Prof. Titular Bovinocultura de Leite
Diretor da Clínica do Leite
ESALQ/USP
“Eu treino as pessoas em minha fazenda. Trato-as bem e, quando elas estão boas, saem para trabalhar em outro negócio, muitas vezes para ganhar até menos do que ganhavam em minha fazenda”. Tenho escutado este tipo de comentário com frequência. Será que a pecuária de leite é que é o problema?
Muitas vezes racionalizamos sobre esta questão de mão de obra e atribuímos as causas do problema à trabalho muito árduo, longas horas diárias, ambiente sujo, distância das cidades, baixo salário, entre outras. Isto tudo é verdade, mas será que em outras atividades não se observa o mesmo problema? Será que pessoas vivendo nos suburbios de grandes cidades vivem melhor do que aqueles nas fazendas? Bem, e mesmo que estes pontos sejam a causa do problema, será que não há solução? Será que a pecuária de leite está fadada a acabar por falta de mão de obra?
Em outros paízes tem sido procurado alternativas como por exemplo a ordenha robotizada (que já aportou no Brasil), os limpadores de piso automáticos, dentre outras aparelhagens. Nestes paízes, no entanto, não houve redução do número de pessoas nas fazendas mas sim a liberação dos proprietários, que ordenhavam as vacas, para atividades mais intelectuais como o gerenciamento do negócio, mesmo porque os robos precisam ser limpados manualmente 3 vezes ao dia, as vacas precisam ser checadas, etc.
É preciso enfatizar que todo e qualquer negócio precisa de pessoas. Apesar da evolução das instalações e dos equipamentos nas fazendas produtoras de leite, cada vez mais as pessoas é que farão a diferença nos resultados do negócio. É preciso atrair e reter bons funcionários para que o negócio tenha sucesso.
Nesta área (gestão de pessoas) muito ainda temos que melhorar, desde a forma legal de contratação até a questão de relacionamento, comunicação, definição de responsabilidades, dentre outras.
No Sistema MDA da Clínica do Leite da ESALQ/USP adotamos 5 princípios gerenciais que garantem o sucesso do negócio. São eles:
1 - Princípio da objetividade: é a definição clara e escrita da missão, visão, valores e metas do negócio
2 - Princípio da coordenação: consiste no estabelecimento dos procedimentos operacionais das rotinas, integrando o sistema de produção (estratégia) com os recursos disponíveis e fazendo com que todos entendam o papel e função de cada unidade operacional
3 - Princípio da autoridade e responsabilidade: quando um indivíduo recebe uma tarefa deve, também, receber a autoridade para cumpri-la
4 - Princípio da unidade de comando: onde cada empregado deve responder para somente uma pessoa
5 - Princípio da delegação: é o processo de definir responsabilidades e conferir autoridade para que as atividades sejam cumpridas
Neste artigo vou discutir a questão de definição de autoridade e responsabilidades entre os interessados internos do negócio.
Os interessados internos do negócio de produção de leite são o produtor, o gerente, os supervisores, os operadores e os consultores. Em fazendas pequenas não teremos todas estas funções atribuídas a pessoas diferentes, mas sim, pessoas acumulando várias funções. Por exemplo, é comum o proprietário, que exerce a função de diretor, também exercer a função de gerente e de supervisor, quando não, a de operador também. Nas propriedades familiares é assim que acontece.
Bem, voltando às responsabilidades, o proprietário (diretor) tem como principal responsabilidade garantir a sobrevivência do negócio. Ele deve executar tarefas que façam com que o negócio tenha sucesso. Para tanto deve conhecer a situação do seu negócio quanto à áreas de oportunidade ou de baixa eficiência, o que seu cliente (indústria para quem vende o leite) demanda, as condições do mercado onde está inserido, incluindo como ele se compara com os demais fornecedores de sua indústria com relação às demandas da indústria e quanto ao seu custo de produção. Ele precisa saber como ele está ranqueado dentre os fornecedores de sua indústria para que, em situação de excesso de fornecimento de leite saiba se corre risco de perder seu mercado. A partir de todas estas informações o produtor/diretor poderá fazer uma previsão do que ele deve fazer para garantir seu negócio. Esta previsão deve contemplar pelo menos 05 anos à frente e deve ser atualizada anualmente. A partir desta previsão, que chamamos de planejamento estratégico, é possível determinar o que se deve fazer no momento, como, por exemplo, comprar vacas, concretar o piso das vacas, construir um free stall, etc. Também, a partir do planejamento estratégico podemos definir quais serão os padrões de trabalho a serem executados para se atingir as metas previstas. O proprietário deve comunicar tudo isto que ele desenvolveu para seus subordinados. Deve acompanhar os resultados do negócio através da avaliação dos indicadores mensais de resultados e aprovar e ajudar o gerente na elaboração dos FCAs (Fato/Causa/Ação) quando frente a resultados indesejados dos processos e, também, na elaboração dos Planos de Ação quando frente a resultados indesejados do negócio.
O gerente, por sua vez, deve receber/participar do planejamento estratégico e, juntamente com o consultor, determinar quais devem ser os procedimentos operacionais para as diferentes tarefas de maneira a atingir as metas estabelecidas no planejamento. Ele deve dominar estas técnicas para que ele possa treinar os supervisores e estes os operadores. O gerente é, então, o responsável pelo atingimento das metas. Ele deve ter autoridade para implementar toda a infraestrutura necessária para o atingimento das metas como, por exemplo, a contratação e demissão de pessoas, a compra de insumos, a preparação das instalações e equipamentos. No caso dos investimentos, estes devem ser aprovados pelo diretor (proprietário). Ele deve, também, acompanhar os trabalhos identificando o moral dos funcionários, avaliando os indicadores de verificação, as anomalias crônicas e identificando as causas raízes das mesmas, elaborando planos para sua correção definitiva, os FCAs. Deve, também, realizar as monitorias de procedimentos operacionais, juntamente com os supervisores, procurando verificar se os padrões estão sendo cumpridos pelos operadores.
Os supervisores devem receber/participar da elaboração dos procedimentos operacionais e serem capacitados a treinar os operadores nos mesmos. Devem garantir que os operadores tenham as condições para a execução das tarefas, identificando aqueles que não possuem as habilidades e as atitudes necessárias para o trabalho. Devem identificar o moral de cada funcionário sob sua responsabilidade e atuar imediatamente para que os problemas de relacionamentos não se agravem. Deve corrigir toda anomalia que afete o andamento do trabalho (por exemplo ordenhar e tratar uma vaca identificada com mastite pelo ordenhador). Com isso, sua principal responsabilidade é a de garantir que o trabalho seja executado como combinado e, para tanto, deve ter a autoridade para requisitar e dispor de todo o material necessário para a execução das tarefas, além de escolher com quem quer trabalhar. Deve, também, coletar os dados relacionados com as atividades de seus operadores como, no caso do setor de ordenha, as vacas que aparecem com mastite, o tipo de tratamento, o tempo de carência, a liberação do leite, a sujidade das vacas, a eficácia do dipping, a limpeza de filtros, etc.
Já os operadores tem a responsabilidade de executar as tarefas como definido nos procedimentos operacionais. Devem também identificar qualquer anomalia no trabalho. Para tanto devem ser treinados pelos supervisores em como realizar o trabalho, e, o que é anormal. Isto não é tarefa fácil. Uma vaca que apareça com mastite é uma anomalia? Uma vaca suja é uma anomalia? Uma vaca com placenta retida é uma anomalia? A falta de energia elétrica é uma anomalia? Vacas chegando sujas para a ordenha é uma anomalia? O gerente e seu consultor devem determinar para cada fazenda o ponto de corte do que é anomalia. Em determinada fazenda, onde o grau de conformidade das tarefas é bastante elevado, todas estas ocorrências mencionadas devem ser consideradas como anomalias. Numa fazenda no estágio inicial de implantação de um programa gerencial, no entanto, somente serão consideradas como anomalias as ocorrência maiores, como a falta de energia elétrica, por exemplo.
Por fim, os consultores. Eles tem a responsabilidade de alertar e oferecer informações corretas e adequadas que ajudem o negócio do produtor a ter sucesso. Muitas vezes o produtor, o gerente e o supervisor não possuem conhecimento ou tempo para executar as tarefas necessárias para que eles cumpram suas responsabilidades e pedem ajuda ao consultor. Assim ele passa a executar tarefas relacionadas ao planejamento estratégico, redação dos procedimentos operacionais, treinamento dos gerentes, supervisores e operadores e identificação de problemas, suas causas raízes e as ações para sua correção (eles realizam os FCAs). Em muitos casos os consultores executam tarefas operacionais por não existir na fazenda ninguém capacitado para executá-las como, por exemplo a regulagem de equipamentos, palpação de vacas, etc. O consultor não tem responsabilidade pelos resultados do negócio. Assim, se o negócio tiver resultado negativo, em qualquer que seja a perspectiva analisada, não é “culpa” do consultor e sim do proprietário e do seu gerente. O consultor tem a responsabilidade de oferecer recomendações corretas e a sua implementação é de responsabilidade do produtor e do gerente da propriedade.
Pelo texto acima observa-se que temos um grande caminho a percorrer em nossas fazendas no que diz respeito à organização das pessoas. Quantas de nossas fazendas possuem pessoal qualificado para executar todas as tarefas mencionadas e com isso assumir as responsabilidades inerentes às diferentes funções?
Isto tudo mostra que temos de repensar o negócio de produção de leite. Será que as pessoas que estamos contratando possuem a habilidade e a atitude corretas para os trabalhos mencionados? Será que as pessoas com as habilidades e atitudes corretas gostariam de trabalhar em uma fazenda produtora de leite?