O Dr. Eliseu Alves, ex-presidente da Embrapa, já entrou para a história do Brasil. Ele transformou a sua, a minha e a vida de todos os brasileiros, quando ousou sonhar que seria possível um país subdesenvolvido gerar tecnologia própria para a produção de alimentos na região tropical. Um dia eu conto esta bela história. Nossa prosa hoje é outra. Em julho deste ano ele esteve na reunião anual da SOBER, uma sociedade científica que congrega pesquisadores brasileiros que se dedicam à economia e à sociologia rural. Lá, ele apresentou alguns dados sobre a mudança do perfil do produtor agrícola brasileiro. Vou apresentar os dados relacionados ao leite para que possamos analisá-los.
Veja a tabela 1. Perceba que o Brasil tinha 1 milhão, oitocentos e dez mil produtores de leite em 1996. Dez anos depois, entre os novos entrantes e os que saíram, havia 470 mil propriedades a menos produzindo leite. Em dez anos, portanto, a cada quatro produtores um deixou de produzir leite. Este fenômeno ocorreu em todas as regiões do Brasil, em proporções distintas. E foi na Região Sul que houve a maior redução de propriedades. Foram 194 mil. Na Região Nordeste a perda foi de 132 mil propriedades, o que equivale a dez vezes o número total de produtores argentinos. É muito, não? A Tabela 1 ainda demonstra que foi na Região Centro-Oeste que ocorreu a menor perda relativa. Lá, um em cada seis produtores deixou a atividade. Confesso que esperava uma redução menor ou até mesmo um crescimento do número de propriedades leiteiras na Região Norte, hipótese que os dados não confirmaram.
Tabela 1. Número de Produtores de Leite por Região. Brasil. 1995/96 e 2005/06.
A estratificação dos dados permite verificar em que faixa de produção ocorreu a maior perda de produtores. A tabela 2 traz informações muito interessantes neste sentido. Perceba a desproporção entre produtores e produção. Veja que, em 1996, 87,6% das propriedades produziram até 50 litros por dia e foram responsáveis por 36,1% da produção. Em grandes números, quase nove produtores em dez produziram pouco mais de um terço da produção brasileira de leite. Este quadro mudou um pouco em dez anos. Em 2006, quatro em cada cinco propriedades mantiveram-se na faixa até 50 litros/dia e produziram um em cada quatro litros. Portanto, houve uma redução do número relativo de produtores nesta faixa e uma redução mais que proporcional da produção oriunda de propriedades que produzem até 50 litros/dia.
NA faixa dos que produziram entre 51 a 200 litros cresceu o número de produtores, em termos relativos. Em 1996 eram 10,5% e, dez anos depois, eles eram 18,6% do total de produtores. A participação desta faixa também cresceu substancialmente em termos de produção total. Em 1996, respondiam por 35,9% da produção e, dez anos depois, este percentual atingiu a 53,2%. Já na faixa acima de 200 litros/dia, entre 1996 e 2006 o percentual de produtores caiu à metade, caindo também a participação desta faixa no cômputo da produção total, fazendo com que 1% dos produtores ficassem responsáveis por 20% de toda produção.
Tabela 2. Produtores de Leite por Estrato de produção. Brasil. 1995/96 e 2005/06
O Brasil produziu 18,52 bilhões de litros de leite em 1996 e 24,62 bilhões me 2006. Portanto, em dez anos aumentamos a produção em 32,9%, mesmo com 26% de propriedades leiteiras à menos, o que sinaliza melhoria de índices de produtividade. A faixa de produção de leite até 50 litros/dia foi reduzida em pouco mais de meio milhão de produtores (503 mil), o que é uma brutal redução. É claro que parte destes produtores aumentou a produção e, em dez anos, trocaram de estrato. Mas, o fato é que a maior parte dos 500 mil realmente saiu da atividade.
Já na faixa de 51 a 200 litros/dia o número de produtores aumentou em 61 mil em dez anos e a produção cresceu 6,45 bilhões de litros. Para se ter uma noção da magnitude dos números, a produção advinda desta faixa ou estrato dobrou em dez anos, embora o percentual de produtores tenha crescido 32,1%. Portanto, acresceram à produção anual brasileira o equivalente à produção do Uruguai em 4 anos! Já o estrato de produção superior a 200 litros registrou queda de 34 mil para 14 mil produtores em dez anos. Em termos diários, a produção do grupo caiu somente 261,6 milhões de litros, o que corresponde a cerca de 717 mil litros de leite/dia. Somado aos 307 mil litros/dia que o pessoal que produz até 50 litros dia reduziu em termos de produção, os menores e maiores estratos reduziram a oferta em cerca de 1milhão, cento e oitenta mil litros/dia em 2006, comparado com 1996. Mas, a turma que produz entre 51 e 200 litros/dia mais do que compensou esta perda, pois este extrato aumentou a oferta em 17 milhões, 670 mil litros/dia.
Bem, o que fizemos até agora foi apresentar os dados do Censo. Agora, é preciso analisá-los. Mas, meu espaço acabou. Então, deixo para você esta tarefa. Mas, prometo voltar rápido. Dessa vez, postarei um novo artigo no início da segunda quinzena. Daqui a três semanas nos reencontramos aqui, partindo deste ponto, para começarmos a análise. Até lá, reflita sobre esses números.