Na semana passada visitei a região da Bretanha, noroeste da França, a convite do Grupo Salus-Avril, com a ótima companhia do Wilson Marchesin, Comigo - GO, do Prof. Mikael Neumann, do PR e do empreendedor gaúcho Sidmar Paludo, além da equipe da Salus/Avril, Laís Simonetti, Ronnie Dari e Justine Laisement, a quem agradeço pela oportunidade do aprendizado.
Turma que participou da visita a região da Bretanha, noroeste da França, a convite do Grupo Salus-Avril
Produção leiteira na França
Alguns dados da produção leiteira na França
Os franceses têm limites de 50 mil UFC para CBT (Contagem Bacteriana Total) e 250 mil de CCS (Contagem de Células Somáticas) impostos pelos compradores de leite, ainda que a legislação coloque oficialmente limites de 100 mil e 400 mil, respectivamente.
A maioria das fazendas que visitamos operava com células entre 150 e 200 mil e CBT entre 5 e 20 mil UFC, gordura entre 3,8 e 4,4% e proteína entre 3,3 e 3,6%. A base dos preços de leite estava em E$ 0,34, porém com gordura, proteína e CCS os valores chegam a E$ 0,38; sem OGM (organismos geneticamente modificados) entre E$ 0,40 e 0,45 e orgânicos entre E$ 0,46 e 0,50.
Após o fim das cotas em 2015, houve crescimento da produção e achatamento dos preços causando uma crise mais ou menos perene até 2018. Hoje existem contratos de volume definido entre produtor e indústria, de forma que não é possível crescer sem aval do comprador. A situação é muito parecida com o regime de cotas e o tipo de produção (sem OGM, pastagens etc) é mais uma demanda da indústria compradora do que uma opção do produtor.
Não existem grandes produtores de leite no país, a média fica entre 70 e 120 vacas; a maior fazenda da França tem 800 vacas em lactação, mas sofre pressão constante da mídia e ativistas. Ao contrário da Itália e Holanda, o consumidor francês decidiu que fazendas grandes são uma “coisa ruim” e elas parecem não prosperar. Por outro lado, esse mesmo consumidor quer alimentos não transgênicos, preferencialmente orgânicos e com informações sobre a origem dos produtos e o bem-estar animal descrito nos rótulos.
É comum ver as produções locais ligadas a uma determinada certificação de galinhas soltas, porcos orgânicos, leite a pasto sem OGM ou orgânico ou, ainda, com selo de preservação da natureza. Eles realmente aprenderam a lição de casa e sabem se comunicar com o consumidor.
Criação de galinhas soltas na França e produto final
Visitamos fazendas operando em pastagens de azevém inglês e trevo branco, produzindo entre 25 e 29 litros com menos de 1 kg de concentrado, mas a maioria está confinada em free stall com cama de borracha e serragem, silagem de milho e pré-secado de azevém italiano. As dietas têm alto % de forragens e o concentrado limita-se a 5 a 8 kg para uma produção entre 30 e 35 litros, 70% deste fornecido no robô de ordenha voluntária.
O robô de ordenha tem crescido bastante e já ultrapassa as 6 mil unidades no país. A mão de obra na França é complicadíssima porque não existe a possibilidade de demissão do funcionário, de forma que ninguém se arrisca a contratar. Todas as fazendas são operadas pelos proprietários e parentes.
Visitamos a fazenda de pesquisa da Avril com um moderno sistema de alimentação TMR e cochos individuais com medição de consumo por balança e liberação do acesso por chip. Também fomos a fazendas de corte, com confinamento utilizando silagem de milho e alfafa como dieta, alimentando os animais diretamente no silo confeccionado por camadas de alfafa e milho na ensilagem, de forma que a mistura “free choice” esteja grosseiramente balanceada em proteína e energia.
Confinamento de gado de corte
Os animais abatidos pesavam entre 450 e 550 kg de carcaça (sim, 30@) entre 30 e 34 meses de idade, com ótimo acabamento e rendimento. O valor da arroba estava em torno de R$ 260,00 naquele dia.
Há um consenso de que metade dos produtores de leite franceses deve desaparecer nos próximos 10 anos. A França cada vez mais é exportadora de alimentos de nicho, com alta qualidade e uma diferente gama de especialidades.
O próprio consumidor francês quer esses diferenciais nos alimentos, mas não está disposto a pagar mais caro por eles. Dessa forma, a maioria dos produtos especiais franceses é consumida nos finais de semana e eventos em família. Durante a rotina da semana o grande consumo é mesmo de commodities, como leite UHT escandinavo ou holandês.
Obviamente a grande especialidade francesa são os queijos e, curiosamente, estes não têm grandes apelos de bem-estar, não OGM ou orgânicos como no caso do leite fluido. Aparentemente apenas a denominação de origem e a qualidade dos produtos já satisfazem o consumidor francês.
A zona rural francesa esta cada vez mais integrada ao turismo e esse parece ser o maior interesse dos que permanecem na atividade. Dessa forma, há uma espécie de integração entre a produção, o ativismo, a demanda dos consumidores e o turismo. É uma forma inteligente de resolver essa difícil equação entre campo-cidade e tornou-se um jogo de ganha-ganha para todos.