Recentemente foi anunciada a abertura do mercado chinês para o leite brasileiro. Algumas indústrias já estão habilitadas e o governo anunciou medidas que tendem a melhorar a qualidade média do leite, tornando o nosso produto mais atrativo. Temos uma grande discussão em curso sobre a competitividade do leite brasileiro.
A notícia das exportações é boa e já afirmei em outras oportunidades que se conseguirmos exportar excedentes, mesmo que no vermelho em determinados momentos, o mercado interno que é gigantesco será preservado.
A nossa vizinha Argentina, com todo o histórico que tem de país exportador, somente envia 18% da sua produção a outros países. Isso nos faz crer que para eles é mais negócio atender seu mercado interno e que usam as exportações mais como escoamento de excedentes do que como oportunidade de negócio.
Recentemente o Observatório da Cadeia de Laticínios da Argentina (OCLA) realizou um estudo nesse sentido, com o mesmo título que dei ao texto. “Como seria o preço do leite ao produtor se todo leite argentino fosse exportado?” A conclusão que eles chegaram, é que considerando custos de produção, impostos, embalagens, comerciais e logísticos com rendimento de 8.200 litros para cada tonelada de leite em pó integral - considerando ainda o preço médio de exportação em US$ 3.150 e o câmbio deles nesse momento - o preço final ao produtor seria 6,8% menor se todo leite argentino fosse exportado.
O interessante desse resultado é que as oportunidades do mercado interno argentino não são tão boas quanto as nossas. Com todo o abismo econômico/social que o país se encontra - consumo ruim, preços baixos e negócios fracos, as exportações não são tão piores do que as vendas locais. Os preços aos produtores estão em média entre 15 e 16 pesos argentinos por litro. Utilizando o valor de 15,5 pesos em média por litro, com o câmbio atual, estão com o leite a US$ 0,26 por litro. Para exportar todo o leite argentino e virar uma Nova Zelândia das Américas, eles somente poderiam pagar US$ 0,246 aos seus produtores.
O último indicador CEPEA apontou um preço médio brasileiro de R$ 1,3466. Agora convertendo para o nosso câmbio, estamos com US$ 0,32 na média paga aos produtores. Para ficar mais visível, pensando na diferença média do preço em reais, 6 centavos de dólar representam 0,25 centavos de real por litro.
Segundo dados do Milkpoint Mercado, a margem aparente do leite em pó industrial em agosto bateu 34 centavos de real negativos por kg. A mesma plataforma apurou preços médios para o leite em pó industrial de 13,90 no mesmo período no mercado interno. Portanto para simplificar nosso entendimento, o custo do leite em pó industrial médio no Brasil seria de R$ 14,24 por kg ou R$ 14.240 por tonelada. Fazendo a conversão, teríamos um custo de produção de US$ 3.431,32 por tonelada.
O estudo da OCLA é todo baseado em um rendimento industrial médio de 8.200 litros de leite para cada tonelada de leite em pó. No Brasil conseguimos na atualidade em média 8.400 litros de leite para cada tonelada produzida. A diferença de rendimento de 2,4% vem principalmente do teor de sólidos mais baixo do leite brasileiro. Dados da OCLA apontam para uma proteína média na Argentina de 3,40% ao longo do ano, enquanto no Brasil estamos com média anual por volta de 3,25%.
Seguindo em frente, se todo o nosso leite fosse exportado a US$ 3.150, mesmo número do levantamento hermano, teríamos em reais 13.072,50 por tonelada. Sendo o custo médio de 14.240,00, a diferença competitiva seria de 8,9% para zerar a conta. Se ao menos igualássemos o rendimento industrial com aumento de sólidos, essa conta cairia para algo em torno de 6,5%.
A lógica é que não é possível manter plantas de leite em pó operando sem margem por longos períodos, portanto essa conta “para zerar” não tem efetividade prática, seria necessário agregar rentabilidade industrial para viabilizar exportações constantes. Porém, dá para entender o tamanho do caminho a percorrer: hoje, nesse exato momento, o leite que viabilizaria ser exportado sem nenhuma margem para a operação industrial estaria cotado a R$ 1,23 ao produtor.
Todo esse exercício, quando transformado em períodos maiores, dependeria de um fator ainda mais imprevisível que é a variação cambial. Trabalhar tão apertado, sem margem, acomodando excedentes com o risco do dólar estar hoje a 4,15 e amanhã a 3,80 pode gerar momentos de inviabilidade, interrompendo negócios e trazendo ainda mais volatilidade para os preços internos. Com uma simples variação cambial de 4,14 para 3,80 o “preço de viabilidade” viria de 1,23 em 1,12.
Por fim, o caminho das exportações pode ser interessante se bem planejado. Fortes incentivos fiscais podem ser a solução para viabilizar uma determinada quantidade de leite enviada ao exterior. É preciso desonerar ao máximo a produção de leite, ganhar eficiência em custos e qualidade para transformar o mecanismo das exportações em um regulador em prol da cadeia brasileira. Sem planejamento pode ter efeito inverso.