao sistema de pagamento por qualidade, lançado em julho?
Jacques Gontijo Álvares: Nós resolvemos instituir esse sistema tendo em vista a implantação da Instrução Normativa 51, que estava prevista para entrar em vigor em julho. Infelizmente, ela teve a sua vigência adiada, mas nós entendemos que é muito importante para o nosso objetivo de ser uma empresa de classe mundial e participar do mercado globalizado, ser mais exigente do que a própria lei. O que estamos premiando hoje é o produtor que já atende às exigências de qualidade da última etapa da IN 51, prevista para 2011. O produtor que atingir essa qualidade, terá um prêmio de R$ 0,08 por litro de leite, já a partir de primeiro de julho. Com isso, se reverte um quadro de queda de preços de leite, sinalizada para julho. O produtor que tiver leite de qualidade internacional - e já temos mais de 20% do leite nessa categoria - terá seu leite premiado a ponto de receber aumento no preço, mesmo em momento de queda.
MKP: Qual a sua avaliação para o atual momento de mercado?
JGA: Tivemos uma baixa generalizada de preços no mercado. No nosso caso, a queda está sendo de R$ 0,04 por litro, mas alguns produtores terão aumento de preço, caso se enquadrem no padrão internacional de qualidade. E a bonificação será gradativa. O segundo nível de qualidade receberá bonificações menores, e assim por diante. Com isso, nós conseguimos transformar um momento adverso de mercado em um momento em que está ao alcance do produtor ter um melhor preço para sua produção.
MKP: Será que com a entrada da Itambé no grupo dos laticínios que estão pagando por qualidade, fica evidente que o pagamento por qualidade é um caminho sem volta?
JGA: Eu acredito que sim. A DPA, que é o maior comprador, tem um sistema similar desde o início do ano. A Danone também já tem. Nós, que somos o segundo, começamos. Acredito que é o caminho, pois toda indústria deve ter grande preocupação com a qualidade. Essa internacionalização do setor leiteiro brasileiro tem que nos levar a um padrão internacional de qualidade.
"Essa internacionalização do setor leiteiro brasileiro tem que nos levar a um padrão internacional de qualidade."
MKP: Falando novamente de mercado, dá para ter uma idéia das perspectivas? Estamos no meio do furacão...
JGA: Temos uma conjuntura hoje desfavorável. A produção está 10% maior nesse ano; as importações chegaram a 10.000 toneladas (de leite em pó) em maio e junho, revertendo a balança comercial de lácteos, que estava positiva; o consumo interno está praticamente estável. Isso gerou um excesso de leite no mercado. Os preços vão se ajustar. A Itambé estava, em junho, com preço médio ao produtor de US$ 0,26 por litro. É um patamar superior a países como Austrália, Argentina e Nova Zelândia, que são grandes exportadores. Acredito que esse nosso preço volte para um patamar de US$ 0,22 a US$ 0,23 por litro. Nesse nível, conseguimos retomar as exportações e retirar esse excedente de leite do mercado.
MKP: O que mais pode ser feito?
JGA: Acho que temos de fazer um esforço para importar menos. Não sei se isso é possível, mas o governo poderia ser mais rigoroso no que se refere ao controle de importações. Às vezes, há importações especulativas, feitas por empresas que não são do setor. De qualquer forma, preços na casa de US$ 0,23 por litro são pouca coisa superiores ao leite da Argentina e semelhantes aos preços da Nova Zelândia e da Austrália. Não tem como não ser competitivo.
MKP: Então a queda de preços que está tendo agora é suficiente para permitir o ajuste necessário?
No meu entendimento, é. Uma redução de 8 a 10% no preço do leite nos trará de volta para os níveis de preços internacionais.
"Estávamos com preços superiores a países exportadores como Austrália, Argentina e Nova Zelândia. Acredito que um ajuste de 8 a 10% é suficiente para nos colocar em linha com eles."
MKP: A Itambé vem se estruturando para obter parte significativa de sua receita (até 25%) em exportações, incluindo nesse projeto o investimento na nova fábrica. Em que medida essa conjuntura cambial afeta esses planos?
JGA: Nossa estratégia exportadora foi traçada em 2001 e 2002, quando o setor viveu a maior crise dos últimos anos. E funcionou bem, até hoje. Nossa leitura é que a situação cambial, que é a parte mais importante, é conjuntural. Não acredito que permanecerá nessa situação, com real tão valorizado, por muito tempo. Mesmo se permanecer, temos que nos adequar e ser competitivos nesse patamar. Sem dúvida, vai ser mais fácil importar, o que muitas vezes é feito por empresas sem compromisso com o setor, sendo danosas. Nosso plano de exportação não tem volta. A economia é globalizada e o Brasil precisa participar desse mercado, ainda que a conjuntura atual não seja favorável. Nosso projeto de exportar 20 a 25% de nossa produção continua.
"Nosso plano de exportação não tem volta. Nosso projeto de exportar 20 a 25% de nossa produção continua."
MKP: O setor tem visto recentemente algumas empresas em dificuldades financeiras. A Itambé, por outro lado, tem tido bons resultados, tanto que vem, há algum tempo, distribuindo o chamado "décimo terceiro" aos produtores. A que o Sr. atribui esse sucesso?
JGA: Nós conseguimos ter um alinhamento estratégico, correto, feito há 4, 5 anos atrás. Conseguimos ter um bom sistema de gestão. A Itambé hoje tem um sistema gerencial muito bom, investiu muito nisso, em treinamento, em equipe. Temos hoje um padrão de gestão que consideramos bem evoluído. Acredito que aí está a diferença. No ano passado, a Itambé conseguiu retorno sobre os ativos de mais de 20%. Nesse ano, seguimos pelo mesmo caminho. O resultado do primeiro semestre desse ano é muito bom, até um pouco superior ao do ano passado. Acho que o segredo é o sistema de gestão e a atenção à cadeia. Entendemos que seremos fortes se nosso produtor for forte. Temos a visão de que é importante fortalecer nosso produtor que, afinal, é o dono da Itambé. Acho que essa visão estratégica estava certa, a implementação foi correta e estamos animados para o futuro.
MKP: Quais são os principais desafios que uma cooperativa de lácteos tem para superar?
JGA: Eu acho que é o modelo democrático de controle. Nós somos uma cooperativa na tomada de decisão e na distribuição de resultados, que implantamos há 2 anos, quando começamos a distribuir 30% dos resultados para o produtor fiel. Acho que isso foi um avanço. O modelo de gestão que temos é semelhante ao de qualquer empresa evoluída. Para conceber esse modelo, tivemos uma ajuda muito grande do INDG, Instituto Nacional de Desenvolvimento Gerencial, do Prof. Falconi, com resultados muito bons.
MKP: Muito se falou de fusões no setor de cooperativas, a exemplo do que ocorreu em outros países. Porque isso não decolou aqui? Esse caminho faz parte da estratégia da Itambé?
JGA: Na nossa visão, há 3 anos atrás, procurávamos uma parceria estratégica, mas vimos depois que não seria um bom caminho e voltamos atrás, para crescermos sozinhos, mantendo a estrutura cooperativista. Tentamos integrar outras cooperativas, mas é algo muito difícil no Brasil, porque há muito problema de vaidade e de problemas pessoais, que impedem fusões ou aquisições, ao contrário do acontece lá fora. Aqui, cooperativa só procura a outra quando está em dificuldade financeira e quer transferir passivo. Mas conseguimos montar um modelo e seguir uma linha, abrindo filiação para novas cooperativas, como ocorre hoje no Triângulo e em Goiás. Acho que temos espaço para crescer. Infelizmente, isso vem ocorrendo ao mesmo tempo em que algumas cooperativas passam por dificuldades. Acreditamos que estamos no caminho certo.
MKP: A Itambé vai crescer captação e faturamento neste ano? Quais as perspectivas?
JGA: Sim. No primeiro semestre, crescemos o faturamento 25% em relação ao mesmo período do ano passado, ao passo que a captação cresceu 15%.
