No passado, após o fim dos tabelamentos, as variações de mercado eram muito previsíveis com safras e entressafras bem definidas. O pilar mais determinante sempre foi a oferta. A produção marcava uma variável previsível entre o período chuvoso e os meses de seca.
Os sistemas de produção, bem menos tecnificados que hoje, fortaleciam o peso das chuvas na disponibilidade de leite. Se tinha chuva, calor e luminosidade havia oferta de pasto e o leite vinha. Se faltava chuva, esfriava e a luminosidade caía, faltava pasto e o leite sumia.
Na época, como estreante no espetáculo do leite, em um momento de final do período da seca, ouvi a ordem de um dirigente de cooperativa: “Na hora que cair uma poeira (garoa) tem que pagar Extra-Cota”. O plano de pagamento de excessos, para quem é mais novo, consistia em determinar um valor muito baixo (quase nulo) no leite que excedia o volume médio produzido no período da seca.
Pode parecer crueldade do então dirigente cooperativista, mas era impressionante a curva de subida na produção de um dia pra outro com o início do “período das águas”. Eram rebanhos sub-alimentados na seca que quase por um milagre da natureza passavam a ter alimentação fresca, tenra e de qualidade logo que chovia.
O insumo recorde de vendas na cooperativa era o farelo de trigo e praticamente nenhum produtor fornecia regularmente concentrado às vacas de produção. O pilar consumo era menos volátil, mesmo com todas as agruras econômicas. Isso tem muito haver com os canais de vendas de leite fluido. O leite UHT ainda tinha baixa participação e o leite pasteurizado em saquinhos fazia parte de um ritual regionalizado de visitas diárias às padarias para a compra do leite e do pão.
Na safra, os hábitos e os volumes de consumo permaneciam e a indústria de laticínios tentava não levar tanto o impacto dessa grande variação de disponibilidade para as padarias e canais de vendas. Portanto o pagamento “cota-excesso” fazia todo o sentido, e também porque não tínhamos tantos produtos de shelf-life maiores que ajudassem a corrigir as curvas.
As maiores cooperativas e indústrias se valiam do valor muito baixo do leite extra-cota para produzir leite em pó e parmesão para armazenar durante meses.
Com o advento do leite UHT como leite fluido principal e da super concentração nos canais de venda, migrando das padarias e mini mercados para grandes redes e atacadistas e também do crescimento mais massivo na distribuição dos queijos e subprodutos, as medidas de controle da produção tiveram fim e o mercado passou a se auto regular. A dinâmica das cotações vinculou-se nos dois pilares principais com peso mais equilibrado: disponibilidade e consumo.
Claramente a crescente tecnificação das fazendas também ajudou a ajustar a curva, minimizou o impacto safra/entressafra e abrandou a volatilidade.
A volatilidade de preços em qualquer setor parece ser sempre um problema, e de fato ela é em alguns momentos. No setor leiteiro nacional ela é desafiadora, mas pode se configurar como oportunidade para quem é analítico, não é imediatista e conseguiu atrativos comerciais para agregar valor ao seu produto.
Em um artigo do Marcelo Pereira de Carvalho no início de 2019 Mercado do Leite: É Hora de Discutir o Problema Certo foi exposta uma comparação da volatilidade dos preços de leite a nível mundial. Vou reproduzir os gráficos originais daquela análise antes de seguir o raciocínio:
Entre os principais países citados e posicionados com menor volatilidade que o Brasil estão a Argentina e Uruguai.
São países exportadores, inclusive para o Brasil, porque não tem em seus mercados internos a possibilidade de alocar toda a produção e sustentar o crescimento da produtividade das fazendas. Eles tem menor volatilidade, mas estão nivelados por baixo, já no “fundo do poço”. Nós temos na volatilidade a possibilidade ou a oportunidade de realizar médias anuais consolidadas interessantes. O mercado interno brasileiro é pujante e, mesmo com as variações naturais, nos propicia momentos de picos que ajudam a agregar valor à média anual e anular períodos de preços muito mais baixos.
Quando tratamos o leite como safra anual os números médios parecem ter um encaixe mais lógico e as curvas mostram o quanto menos impactante é a volatilidade do mercado lácteo brasileiro. Na lógica anual, a tendência geral é de constante valorização mesmo com as devidas correções econômicas.
O leite ao produtor no Brasil se comporta com um desenho gráfico, entre valorizações e desvalorizações, que variam entre períodos de mudanças nas linhas de tendência semestrais em anos normais e raramente quadrimestrais ou trimestrais para anos mais voláteis.
Os fluxos de variação que estamos mais acostumados são quase sempre de mudanças de tendências semestrais. Considera-se semestral porque a representação gráfica completa o fluxo de subida ou decida em média e em geral semestralmente. Adiante um gráfico que expressa hipoteticamente essa variação:
Diante do novo coronavírus, surgiu um novo e forte pilar dentro da variável demanda que tem relação com o consumidor: são os hábitos de compras. Os cuidados provocaram o efeito de estoques residenciais, mudando canais de compra e – porque não dizer também?– o perfil de compra.
Semanas de recebimento de salários e benefícios com super consumo seguidas de períodos da mais evidente ressaca nos pontos de venda. Aumento no ticket médio de compra do consumidor e redução no número de visitas aos comércios.
A mudança nesses hábitos pode em alguns momentos levar a volatilidade a um patamar de maior intensidade em curtos períodos. Podemos portanto, ver períodos de "curvas W" com subidas seguidas de descidas e logo corrigidas com subidas e sequenciais descidas em espaços de tempos menores, bi ou trimestrais. São efeitos do super consumo seguidos de super retração. determinados pelo acesso a renda. Como exemplo a representação a seguir:
Claro que o pilar hábito de consumo não será o único e nem o mais impactante. A oferta segue sendo o mais importante marcador de tendências. Mas precisamos aprender a nos adaptar ao novo comportamento de preços mais voláteis, até que tudo se normalize.
Resta saber o quanto as mudanças comportamentais influenciarão o consumo após a crise. Especialistas afirmam que haverá uma mudança de hábitos de consumo a nível mundial no pós-pandemia. Precisamos aguardar para ver como nos posicionar.
Por hora, devemos entender que passamos por um momento de exceção que exige de nós mais controle, criatividade e atenção.
Citando novamente o amigo Marcelo Pereira de Carvalho, diante da derrocada econômica de setores, negócios e pessoas, “somos afortunados” por ter uma atividade que segue em frente se especializando e se valorizando.
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