Eu suponho que pelo menos a metade do público que frequenta o portal MilkPoint seja integrante da Geração Y. Isso significa que há um imenso contingente de pessoas que imagina que sabe o que seja inflação, mas, na verdade, não sabe do que se trata. É como homem tentando entender o que é estar grávido. Tem coisas que somente quando se experimenta é que é possível saber a respeito. Quem tem 30 anos hoje, tinha apenas 9 anos no mês de fevereiro de 1990, quando a inflação mensal chegou a 83%. Em março, a inflação foi de 3% ao dia! Por mais que alguém dessa idade ou menos se esforce para entrar no clima, não sabe o que é viver num país em que ninguém deseja ter moeda. Tão logo se recebia um pagamento, era necessário trocá-lo por produtos, papéis (títulos do governo e dólar) ou bens. Viver num país assim é viver sem pensar e acreditar no futuro.
Vamos ilustrar um pouco esta história. Veja uma propaganda de supermercado em 1993 e saiba quanto custava um litro de leite em promoção clicando aqui. Perceba no canto direito do vídeo que o anunciante avisou a data de validade dos preços, que eram mais perecíveis que os produtos anunciados. Agora, se você clicar aqui verá que quem ganhou a Tele Sena de São João em 1992 ficou milionário. Mas, bom mesmo deve ter sido ganhar a Tele Sena do dia das mães, do ano seguinte, pois o prêmio foi de 1,25 bilhões de... em que moeda? Ah! Não importa. O que importa é que o vídeo demonstra que a Hebe não envelheceu nestes 18 anos, não é mesmo? Que gracinha! Veja que incrível clicando aqui. Enquanto você não adquire o livro da Miriam, veja quantas moedas tivemos em tão pouco tempo, clicando aqui. Você vai descobrir que em 1993 o Brasil emitiu uma moeda no valor de 500 mil cruzeiros! Nessa nota, resolveram homenagear o escritor Mário de Andrade. Homenagem pior do que essa, só mesmo sendo nome de presídio...
O fato é que o fim da hiperinflação é uma conquista da sociedade brasileira, pois desde 1986 as urnas insistem em dizer não à inflação, ao contrário do que ocorre na Argentina, onde se vota em soluções populistas para resolver problema econômico. Naquele ano de 1986 o presidente Sarney elegeu todos os governadores do seu partido menos um, depois de decretar o fatídico Plano Cruzado. Mas, foi bom. Com ele aprendemos que congelamento de preços e calote de dívida não são um caminho viável. Esses discursos, que tinham tanto apelo popular naquela época, viraram pó.
Em 1990, Collor se elegeu combatendo a inflação. Dizia que tinha uma bala na agulha para acabar com ela. Com ele aprendemos que confisco também não resolve. Retirar dinheiro do mercado por decreto gera é revolta. Para combater a inflação, temos que respeitar as instituições e fazer o dever de casa, que é equilibrar o orçamento público. Isso gera desconforto momentâneo, mas a população disse pelas urnas que estava disposta a pagar o preço.
Em 1994, FHC foi eleito meses depois de ter implantado o Plano Cruzado, cuja moeda circulava com a sua assinatura, na condição de Ministro da Fazenda. Em 1998, ele foi reeleito com o discurso de que sem ele a inflação voltaria. Em 2002, Lula foi eleito depois de convencer a sociedade que defenderia a moeda e ainda faria política distributiva. Em 2006, o discurso foi o mesmo e foi reeleito. Em 2010, a eleição foi morna exatamente devido ao fato da população acreditar que no quesito compromisso em combater a inflação os dois principais adversários eram parecidos. Portanto, desde 1986, quando tivemos a primeira eleição para cargos majoritários após o regime ditatorial, o brasileiro vem votando contra a inflação e, com um importante detalhe: ele aprendeu a qualificar os discursos. Candidato que blefa nesse quesito não se elege!
Voltemos aos dias atuais. Todos estamos preocupados com a inflação brasileira. Medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo - IPCA, ela já chegou a 6,5% em doze meses. Nesse ambiente que começa a ficar tenso surgimos nós, os economistas, chamados a explicar o que está acontecendo e prever o que vai acontecer. Pois nós erramos menos quando prevemos o passado. Para prever o futuro, não somos bons. Os modelos de previsão disponíveis para eventos econômicos levam em consideração o passado para prever o futuro e a previsão somente se confirma quando nada de anormal acontece. Então, acertar o que vai acontecer quando tudo segue uma certa tendência, é de pouca valia. Por isso, entendo que previsão boa quanto ao comportamento de mercado somente se consegue via bolsa de futuros, pois ali estão agentes que fazem os preços, e também especuladores, que sentem no ar, com muita antecedência, o que está para acontecer. Mas, isto é conversa para outro dia.
Não existe um diagnóstico de consenso sobre a inflação presente. A maioria dos economistas, em linhas gerais, elegeu como o principal motivo para a recente escalada de preços o aumento dos gastos de custeio da máquina pública, que vem crescendo mais que o PIB. Eu sou do grupo que dá mais peso ao choque de preços vindo das commodities. Não compartilho da idéia que a equipe atual flexibilizou a defesa da moeda. Ainda é cedo para afirmações como essa. De concreto, mesmo, o que temos é a imensa elevação de preços do alimento em todo o mundo. Como o Brasil é exportador, é claro que os preços internos têm de subir.
Vejamos o comportamento do preço do leite nos últimos meses. Todos se lembram que os preços do mercado internacional despencaram com a crise financeira que teve origem nos Estados Unidos, no segundo semestre. O gráfico a seguir reproduz o comportamento do preço do leite em pó nos mercados da União Europeia e Oceania, a partir de janeiro de 2009. Naquele mês esta commodity foi comercializada por US$ 2.406,00 e US$ 1900,00 respectivamente naqueles mercados. No mês seguinte o preço caiu ainda mais. Na Europa o preço foi para US$ 2.169,00 a tonelada e na Oceania foi para US$ 1.850,00. Mas, a partir daí os preços foram se recuperando e chegamos aos preços de US$ 4.604,00 e US$ 4.300,00, na Europa e Oceania, respectivamente, um aumento de 91% e 126% em 28 meses, praticamente recuperando os patamares anteriores à crise e mantendo uma posição superior a todas as previsões feitas internas e internacionalmente. Pena que nosso câmbio não permita usufruir desse momento...
No mercado brasileiro, autoridades e população começam a dar sinais de cansaço com o preço do leite no varejo. Será que o leite realmente está fazendo a vida do brasileiro ficar mais cara que outros setores da economia? Em busca desta resposta eu resolvi trabalhar com os dados do IPCA e descobri pérolas, como o fato do automóvel novo em abril deste ano ter sido comercializado 2% mais barato que em janeiro de 2009, enquanto o custo de vida subiu 13,5% em igual período. Aí dá para entender porque as vendas de automóveis no Brasil cresceram 9% ao ano nos últimos cinco anos. Não foi somente o aumento da massa salarial.
Mas, perceba pelo gráfico a seguir que a variação do preço dos alimentos, medido por Refeição Fora de Casa, cresceu vertiginosamente. Em 28 meses, cresceu 21,6%, contra 13,5% do IPCA. Isso corresponde a um comportamento de preços 60% acima da inflação no período. Um dos itens que realmente impactou a inflação foi a carne vermelha. O filé mignon, por exemplo apresentou uma variação de preços que foi o dobro da inflação. Também gastos com a educação e aluguel residencial pesaram no bolso do brasileiro e puxaram a inflação para cima. Aluguel, por exemplo, subiu 80% acima da inflação em 28 meses.
Já o grupo de produtos lácteos...Bem, veja como nossos produtos tiveram um comportamento volátil de preços. Entre janeiro e julho de 2009 os preços subiram 18,5%, enquanto o IPCA se elevou somente 2,3%. Mas, os preços não se sustentaram mais que um mês e, como numa montanha russa, começaram a despencar, chegando a ser vendido ao consumidor em dezembro daquele ano a preços inferiores aos de janeiro, ante uma inflação de 3,8%. É claro que ninguém viu o William Bonner ou a Fátima Bernardes noticiar que o salário mínimo comprava em dezembro de 2009 mais produtos lácteos que em janeiro daquele mesmo ano. Isso não é notícia...
Em 2010 a gangorra continuou. Em maio os lácteos foram vendidos ao consumidor a um preço 12,5% acima dos preços praticados em janeiro de 2009, ante a uma inflação de 7,0%. Os preços voltaram a cair e, a partir de agosto daquele ano até os dias atuais estão tendo um comportamento de preços similar à média dos preços da economia, já que o IPCA é uma média. Portanto, um comportamento neutro, sem impactar positiva ou negativamente a inflação.
Quando se analisam os produtos isoladamente percebe-se que o leite em pó não teve a mesma valorização ocorrida no mercado internacional, mas também não caiu abaixo da inflação. Perceba que é como se a sua curva de preços surfasse sobre a inflação. Já o leite condensado contribuiu no combate à inflação até agosto de 2009. A partir daí vem subindo mais que a inflação, ainda que em patamares reduzidos. Leite em Pó e Condensado acumularam, respectivamente, uma elevação de preços de 15,6 e 15,7% para uma inflação de 13,5% no período. Já o leite Longa Vida foi extremamente volátil. Em julho de 2009 o consumidor pagou 33,2% a mais pelo produto, enquanto a inflação era de 2,3%. Mas aí os preços despencaram e o consumidor tomou leite em dezembro de 2009 pagando 4% a menos que em janeiro daquele ano, diante de uma inflação de 3,8%. Em junho ele já estava 18,6% mais caro que em janeiro do ano anterior, base de nossa pesquisa, contra uma inflação de 7%. De lá pra cá caiu, mas tem se mantido acima da inflação, impactando-a positivamente. Em abril o preço do Longa Vida no varejo atingiu patamares muito próximos a maio do ano passado, ou elevação de preços em 18,4%, enquanto que o IPCA bateu em 13,5%.
No gráfico a seguir perceba o comportamento de preços de três outros produtos lácteos. O Creme bateu o recorde. Foi o produto com maior elevação de preços no varejo, entre aqueles coletados pelo IBGE. Em 28 meses acumulou elevação de 26,7% ou o dobro da inflação. O preço do queijo tentou acompanhar a inflação e ficou ziguezagueando em torno da variação do IPCA, ora ganhando, ora perdendo. Mas, a partir de setembro de 2010 seus preços perdem continuamente da inflação. Como todo mundo está falando em fazer queijo, será que já começamos a destruir valor nesse produto, como fizemos com o leite condensado e com o iogurte? Por sinal, veja o gráfico desta commodity, um dos símbolos do Plano Real, lembra? Pois o iogurte acumulou um aumento de 1,9% em 28 meses, diante de uma inflação de 13,5%. A nova classe média deve estar se esbaldando de comer iogurte, não? Enquanto a massa salarial teve aumento real neste período, os preços estão empacados. E olha que já foi pior. Até abriu de 2010 os preços eram menores que os praticados em janeiro de 2009.
Há ainda três produtos a considerar. Veja que o preço do Leite com Sabor se manteve acima da inflação até setembro do ano passado. A partir daí despencou e vem dando uma respeitável contribuição para o controle inflacionário. Comportamentos desfavoráveis sob a ótica de quem vende tiveram também a manteiga e o fermentado.
Estes gráficos permitem algumas afirmações, mas eu vou deixar para o próximo artigo. Pois aqui analisei o Leite na Inflação. No próximo, pretendo analisar a Inflação no Leite. Aqui, vimos o que aconteceu no varejo. No próximo artigo, vamos analisar o que aconteceu na outra ponta, com o produtor. Enquanto isso, vá tirando suas conclusões, mas não deixe de ler o livro da Miriam Leitão. Eu não estou ganhando nada fazendo propaganda. Nem a conheço. Mas, é que eu fiquei com uma baita de uma inveja dela, pelo livro que ela escreveu. Eu queria ter escrito um daquele tipo. E quando eu tenho inveja, em vez de difamar, o que eu faço é proclamar!