Falar de normalidade enquanto brasileiro é um desafio. Vivemos historicamente em uma constante metamorfose ética, cultural, política e econômica. Alguém disse em uma peça publicitária há algum tempo que “o melhor do Brasil é o brasileiro”, e com muita razão. Mas o contrário também é verdade em muitas situações e períodos da nossa história.
Faz parte do novo normal, “normalizarmos” enquanto sociedade, por exemplo, o impacto de mais de 100 mil mortes pela covid-19. Simplesmente nos acostumamos com o noticiário e seguimos a vida. Alguns conseguem piorar ainda mais a realidade a tornando um fato político, mas esse não é o objetivo da reflexão (se você, amigo leitor, quer politizar mortes - aqui não será um ambiente fértil para debates).
Partindo para a seara econômica que é a que interessa nesse texto, estamos vivenciando um novo normal que tem pontos muito positivos e outros macroeconômicos nem tanto.
Ao iniciar a pandemia, o governo se verteu com muita razão a uma política de transferência direta de renda. Ficava claro que o impacto econômico causado pelo novo coronavírus para diversos setores seria catastrófico, mas que seria ainda mais letal a uma camada de brasileiros invisíveis para o sistema: os informais.
Mas para que os informais fossem contemplados com a urgência necessária, era sabido que parte dos recursos cairia nas mãos de muitas pessoas que eram inativas economicamente, e pior, outra grande parte seria indevidamente utilizada por quem menos precisa.
Mesmo com os destinos do dinheiro confusos e muita das vezes indevidos, o governo se surpreendeu com o aporte de arrecadação e com o ganho político da medida. O impacto negativo da pandemia que se estimava até acima de 10% no PIB para 2020, já figura em menos de 3,5% nas previsões macro, podendo ficar bem menores após novas atualizações. A popularidade do Presidente que apontava para baixo, inverteu, principalmente nas camadas mais carentes da população.
O programa foi batizado de “auxílio emergencial”, mas ao que tudo indica será parte do nosso novo normal por muito tempo, mesmo que em outros valores. A combinação de aporte econômico e suporte político seduziu o governo que se apega nessa nova realidade de calmaria e popularidade.
Para o nosso setor, os impactos iniciais também foram muito positivos. Ao se atender camadas mais carentes com um impulso de renda, a priorização imediata foi a categoria dos alimentos.
Segundo estudo recente da consultoria ZAHG, o consumo de frutas e verduras, por exemplo, subiu 44%. A consultoria afirma que a demanda aumentou porque a alimentação se transferiu com muita força para preparos dentro do lar e porque também aumentou o interesse do consumidor por manter a despensa mais estocada. Isso se deve a menor circulação das pessoas para as compras e a sensação da necessidade de manter “estoque de urgência” que supra qualquer emergência. Essa mudança de hábitos aliada a mais renda disponível provocou valorização em quase todos os itens da cesta básica.
O governo que se elegeu se intitulando “de direita” e “liberal na economia e conservador nos costumes” agora se vê em meio a uma contradição ideológica porque flerta com práticas utilizadas em economias socialistas. Essas práticas naturalmente provocam imediato incremento de capital político em um país pobre como o Brasil.
Porém, os efeitos a médio e longo prazo preocupam. Todos sabemos que o dinheiro transferido tem que sair de algum lugar: dinheiro não dá em árvore.
O retorno às manchetes da possibilidade de um imposto sobre movimentação financeira, camuflado de reforma tributária, marca essa mudança de rumos econômicos de forma muito clara. A CPMF era um famigerado imposto infinito que à época tinha a justificativa de gerar recursos para a saúde. Nunca foi isso de verdade: hoje quem tem condição financeira, tem como prioridade manter contratado um plano de saúde privado para si e para a família dada a péssima qualidade da saúde pública no país.
Ter uma nova CPMF como bengala para políticas de transferência de renda populistas, aproxima o país de exemplos econômicos muito mal sucedidos, inclusive aqui nas Américas. O impulso artificial por aumento de consumo é diretamente proporcional ao aumento de carga tributária para o setor produtivo e inflação crescente.
Para o nosso setor, o momento de valorização e aumento da rentabilidade pontual é positivo. Commodities como UHT, muçarela e leite em pó marcam valorizações seguidas e puxam os preços dos derivados de tabela, que têm correções mais morosas e que estavam por anos se arrastando em tentativas de valorização da indústria para varejo. Isso indica claramente um ganho de valor na cadeia.
Não quer dizer que os preços não cairão mais, mas que as novas curvas de queda tendem a marcar pisos de preços mais altos. Depois de muito tempo é um ganho econômico importante para o setor, e isso é sim um fator a comemorar por hora.
O aumento de consumo na pandemia provoca também outro efeito positivo, o incremento dos lácteos como hábito de consumo permanente para determinados indivíduos. Isso se deve ao efeito positivo da experimentação. Muitas pessoas que por diversos motivos não tinham o hábito de consumo de laticínios ou de determinados produtos lácteos, estão mantendo por um bom período o novo hábito de consumi-los. Um hábito repetido por muito tempo vira cultura, e nesse ponto estamos tendo um ganho muito considerável.
Espero que esse momento seja o nosso novo normal de ganho de valor e aumento consumo, mas que não nos esqueçamos de manter a cautela, porque tempos econômicos turbulentos virão.
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