Bem, ocorre que a grande maioria das pessoas segue o fluxo comum, trilhado pela massa. É o chamado comportamento de rebanho (flock behavior): uns ponteiam, outros seguem.
Investir é correr riscos e para ganhar dinheiro investindo é necessário acreditar justamente no que os outros não acreditam. A isso, basta adicionar um ingrediente: conhecimento. Sem ele é aventura e irresponsabilidade, não investimento.
Um clássico exemplo é a bolsa de valores. A vastíssima maioria das pessoas compra nas notícias. Investidores profissionais ou (a) trabalham com análise fundamentalista, baseada no estudo de índices da saúde financeira das empresas e nas perspectivas dos setores da economia a que elas pertencem; ou (b) se utilizam da análise técnica (também chamada de análise gráfica); ou (c) conhecem de outra forma as empresas, comprando no boato (quando ninguém acredita num fato e ele ainda não está na grande mídia) para vender na notícia, quando todos os idiotas úteis do mercado financeiro (conhecidos por "sardinhas") entram aos turbilhões e afoitos comprando "porque deu nas notícias" para a festa dos "tubarões", que pulam fora vendendo exatamente antes que o sobrepreço seja detectado pelos inocentes. "Comprar na baixa para vender na alta", eis o segredo da bolsa. Parece muito óbvio, mas definitivamente não é o que a maioria faz.
Figura 1. Tubarões e sardinhas do mercado marcam os tipos extremos de comportamento e estratégias de compra e venda, quando o que se busca é retorno sobre o investimento ou "não ser papado pelos mais espertos e conhecedores do pedaço" (Imagem: Alexander Safonov/PetaPixel).
E assim é a vida na Terra: quando a situação aperta, uns comem, outros viram comida.
Na cadeia produtiva do leite não é diferente
Reparem quando é que as pessoas decidem entrar na atividade ou expandir o negócio leite. É justamente quando os preços estão em alta, o otimismo predomina e a ilusão de margens grandes que virão por um tempo a perder de vista penetram na mente dos inexperientes e os transformam em afoitos compradores. Compram terra cara, tomam empréstimos sem planejamento "porque era dinheiro barato", compram novilhas caras (quase sempre sem ter produzido alimento extra para elas), constroem o que não devem e não podem para, logo à frente, serem pegos com o pincel não mão, ao desabar do andaime.
Com essa atitude, advinda de uma total falta de estratégia, de conhecimento e até de bom senso, que outro resultado poderia se esperar? "Ah, mas o que me deixou mal foi essa queda de preços". De jeito nenhum. O que deixa as pessoas mal é o que chamo de otimismo irresponsável. A síndrome do "vou fazer para não perder o momento", só que faz no momento errado, sem planejamento, sem conhecimento de como funciona o mercado, sem previsão de fluxo de caixa, torcendo para que tudo continue como está.
O ciclo do leite
Além da conhecida flutuação sazonal de preços, interna a qualquer país, tipicamente com alta no inverno e baixa no verão, temos um outro fenômeno, muito mais forte e totalmente fora do nosso controle que tem tido crescente influência em nossos preços domésticos.
Desde 2010, estão disponíveis, aqui no MilkPoint, dois artigos sobre este tema:
O ciclo de três anos dos preços das commodities lácteas, numa versão simples e resumida.
Compreendendo o ciclo do leite no mercado internacional, explicando a metodologia utilizada no estudo, seu comportamento, algumas especulações quanto à origem dos movimentos de preços e previsões.
E como andam as coisas?
O gráfico da Figura 2 foi elaborado com os últimos dados disponíveis do índice de preços ANZ (commodities lácteas na Oceania), no qual se baseia o estudo do ciclo.
A linha vermelha, tracejada, reflete as previsões. Os círculos verdes são os picos e os vermelhos são os fundos ocorridos antes de nossa descoberta do ciclo, em agosto de 2008 e os azuis e marrons, os previstos.
Clique na figura para expandi-la.
Figura 2. O ciclo de três anos dos preços das commodities lácteas descoberto por Beskow em 2008 e publicado em 2010. Atualização: 6/12/2014 (clique na imagem para expandi-la).
A existência de um ciclo de três anos parece um tanto óbvia (1986, 1989, 1992, 1995, 1998, 2001, 2004-falhou, 2007, 2010 e 2013), mas certamente ainda não é. Se fosse, produtores e empresas estariam preparados, mas ainda insistem em crer em "patamar de preços", conceito este que nosso estudo pôs literalmente abaixo.
Este foi o principal recado extraído de nossos artigos e reconhecido, na ocasião, por Kelvin Wickham (diretor do gDT), Matthew Newman (economista do DairyNZ) e por Keith Woodford (professor de agribusiness e administração rural na Lincoln University), todos da Nova Zelândia.
Figura 3. Três especialistas neozelandeses comentam o principal recado a ser extraído dos artigos de Beskow (2010): a volatilidade dos preços e a inexistência de "patamares".
Clique aqui, ou na imagem acima para ver os comentários. Notem que recém havia sido publicada a minha teoria do ciclo de três anos, talvez por isso tenham sido bastante cuidadosos nas considerações.
Os artigos originais, publicados na revista New Zealand Dairy Exporter, podem ser baixados através destes dois links (como consta na afiliação do autor, nessa época eu ainda trabalhava na CCGL TEC):
The unnoticed milk price cycle, fevereiro de 2010.
The hidden cycle - where it is heading, março de 2010.
Na interpretação do ciclo, deve-se ressaltar, primeiro, que o preço da série é o preço na Oceania. Segundo, que nosso preço doméstico é muito distorcido pelas proteções de mercado e interferências governamentais que temos. Terceiro, que há um retardo (lag) na suba dos preços lá fora e sua efetivação aqui dentro.
Pela teoria, em 30 anos de dados, com 3 anos de ciclo, seriam 10 ondas formadas até o presente momento. Na Figura 2 pode-se contar 9, ou seja, até aqui, temos 90% de confiabilidade. O futuro sempre carrega incertezas, mas no segundo artigo (tanto do MilkPoint como da Dairy Exporter) demonstro cientificamente que este ciclo é mais previsível que o fenômeno El Niño. Não estaria na hora de começarmos a explorar e utilizar este ciclo um pouco mais?
Perspectivas para a produção de leite em nosso ambiente
O mercado internacional do leite encontra-se numa fase de baixa, para a qual você já poderia ter se programado desde a publicação destes artigos, em 2010, não é mesmo? Mas, é hora de olharmos para a frente.
Vê-se que os preços internacionais, pelo comportamento cíclico, ainda poderão cair mais um pouco até voltarem a se recuperar. O normal seria caírem até abril de 2015, repicarem em maio, regredirem novamente em junho, para daí seguirem firmes para o alto. Este é o W verificado nos fundos típicos da série (p.ex. 1988, 91 e 94), mas que tem se apresentado menos tipicamente na última década (embora nos artigos mostramos que eles estão lá, debaixo das aparências). Note que a supressão da crista de 2004 (com ! no gráfico) também é explicada nos artigos.
Ao invés dessa baixa que vivemos agora (sazonalidade + influência do ciclo internacional) significar angústia e pessimismo, para os experientes, capitalizados e que possuem um sistema de baixo custo por litro, este é um período de oportunidades. Assim que os menos preparados começarem a achar que leite não é mais um bom negócio, preços de novilhas, de máquinas e equipamentos (sobretudo usados) tenderão a cair. Ao perceber isso, não tenha pressa. Pelo ciclo internacional, o melhor momento para tais investimentos deverá ser o período que vai de março a junho de 2015, podendo se estender até setembro (veremos). A recuperação de preços domésticos que por ventura se observe nesse período não será ainda suficiente para reanimar os amadores e entusiastas sem rumo. Estes, os "sardinhas", só deverão se animar a partir do segundo trimestre de 2016.
Mas e como faço se não estou capitalizado?
Bem, não foi por falta de aviso. Quem entendeu os referidos artigos de 2010, ajustou seu sistema para alta produtividade, com baixo custo por litro (como pregamos no SIPS - Sistema Intensivo a Pasto com Suplementação, por exemplo), não caiu no canto da sereia do "Endividamento descontrolado: a intensificação do capital sem gerenciamento" e soube poupar, esse está capitalizado. Mas quantos se encaixam nesse grupo? Se é seu caso, você faz parte de um grupo raro de cerca de 1 em 1000! O único tipo de produtor que estará tirando leite daqui 10 anos.
O segredo da dieta é não precisar de dieta
O dia que mudamos nosso hábito alimentar e passamos a comer demais ou a ingerir muita energia, definimos um novo padrão para nosso organismo e ele não aceitará voltar atrás. Façamos a dieta que for, até mesmo cirurgia, ele estará codificado a ingerir o novo padrão. Aquele é o novo normal dele para sempre.
Com a renda do leite é a mesma coisa. Se ao invés de pouparmos uma parte importante do dinheiro extra que surge nos períodos de bonança (ciclos de alta) o incorporarmos ao nosso padrão de vida ou aos custos de produção, quando o preço do leite cair (e bote na sua cabeça que ele cai) não será mais possível viver e produzir como antes. É tarde demais.
O segredo é encarar dinheiro extra como silagem: guarde-o, pois é absolutamente certo que irá precisar. Pelo ciclo, tipicamente dentro de um ano e meio após o período de bonança.
O que fazer agora?
1. Evite a tendência equivocada de cortar ração (concentrado). Nunca tivemos um momento se quer em que não valesse a pena transformar ração em leite. Tivemos perto em 2008, mas não chegou a acontecer. Cada kg de ração se transforma em 1,5 a 2,0 litros (L) de leite, dependendo da qualidade do volumoso.
2. Aproveite ao máximo este período de crescimento dos pastos para converter pasto em leite. Vacas pastando dia e noite, ingerindo pura lâmina foliar verde e suplementadas com uma boa ração vão lhe permitir alta produção com baixo custo. Para isso é necessário conhecimento. Vaca passando fome só lhe trará mais prejuízos.
3. Esteja preparado para fazer mais você mesmo. A mão-de-obra tenderá a pesar mais nesse período.
4. Suspenda gastos em luxos, o que é bonito fazer, confortável ou agradável. Não é momento. Isso pode esperar.
5. Fuja do pagamento de juros, sobretudo de cartão e cheque especial. Tente renegociar e, se necessário, venda algo para estancar a sangria, imediatamente!
6. Pegue parte do dinheiro acima (1, 2, 3, 4 e 5 gerarão mais recursos) e compre adubo (incluindo ureia) e mais ração. Note que 1 kg de nitrogênio (N) produz 10-20 kg matéria seca (MS) de pasto e 1 kg MS de pasto de qualidade produz de 0,7-1,0 L de leite do tipo da Holandês e da Girolando (para Jersey considere 70% deste volume). Considerando que a ureia tem 45-46% de N, faça as contas! Isso para quem souber manejar vaca sobre pasto, eficientemente, pois ela tem que colher esse extra a ser produzido.
Figura 4. A produção e a colheita eficiente do pasto pela vaca, mantido com qualidade e produtivo através do manejo adequado do pastoreio é o segredo para a produção de muito leite com baixo custo por litro, em qualquer época do ciclo do leite.
Cenário geral
Em 2015 o Brasil enfrentará turbulências, mas sobreviveremos, especialmente os prudentes e os menos orgulhosos (capazes de mudar rápido). O mercado nacional e internacional deverão entrar numa melhor fase a partir do segundo semestre de 2015, embora festa no nosso setor só para 2016 (Figura 2). O preço do barril de petróleo é um ótimo balisador. Monitore os preços abaixo: US$100/barril é o nosso alvo.
Figura 5. Comportamento do preço do petróleo nos últimos 10 anos em US$/barril de óleo cru (clique no gráfico e salve o endereço para futuras consultas).
Assim como a soja deixou de tolerar amadores há um bom tempo, o leite agora exige o mesmo profissionalismo, mas com muito mais conhecimento. Um sistema enxuto, eficiente, altamente produtivo, com baixos custos e pouca mão-de-obra por litro produzido com alguma flexibilidade é a fórmula para se cruzar as ondas de baixa com a cabeça fora d'água e surfar nas ondas de alta.
Chegaremos lá, cada um de nós fazendo sua parte.
Wagner Beskow
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