Não era para menos: o evento Pasturas 2011, organizado pela empresa neozelandesa de sementes PGG Wrightson, foi realizado em 3 fazendas que pertencem ao projeto New Zealand Farming Systems Uruguay - o investimento neozelandês que, em 2006, foi iniciado com o intuito de produzir até 20% do leite uruguaio e que, após a crise de 2008, teve seu ritmo de expansão reduzido, para finalmente ser vendido para o fundo de investimentos OLAM, de Cingapura, que está à frente do projeto desde o ano passado, com o propósito de dar continuidade ao projeto de expansão.
Evento reuniu 800 pessoas e teve apresentações a campo e palestras
O objetivo do dia de campo foi tanto abrir o sistema de produção da NZFSU (que abordaremos em outro artigo), como explicar como as novas variedades de festuca, azevém, aveia, trevo, cornichão e chicória, entre outras, aliadas a um manejo mais intensivo, estão alterando a forma como os uruguaios produzem leite.
No caminho de Montevidéu até Florida, uma das regiões leiteiras do país, predominam pastagens nativas, exploradas extensivamente, com produção de até 3.000 kg de leite/ha/ano. O terreno é levemente ondulado, com diversos afloramentos rochosos, que dão suporte a uma pastagem de cor amarelada, gerando dúvidas sobre se realmente encontraremos um sistema de alta produtividade de leite.
De repente, a paisagem muda de tonalidade. O capim ocre dá lugar a uma pastagem espessa, de coloração verde. Logo, vê-se um pivô central e um aglomerado de vacas holandesas. Era Los Naranjales, fazenda de 3.210 hectares do projeto NZFSU, que hoje produz em suas mais de 30 fazendas, entre 400.000 e 500.000 litros/dia.
O contraste entre as pastagens nativas e as pastagens melhoradas, irrigadas e adubadas com 120 kg de N/ha/ano, é bastante perceptível
Utilizando uma mescla de variedades temperadas perenes (3-4 anos) e anuais de inverno, aliadas ao sorgo forrageiro no verão, o projeto hoje trabalha com 14.000 litros/ha/ano, 2,8 vacas/ha e cerca de 5.500 kg/vaca/ano, sendo que 50% da matéria seca ingerida advém do pastejo. Nas áreas irrigadas, a produção chega a 18.000 kg/ha/ano, caindo para cerca de 11.500 kg/ha/ano nas áreas de sequeiro (até 14.000 kg em alguns casos). O sistema é concebido para produzir acima de 12.000 kg de MS de pasto/ha/ano, suportando 12.000 kg de leite, considerando a relação 1 kg de MS de pasto = 1 kg de leite. O custo desse pasto varia de US$ 0,04 a 0,07/kg de MS, muito inferior ao custo da silagem, entre US$ 0,12 e 0,20/kg de MS e justificando, na opinião dos gestores do projeto, a opção pelo uso de pastejo como fonte primária de volumosos.
As variedades da PGG, empresa cuja sede no Brasil fica em Porto Alegre, RS, estão sendo melhoradas geneticamente há mais de 70 anos, selecionadas para produtividade, digestibilidade, palatabilidade, conteúdo de açúcares e proporção de folhas.
Técnico da PGG explica o manejo de pastagens (no caso semeadura de azevém sobre festuca)
Além disso, apresentam ciclos diferentes de maturação: as de ciclo curto, por exemplo, são indicadas para áreas de rotação de culturas de verão (arroz, soja, milho, girassol), em melhoramento de campos nativos e em rotação com as forrageiras de verão. Já as de ciclo médio são indicadas em áreas de pastagem, ao longo de todo o ano, em melhoramento de campos nativos, em rotação com as forrageiras de verão ou ainda em áreas de cultura de verão com semeadura tardia. Finalmente, as de ciclo longo são indicadas para áreas de exploração pecuária, com pastagem ao longo de todo o ano, além de áreas em melhoramento de campos nativos.
Cerca de 25 dessas forrageiras de inverno estão sendo testadas no Sul do país, através principalmente da Epagri/SC, colocando à disposição dos produtores e técnicos um maior número de opções em um componente-chave do sistema de produção local: a utilização de pastagens, visando produção de leite competitiva, com custo de produção mais baixo.
Há, no entanto, a necessidade de uma mudança de paradigma, principalmente nos estados do Sul do país, quando se fala em uso de forrageiras. A existência de novas variedades, com características distintas, exige que se tenha um conhecimento a respeito do manejo e de como cada uma pode compor o sistema de produção de leite.
Também, o uso de novas variedades é parte de um pacote tecnológico que vai além da busca pela "forrageira ideal". Envolve correto manejo de pastagens, intensificação, utilização estratégica de suplementos, utilização de animais de padrão racial que permitam explorar ao máximo o sistema, investimentos em bem-estar animal (porém com instalações simples) e mão-de-obra qualificada.
Utilização intensiva de forragens temperadas é apenas parte do sistema
Como nos explicou o produtor uruguaio e líder classista Horácio Carrau, durante o Interleite 2011, hoje há maior preocupação com as dietas, há mais pastoreio mecânico (corte) como instrumento de manejo e para confecção de silos, há mais cuidado com a formulação de dietas.
Há, também, muitos desafios no Uruguai, entre eles as mudanças climáticas que afetam o regime de chuvas e secas, bem como a própria adaptação de variedades ao clima subtropical uruguaio. No país, a precipitação climática varia em média de 1000 a 1200 mm, mas de forma muito irregular, nem sempre ocorrendo na freqüência desejada. Essa característica, aliada aos solos rasos e de fertilidade natural baixa, incorpora mais risco a sistemas intensivos como os da NZFSU.
Nesse ano, por exemplo, a seca no verão na região central do país, em um cenário de altos custos de alimentação, fez os custos operacionais do projeto subirem de US$ 20,9 para 47,0 milhões (leia notícia relacionada), com custo próximo a US$ 0,45/litro de leite - muito alto quando se considera a qualidade e a produtividade das forragens e todo o pacote tecnológico empregado.
De fato, considerando as particularidades locais - solo raso e com baixa fertilidade natural, chuvas irregulares - o sistema necessita de água complementar e suplementação, sendo muito mais parecido com o sistema australiano e sul-africano do que com o neozelandês propriamente dito, que originou e dá o nome ao projeto. Há que se considerar, ainda, que o projeto foi e é no mínimo arrojado: em várias regiões, houve necessidade de trazer energia elétrica, construir estradas e mesmo várias represas; o porte e a velocidade com que precisou ser implementado seriam em si desafios em qualquer lugar do mundo, mais ainda quando tudo isso é acompanhado de uma mudança na filosofia do sistema.
Por isso, é prudente ter algumas ressalvas antes de concluir a respeito dos custos elevados e até da viabilidade do projeto. Na opinião de Rafael Secco, agrônomo e gerente operacional do projeto responsável pela implantação de todas as fazendas, ao ser questionado por mim sobre o grau de domínio numa escala de zero a dez,que o grupo tem atualmente do sistema, respondeu, após ponderar: "entre 6 e 7. Chegaremos em breve a 8,5-9,0." Ou seja, há ainda a long way to go, como dizem os americanos.
Para os brasileiros, ficou a sensação de que o pacote tecnológico adaptado ao Brasil, seja na forma de uso de novas variedades de forrageiras, seja na intensificação do sistema, pode gerar benefícios até mais palpáveis do que os verificados no projeto da NZFSU, contribuindo para o crescimento continuado da produção de leite na região Sul.
Para Arceli Nicolodi, coordenadortécnico da cooperativa Auriverde (veja vídeo abaixo), cujo trabalho com pastagens melhoradas começou há 2 anos, o desenvolvimento das forrageiras está indo muito bem, como é o caso do azevém KLM 138, com cortes até dezembro e eventualmente janeiro. Para ele, a produção de massa é o que diferencia essas variedades: "nosso azevém tradicional produz entre 3 e 4.000 kg de MS/ha/ano, contra 7 a 11.000 kg de MS dessas novas variedades, com qualidade surpreendente", sintetiza ele.
Martin do Carmo, da PGG Wrightson, concorda que o potencial no Brasil é grande. Para ele, uma vantagem é a incidência de mais chuvas, que afetam não só a produtividade, mas também a vida útil do pasto. Ao ser questionado sobre a adaptação de modelos oriundos de outros países, ele explica que o que é preciso ter em mente é a filosofia: "independentemente do sistema, é necessário manter grande parte da ingestão de forragens através do pasto, em qualquer época do ano" (veja vídeo abaixo).
O coordenador do MilkPoint, Marcelo Pereira de Carvalho, viajou ao Uruguay a convite da PGG Wrightson