*Por Débora Pereira, do blog Só Queijo, para o Paladar do Estadão
O Salão do Queijo de Paris teve, pela primeira vez em sua 16ª edição, uma degustação de queijos brasileiros organizada pela SerTãoBras oficialmente constando em seu programa. Embora nossos queijos artesanais não possam ainda ser comercializados além das fronteiras de seus estados de origem, e muito menos sair do país, o objetivo da degustação foi mostrar o que existe de bom no Brasil.
À direita queijo Serra do Mocambo servido com goiabada de Ponte Nova, ao centro Azul do Bosque e Serra do Lopo (Capril do Bosque, Joanópolis – SP); à direita Queijo Arupiara e Cariri (Fazenda Taperoá, PB); atrás queijo Mantiqueira (Fazenda Entre-Serras, Pindamonhagaba – SP), queijo Surpresa de Bofete – SP e Pai do Mato (Fazenda Santa Helena, Vale do Ribeira – SP). FOTO: Arnaud Sperat Czar/Profession Fromager.
Todos os participantes receberam uma ficha com resumo da procedência e particularidades de todos os queijos. O evento foi realizado dia 27 de fevereiro e durou uma hora e meia, como parte da programação de animações do salão, entre elas queijos norte-americanos e ingleses.
A primeira diferença entre a nossa degustação e a dos colegas estrangeiros foi que eles apresentaram no máximo cinco queijos, enquanto a nossa contou com 18! A segunda questão fundamental que nos difere é que eles já podem comercializar seus queijos na França e fazem a degustação com esse objetivo. O público do salão é composto de profissionais do ramo, principalmente comerciantes de queijos. Muitos ficaram interessados em comercializar os queijos brasileiros.
O presidente do Comté Claude Vermont Desroches se rende ao “Romeu e Julieta”. FOTO: Arnaud Sperat Czar / Profession Fromager
Os queijos da Canastra, Serro, Alagoa (Minas Gerais) e Caçapava (São Paulo) foram curados “à francesa” nas caves da Maison Mons. Outros queijos vieram já curados do Brasil, a partir de uma iniciativa do coletivo Caminho do Queijo Artesanal Paulista e de produtores do nordeste.
Tirando leite de palma
O casal Daniela e Arivaldo Barreto de Aracaju esteve presente para contar pessoalmente como, no sertão nordestino, eles utilizam o cactus (palma forrageira) para a produção de um leite rico em sólidos. O resultado é um queijo “com sabor de ervas, de raiz, de terra e sem igual na Europa” como disse a mestre queijeira belga Fabienne Effertz. Todo mundo queria provar os queijos nordestinos.
À esquerda Serra do Pico da Fazenda Taperoá – PB e Guzerá de Datas, MG. No meio Cuesta da Pardinho – SP e Asa Branca – DF. Ao fundo Coalho Lingote do Capitão Zé dos Santos e Serra do Mocambo da Fazenda Aroeira – SE
Outro detalhe que aguçou a curiosidade dos franceses foi escutar sobre o leite de vacas zebu. Na Europa não há vacas tão rústicas como a Gir leiteira, Guzerá e Sindi, descendentes de vacas indianas. O Brasil desenvolveu muito a genética para melhoria do zebu e hoje é quem exporta matrizes para a Índia. O leite de zebu produz queijos que, quando curados em condições adequadas, guardam mais a umidade na massa, como a raça Salers na França.
Queijo Tropeiro, da Fazenda Santa Luzia. FOTO: Arivaldo Barreto/Acervo Pessoal
Os queijos curados na França
Os queijos mineiros d’Alagoa e Canastra e os queijos paulistas Valoro, Manti e Real chegaram para um “SPA” na França três meses antes do salão. Eles foram curados pela maison Mons em Saint Haon le Chatel. São oito caves modernas enterradas, de paredes de tijolos e água que escorre pelas paredes para manter a umidade, além de um túnel de cura e laboratórios para preparações lácteas ultrafrescas. Tudo artesanal.
Os queijos ficaram nesse período em uma temperatura entre 9,5 et 10,5ºC, higrometria de 96% e ventilação com potência de 10%. Eles foram esfregados com um tecido seco e virados uma vez por semana em tábua de madeira épicéa, que corresponde ao pinus no Brasil. “Antes de entrarem em sala de cura, eles passaram 24 horas em sala de secagem para eliminar o excesso de umidade da casca, pois como viajaram embalados no vácuo, a casca estava molhada” explicou Hervé Mons.
À esquerda Queijo Borges (Santa Maria do Itabira – MG), no meio Canastra (Roça da Cidade, São Roque de Minas – MG) e o maior é o Valoro da Estância Silvania, Caçapava – SP. Atrás do queijo Borges está o d’Alagoa (Osvaldinho), e o Manti e Real da Estância Silvania estão um em cima do outro; o amarelo é o Amarillo SP, único da foto que não foi curado pela Maison Mons. FOTO: Arnaud Sperat Czar / Profession Fromager
Como esses queijos saíram do Brasil?
Com os entraves da legislação brasileira para queijo artesanal em geral e em especial queijo de leite cru, a maioria dos produtores não tem direito de cruzar nem as fronteiras municipais e estaduais. Sair do país então é um sonho. Uma de rede de colaboradores que trabalha pela valorização do queijo artesanal brasileiro e pela sua legitimidade internacional mobilizou esforços para esses queijos viajarem de forma não declarada.
O que gera muitos desconfortos, ninguém gosta de ser clandestino. Ainda mais em uma atividade da qual temos tanto orgulho. Mas esperamos que colocando esses holofotes sobre o nosso queijo os políticos possam se comover e mudar essa situação. Iniciativas como o debate realizado pelo Estadão em São Paulo em novembro precisam ter continuidade. Para que o produtor familiar possa ser melhor valorizado, diálogo é fundamental. Em ano de eleição, aguardamos os próximos capítulos da nossa novela “Resistência Queijeira”!
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