Logo que foram divulgadas as novas Instruções Normativas, uma grande insegurança se instalou na cadeia do leite brasileiro. Um dos requisitos mais desafiadores foi a temperatura de recepção de leite máxima de 7°C com excepcionalidades a 9°C. De fato, o setor leiteiro brasileiro é muito diverso. Temos produtores de todos os tamanhos, regiões com muitos produtores pequenos por rota, acessos complicados e temperatura do ambiente alta.
Na Verde Campo temos conseguido médias monitoradas na recepção de leite entre 4,5°C e 5,2°C dependendo do clima. Sempre que apresento esses dados sou questionado quanto às características dos nossos produtores: médios, grandes, especializados, entre outros.
O fato é que temos duas rotas formadas por nossos parceiros mais antigos, que estão na empresa desde a fundação, brincamos que são os “produtores do Sr Totonho”. São pequenos, familiares e com acesso precário.
Uma de nossas três crenças corporativas diz: “compartilhamos benefícios”. É por isso, mesmo com a nossa natural vocação pela especialização, que fizemos de tudo para ter uma política inclusiva, mantendo esses produtores que prezam pela qualidade e os ajudando a crescer a taxas muito superiores que a média do setor.
Essas duas regiões se assemelham à realidade média nacional (exceto pela qualidade do leite), e nem por isso têm resultados mais altos de temperatura na recepção que sejam discrepantes de rotas com menor número de produtores e maior volume de leite.
Muito antes da divulgação da normativa, mais precisamente no ano de 2015, percebemos que não conseguíamos preservar ao máximo a qualidade original do leite das fazendas nos silos da indústria. O nosso leite já era muito especial, comparado aos melhores países, mas havia um pequeno desvio quando ele era analisado na indústria. Entendemos naquele momento que deveríamos aproximar a realidade dos silos a média de contagem bacteriana das fazendas. Voltando a falar de nossas crenças corporativas, aí se encaixam as outras duas: “nossos produtos são especiais” e “como a gente faz, importa”.
Sabemos que contagem bacteriana basicamente é o resultado de apenas dois fatores: higiene e refrigeração. Higiene já estava bem atendida, naquela época a média da contagem bacteriana das nossas fazendas ficava entre 15 e 20 (hoje abaixo de 10). Então só nos restava monitorar o processo de resfriamento do leite.
Verificamos os históricos da plataforma e os resultados surpreenderam. Em média o leite chegava entre 9 e 10 graus. Pensando no objetivo que era preservar a contagem bacteriana original ao máximo, era impensável conseguir êxito nas rotas de até 8 horas de trabalho com temperaturas tão altas.
Procuramos estudos mundo afora sobre como proceder e vimos que não havia nada de efetivo e específico, então fomos ao campo. Foi realizado um estudo completo, capitaneado pela nossa equipe técnica com apoio de estagiários da UFLA (Universidade Federal de Lavras) que nos mostrou o seguinte:
São três os fatores determinantes para o aumento de temperatura na coleta de leite, por ordem de importância:
1° Comportamental: transportadores sempre querem chegar o mais cedo possível na indústria. Eles captavam leite em algumas fazendas no meio da ordenha até a 13°C marcando no sistema 4°C;
2° Troca de calor com o ambiente: quanto menor a taxa de ocupação dos compartimentos dos caminhões, maior a troca de calor com o ambiente, maior o crescimento da temperatura;
3° Equipamentos desregulados: tanques das fazendas tendem a perder a exatidão na calibração de seus termômetros. Chegamos a achar diferenças de até 5°C entre o que marcavam e termômetros calibrados. Essa conclusão nos levou às seguintes ações:
Desvio comportamental:
- Treinamento com os transportadores;
- “Endurecimento” nas punições para o transportador que insistia em desviar (mandar para o fim da fila, não receber o leite etc);
- Implantação de auditorias de coletas frequentes;
- Instalação de uma função no sistema de coleta de leite que obriga ao transportador tirar uma foto georreferenciada do termômetro dos tanques das fazendas a cada coleta.
Esse desvio comportamental em especial, se resolvido, mais da metade do problema desaparece. Não adianta programação logística se o transportador maquiar a informação de temperatura de coleta nos tanques das fazendas.
E sobre isso uma experiência nossa pode encurtar o caminho de quem não está conseguindo reduzir a temperatura de recepção: todos, afirmo, todos os transportadores de leite querem chegar mais cedo na indústria e se não forem monitorados, coletam leite acima de 4°C para conseguir antecipar o trabalho.
Não há outra saída, vão haver pontos da linha de leite que vão coincidir com as ordenhas: tem que parar o caminhão, abaixar o banco e esperar confortavelmente. Pensar a logística, que é o próximo ponto de melhoria, também ajuda a minimizar esse problema.
Troca de calor com o ambiente:
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Reprogramação logística das rotas,
Quanto mais leite resfriado entra em um compartimento do caminhão de uma vez, mais a temperatura é preservada. Para isso, é necessário que se tenha tanques nos caminhões adequados a rota.
Por exemplo: uma rota de 10 produtores que somam 4.000 litros não vai ter sucesso com um tanque de 11.000 litros no caminhão. Tem que enviar um caminhão 3/4 com tanquinho de 4.500 litros. Quão maior for a ocupação média do caminhão e dos compartimentos mais preservada será a temperatura original do leite.
Resolvida essa questão da capacidade do caminhão, é preciso pensar a logística de forma diferente, e isso pode sim aumentar a quilometragem da rota, mas a boa surpresa é que as vezes não aumenta.
Observamos que se os transportadores coletassem o leite abaixo de 4°C de fato, aquela realidade de 9°C a 10°C caia de imediato para 6°C a 8°C em média e que as ocorrências de temperatura mais altas eram registradas em compartimentos com menos de 70% de ocupação.
Pensando na mesma rota hipotética de 10 produtores com 4.000 litros, montei uma simulação bem simples:
Logicamente a simulação é simplória porque temos outros fatores como horário de ordenha por exemplo, mas a mensagem é a seguinte: quanto mais volume de leite gelado entrar no compartimento quando ele for aberto, na primeira coleta do compartimento em questão, menos a temperatura total vai subir.
Nesse modelo, a logística tradicional não é de todo ruim, mas o fator espera para descarga faz com que o compartimento 3 aumente mais a temperatura. Ele tem 56% de volume e foi aberto no final, no horário mais quente da coleta.
Tem que estudar caso a caso. É preciso entrar no caminhão, estudar a rota, fazer alterações e testar até dar certo.
Regulagem de tanques nas fazendas:
Os transportadores devem ter um “livro de ocorrências” diário, ou o sistema de coleta ter essa função. Devem ter um termômetro para fazer a comparação da temperatura do leite com a temperatura do tanque do produtor rotineiramente. Ao identificar diferenças, informar ao setor responsável da empresa para providências imediatas. Também é fundamental o laticínio manter as auditorias de coleta periódicas.
Os tanques devem ligar, via de regra, com 4°C e desligar com 3°C. Existem equipamentos que quando bem ajustados a produção da fazenda (com baixa ociosidade) permitem regular ligando com 3°C e desligando com 2°C, isso ajuda muito.
Nesse caso, o profissional deve aumentar os períodos de agitação do leite na programação do equipamento. Mas precisa ser testado com cuidado, por um profissional especializado, porque alguns equipamentos congelam nessa faixa de programação.
Concluindo
Essas estratégias são muito eficientes, mas existem peculiaridades em cada região, produtor, empresa ou rota. O importante é minimizar todos os desvios que tem maior impacto no tema e fazer acontecer. É preciso ter procedimento desenhado e que todos cumpram a sua parte para ter um resultado de sucesso.
No último mês conseguimos média de temperatura na plataforma de 4,5°C. Esse é o meio do caminho para outro requisito da nova legislação, CBT nos silos. Com média de CBT nos produtores de 9 no mesmo período, conseguimos média nos silos da empresa de 54 mil. É um bom número, folgado em relação a legislação, mas queremos mais. O ajuste é fino, mas ainda dá para melhorar.