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Chris Murphy, da Dairy Australia, fala sobre sistemas de produção e competitividade

GIRO DE NOTÍCIAS

EM 26/08/2005

11 MIN DE LEITURA

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Chris Murphy foi criado em uma fazenda leiteira do sul da Austrália, é engenheiro agrônomo e coordenador dos programas de extensão rural da Dairy Australia (www.dairyaustralia.com.au), entidade mantida por produtores de leite da Austrália e que atua em diversas frentes, como extensão rural, industrialização, marketing e comércio internacional. Ele esteve no Brasil participando de um congresso e apresentou posteriormente duas palestras em Belo Horizonte, a convite da Faemg/Senar, OCB e Sebrae/MG - Educampo. Nas palestras e na entrevista para o MilkPoint, Chris falou sobre o processo de desregulamentação da atividade leiteira na Austrália, discorreu sobre o potencial de produção da Austrália e abordou a questão dos custos de produção e da competitividade internacional e com outras culturas. Confira abaixo o excelente material que tivemos a oportunidade de conhecer.

MilkPoint: O que é a Dairy Australia?

Chris Murphy: É uma entidade operada pelo setor leiteiro na Austrália. Os produtores de leite é que pagam a entidade, contribuindo com A$ 32 milhões por ano (R$ 59 milhões). O governo entra com mais A$ 15 milhões (R$ 27,7 milhões), uma vez que o governo cobre o valor gasto com pesquisa e desenvolvimento pela Dairy Australia, que fica justamente em A$ 15 milhões. Como os produtores é que mantêm a entidade, eles têm direito de decidir qual o caminho a seguir. A entidade não é política, ou seja, não faz "lobby" diretamente, mas sim atua em pesquisa e desenvolvimento, bem como em aspectos técnicos ligados à produção, industrialização e comércio. Hoje, são 5.900 produtores filiados, de um total de 9.500 produtores de leite na Austrália.

MKP: Então a contribuição não é compulsória?

CM: Ser membro não é compulsório, mas uma vez que o produtor se torna membro, o pagamento é compulsório. Temos tido grande sucesso em obter representatividade, visto que 62% dos produtores são membros da entidade. Os produtores pagam 0,32 centavos de dólar australianos por litro de leite (R$ 0,0,059 por litro, ou cerca 1,1% da receita).

MKP: Como está estruturada a indústria de lácteos da Austrália?

CM: São 9.500 produtores e 2,01 milhões de vacas de leite. Estamos produzindo cerca de 10,1 bilhões de litros por ano, embora já tenhamos produzido 13,2 bilhões em 2001/02. Aliás, não acredito que venhamos a atingir esses níveis novamente, em função das dificuldades climáticas e competição com outras atividades. O preço do leite na Austrália tem se situado na faixa de A$ 0,28 por litro, o equivalente a R$ 0,52. A variação, no entanto, tem sido grande. Em 2001/02, a média foi A$ 0,33 por litro (R$ 0,61/litro), em 2004/05, A$ 0,32 (R$ 0,59/litro), ao passo que essa safra está abrindo a A$ 0,29 (R$ 0,54 por litro). Nosso leite tem 4,1% de gordura e 3,31% de proteína, menor do que o leite da Nova Zelândia. Há um grande foco em exportação, para onde se destina 51% de nossa produção hoje.

MKP: O número de produtores de leite é bastante baixo...

CM: Com certeza. Inclusive superamos a barreira psicológica das 10.000 fazendas. Mas nem sempre foi assim. Em 1982/83, tínhamos mais de 20.000 fazendas e produzíamos menos de 6 bilhões de litros por ano (veja o gráfico abaixo, comparando a produção - em verde - e número de produtores - linha preta). De meados da década de 80 em diante, crescemos 5% ao ano em produção e 10% ao ano em exportações.


MKP: Como a Austrália vê sua inserção no mercado internacional de lácteos?

CM: Somos hoje um país que participa ativamente do mercado internacional, não só exportando, mas também importando lácteos. Cerca de 21% das exportações de queijos da Nova Zelândia vão para a Austrália. Em relação às exportações, temos 13% do mercado externo, contra 38% da Nova Zelândia e 35% da União Européia. Vale notar que, juntas Austrália e Nova Zelândia detém hoje mais de 50% do comércio mundial de lácteos. Em relação a custos, temos reduzido em uma taxa mais alta do que a Nova Zelândia, porém os produtores neozelandeses têm ainda um custo mais baixo (veja figura abaixo).


MKP: Na Nova Zelândia, sabe-se que uma única cooperativa, a Fonterra, tem quase o monopólio do processamento. Como é na Austrália?

CM: O mercado é mais pulverizado. As cooperativas, que já tiveram 80% da captação de leite, hoje têm apenas 40%. Várias multinacionais estão presentes na Austrália, como Parmalat e a própria Fonterra, que recentemente adquiriu o controle da Bonlac, um dos principais laticínios do país, com 20% do mercado. Também recentemente, uma empresa das Filipinas, a San Miguel, adquiriu a National Foods, outro laticínio importante. Não considero que a entrada de empresas estrangeiras seja necessariamente ruim, mas certamente a forma de pagar os produtores é diferente, visto que o objetivo principal é remunerar o acionista. A competição no mercado é intensa e não há interferência por parte do governo. Devido à redução da produção, há ociosidade na indústria, o que coloca mais pressão ao setor e deve contribuir para maior consolidação entre as empresas. Hoje, as indústrias estão procurando balancear a produção de commodities com a produção de ingredientes de maior valor agregado, cujos benefícios muitas vezes duram pouco, visto que são imitados rapidamente.

MKP: Como é a produção de leite na Austrália, sob o aspecto de sistema de produção?

CM: A maior parte é obtida a partir de dietas baseadas em pastagens. Cerca de 60% da dieta é via pasto. A fazenda média produz quase 3.000 kg de leite por dia e as vacas produzem cerca de 5.000 kg por ano, mas há variações. Pessoalmente, não considero a produção por vaca uma variável que, em si, define rentabilidade. Na Tasmânia, por exemplo, ilha ao Sul da Austrália, a produção média é de 3.937 kg/vaca/ano, mas a rentabilidade é maior do que em outros estados. Aliás, há quem considere que está na Tasmânia o potencial de crescimento do leite na Austrália, visto que o clima é semelhante ao da Nova Zelândia e ainda há espaço para crescer.

O rebanho médio é de 229 vacas e o capital investido médio é de A$ 1,9 milhão (R$ 3,5 milhões), com 82% de patrimônio líquido e 18% de endividamento. A produção de leite se concentra na área costeira, onde chove, embora existam fazendas irrigadas (veja na figura abaixo a densidade de vacas por quilômetro quadrado). A atividade é marcada por grandes variações nos preços, sazonalidade da produção e suscetibilidade aos preços dos grãos e fenos. Os sistemas de produção devem conciliar estas questões, sendo a flexibilidade em relação a custos algo especialmente importante. Deve-se evitar altos investimentos em instalações ou sistemas inflexíveis do ponto-de-vista técnico.


Fonte: Chris Murphy, Dairy Australia

MKP: Como estão distribuídos os produtores, em relação a tamanho?

CM: Ao redor de 23% dos produtores produzem 50% do leite. A maior fatia está na faixa de 150 a 200 vacas em lactação, sendo empresas familiares, que normalmente não contratam mão-de-obra externa. São 20% das fazendas e 15% do leite. Produtores de menos de 100 vacas representam 17% do total, mas apenas 5% das fazendas. De forma oposta, cerca de 4% dos produtores produzem quase 15% do leite, sendo fazendas com mais de 600 vacas em lactação. É interessante notar que a tendência é de redução no número de produtores. Em uma pesquisa que fizemos com o objetivo de qualificar a intenção dos produtores até 2007/08, 12% deles disseram que pretendem deixar a atividade, ao passo que 5% pretendem diminuir e 30% pretendem manter. Isso é, de certa forma, preocupante, visto que os custos têm subido mais do que os preços do leite, forçando ganhos em escala para manutenção da receita líquida. Por outro lado, 53% querem crescer.

MKP: Como é a sazonalidade de produção?

CM: É bastante acentuada, mas depende da região. Em Victoria, estado que produz 60% do leite do país e onde o clima é subtropical, há uma estacionalidade marcante, com picos bem definidos em outubro, novembro e dezembro. Já em Queensland e New South Wales, regiões tropicais, praticamente não há variação. Isso é um exemplo da diversidade existente na Austrália que, como o Brasil, é um país com dimensões continentais. Não há, portanto, um único sistema de produção de leite australiano, visto que temos áreas com clima, custos de produção e alternativas de mercado diferentes. (Veja na figura abaixo os diferentes tipos de clima da Austrália).


Fonte: Chris Murphy, Dairy Austrália

MKP: Além da questão climática e do mercado em si, que outros desafios o produtor de leite da Austrália tem?

CM: Há, de forma crescente, a questão do bem-estar animal, do meio-ambiente, do manejo de dejetos e de água, das práticas de uso da terra, dos transgênicos. Em geral, pode-se dizer que a comunidade está mais bem informada e, com isso, exerce maior influência sobre as práticas do produtor de leite. Há também a questão da competição por recursos escassos, como terra para agricultura, água, capital e trabalho, que é algo relevante nas nossas condições (a Austrália tem cerca de 20 milhões de habitantes apenas, tendo território do tamanho do Brasil). O que está em jogo é a imagem dos produtores de leite ao utilizar os recursos que são caros a toda sociedade. Um outro problema é que a produtividade das fazendas tem crescido menos nos últimos anos, fruto de se ter atingido um estágio tecnológico mais avançado.

MKP: Quais são os principais desafios que os produtores de leite têm?

CM: Fizemos essa pesquisa, considerando o ano de 2005, e obtivemos os seguintes resultados:


As reclamações sobre preços de leite ocorrem em todos os lugares, mas o preço é o preço de mercado, não há muito como o produtor possa influir diretamente. A produtividade dos fatores de produção, aspecto que importa bastante para que o produtor seja competitivo, não vem crescendo muito ultimamente. Por produtividade dos fatores de produção entende-se a eficiência com a qual os insumos são convertidos em produtos finais. A relação de troca tem piorado nos últimos anos, o que reforça a preocupação com a necessidade de elevação da produtividade dos fatores de produção. Na última década analisada (1992/03), o crescimento foi de 1,2% ao ano, contra 3,1% ao ano entre 1982/93. Outras atividades agrícolas, como trigo, gado de corte e mesmo outras culturas, têm crescido a taxas superiores. Comparada a Nova Zelândia, a produtividade dos fatores de produção na Austrália tem patinado nos últimos anos. Como estamos em um mercado global, isso é importante. Nossa meta é crescer 2% ao ano, mas a da NZ é crescer 4% ao ano em produtividade destes fatores.

MKP: Porque a produtividade dos fatores de produção está caindo?

CM: Uma das razões é que o nível de suplementação subiu muito nos últimos anos. Há 30 anos, gastava-se menos de 5% dos custos com alimento comprado. Hoje, estamos em mais de 35%. Apesar disso, a taxa de lotação cresceu muito pouco nesse período, ou seja, estamos suplementando mais, mas o número de vacas por área continua praticamente o mesmo, visto que o consumo de matéria seca por área está declinando. A resposta à suplementação tem sido menor do que deveria: apenas 0,7 kg de leite corrigido para gordura por kg de MS de suplemento utilizado, indicando balanceamento equivocado das dietas e efeito de substituição de forragens por concentrados. A utilização de concentrado não tem sido muito racional, visto que a utilização é praticamente a mesma ao longo do ano, apesar das diferenças de crescimento das pastagens. Outro aspecto que afeta a redução de eficiência na produção é a adoção de tecnologia sem que se faça um estudo aprofundado da viabilidade da técnica. Muitos adotam determinada prática porque o vizinho adotou. Precisamos aprender mais, e não simplesmente trocar a tecnologia. Outros aspectos que explicam essa situação são a complexidade crescente do negócio (necessidade de escala, pressões da sociedade, acesso aos recursos), o fato de termos menor número de pessoas com conhecimento de sistemas de produção e a informação fragmentada. A vantagem é que o setor leiteiro da Austrália é bem estruturado e está acostumado a mudar.

MKP: Como está a lucratividade das fazendas da Austrália?

CM: A lucratividade tem caído a ponto de, em termos médios, ter quase zerado nos últimos anos (mais precisamente - 0,7% sobre os ativos). Por outro lado, temos custos baixos se comparados com outros países do mundo. De acordo com os estudos do International Farm Comparison Group, IFCN, que compara custos de produção de leite em fazendas em várias partes do mundo, com a mesma metodologia, a Austrália está entre os países de menor custo de produção, ao lado da Nova Zelândia e países da América do Sul.


MKP: O que impacta na rentabilidade?

CM: Os custos operacionais são os principais fatores. Eles normalmente variam de 50 a 80% da receita. As fazendas que gastam 50% da receita com os custos operacionais normalmente têm resultado muito bom, mas quem gasta 80% está com problemas. A utilização eficiente dos recursos produtivos explica grande parte dessa variação e da rentabilidade. O endividamento das fazendas também tem aumentado. Não é algo necessariamente ruim, desde que os juros sejam mais baixos do que a taxa de retorno do investimento, mas se os preços caem muito e a fazenda entra em prejuízo, o pagamento dos juros passa a ser uma carga adicional. Outro ponto é que os bons produtores recebem mais pelo litro de leite, em função da qualidade em componentes e em aspectos de sanidade de úbere e microbiológicos. A diferença no preço, em um estudo que fizemos comparando os 25% de melhor rentabilidade com os demais, chegou a 14%, algo realmente significativo. Também detectamos que as fazendas que utilizam mais alimentos produzidos internamente, especialmente forragens, têm maior lucratividade. A maior produtividade por vaca, o aumento do rebanho e o maior uso de fertilizante nitrogenado também se correlacionaram positivamente com a lucratividade.

MKP: Como é a relação entre produtividade por vaca e lucratividade?

CM: É crescente, porém até a faixa de 6000 a 7000 kg/vaca/ano. A partir daí, ela cai, pois gasta-se mais com alimento do que se obtém em resultado via produção. Mas é importante considerar que temos relativamente poucos rebanhos com mais de 7000 kg por vaca/ano, o que requer cautela na interpretação.


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