Com constância, ouvimos produtores e técnicos afirmando que - de todos os índices de qualidade - o indicador de mastite subclínica é o de maior dificuldade de controle e melhoria.
Na atualidade, o índice médio de CCS (Contagem de Células Somáticas) no Brasil segue se mantendo em alguns momentos e piorando em outros. Essa realidade indica que os produtores de leite em sua maioria não controlam fatores contagiosos e não criam métodos de prevenção, controle e tratamento, além de não terem planos de redução eficientes.
O papel da indústria deveria ser o de entender a importância de se adquirir uma matéria-prima com baixos índices de CCS buscando o melhor aproveitamento da proteína do leite e melhorando aspectos ligados a sabor e durabilidade de seus produtos. Partindo dessa premissa, deveriam determinar qual leite não tem padrão para adquirir, além de precificar o melhor leite de forma justa ao produtor. Quando isso não é feito, o produtor não tem o estímulo para investir em melhorias, uma vez que a comunicação via preço é sempre a mais eficiente.
Gráfico 1 – Faixas de contagem de células somáticas do leite cru x rendimento da produção queijo mussarela. Fonte: artigo Professor Marcos Veiga – MilkPoint 05/04/2007, no qual ele cita o estudo da UFG.
Esse gráfico é um convite a matemática:
- 1.000 litros de leite abaixo de 400 mil células/ml, produzem 105,04 kg de queijo a R$ 12,00 = R$ 1.260,00;
- 1000 litros de leite acima de 700 mil células/ml, produzem 91,49 kg de queijo a R$ 12,00 = R$ 1.097,89.
Em uma fabricação de 100.000 litros por dia com a distorção máxima das faixas apresentadas, estamos falando de diferença financeira/mensal de R$ 502.541,00 em rendimento industrial para a indústria. Se a indústria em questão se propor a pagar um prêmio médio de 0,05/litro pela CCS, considerando a média entre penalidades e bonificações, investirá R$ 150.000,00 mensais.
Sobram R$ 352.541,00 além de ficar o sabor superior, menos defeitos de fabricação, mais shelf life e mais fidelização a marca. Terão indústrias que alegarão não poder bonificar o leite melhor porque fabricam outras linhas de produtos. Para elas afirmo - todos os produtos lácteos têm desvantagens comprovadas no uso de leite com mais mastite:
- UHT: maior degradação da proteína faz com que o leite armazenado coagule mais rápido que o leite normal, além de pior qualidade no sabor;
- Iogurte: piora considerável no sabor e consistência, principalmente após 20 dias de fabricação;
- Leite pasteurizado: rancidez e menor tempo de prateleira;
- Queijos diversos: menor rendimento, maior tempo de coagulação, menor acidez que causa perda de sabor e maior perda de gordura e proteína no soro.
Para os produtores que dizem que não melhoram porque não recebem por isso, a notícia é de ainda maior impacto.
Está fartamente comprovado que rebanhos com altas contagens de células somáticas têm drástica redução de produção de leite. São várias pesquisas cientificas que pouco variam no percentual de prejuízo a cada faixa de CCS acima de 250 mil, mas não existe nenhuma que afirma que não há redução.
Gráfico 2 – Percentual de redução na produção de leite x faixas de contagem de células somáticas. Fonte: Circular Técnica 70, Embrapa CNPGL.
O gráfico anterior dispensa o uso da matemática para dar dimensão do quanto a mastite interfere no resultado das fazendas. É de consenso entre especialistas que é a causa de maiores prejuízos na pecuária leiteira. Porém, produtores em sua maioria não dão a devida importância uma vez que o fator mais impactante é de difícil constatação: a redução de produção.
Estando em algum momento o setor lácteo nacional devidamente conscientizado do tamanho do desafio, o caminho mais lógico seria a união produtor/indústria a fim de minimizar perdas.
O pagamento por qualidade é fundamental para premiar as evoluções e estimular os produtores a ter um processo de controle contínuo, mas ainda não é o suficiente. A indústria nacional deve se convencer dos benefícios que o leite com menos mastite traz para ela e para os produtores e alavancar um trabalho sério de educação continuada.
A curto e médio prazo, o leite de melhor qualidade gera resultados financeiros visíveis ao produtor e ao setor industrial e a longo prazo essa evolução manterá produtores na atividade. Mastite é com absoluta certeza a principal causa da inviabilização de fazendas leiteiras.
No Brasil, observamos que os índices médios estão muito atrelados às variações sazonais. Isso indica que o ambiente é o primeiro fator que deve ser verificado e corrigido. Sem a solução dessa base, não é possível adotar as ações seguintes com êxito.
Imagem 1 - Incidência de acúmulo barro e esterco em salas de espera, sombras e pastos. Com a limitação ambiental equacionada, precisamos enfrentar as deficiências de manejo, principalmente no manejo de ordenha.
É comum encontrar fazendas demandando trabalho para redução da CCS (mastite subclínica) mas que não fazem o dever de casa para evitar a mastite clínica. Pré dipping mal feito ou não realizado, teste da caneca “para inglês ver”, pós dipping nas mesmas condições, leite 'mastitico' indo para o tanque, vacas mal curadas ou que simplesmente não foram tratadas, ordenhas mal reguladas ou mal dimensionadas, dentre outras tantas falhas grosseiras. Esse 'beabá' do dia a dia deve ser alvo de correção antes das ações seguintes.
Imagem 2 - Animal com hiperqueratose, indicando um manejo deficiente de ordenha.
Eliminados os problemas básicos ligados a ambiente e manejo e criando uma rotina positiva nesses dois quesitos, é esperado que já se consiga algum nível de redução dos casos de mastite clínica e também da contagem de células somáticas. Em algumas fazendas, esses primeiros passos propiciam uma surpreendente redução no índice de CCS, mas que ainda não consideramos suficientes.
Sempre associamos ao trabalho de controle e redução de CCS a implantação das Boas Práticas de Produção. Quando adotadas de forma eficiente, as Boas Práticas são ferramentas essenciais para criar uma rotina positiva com potencial de auxiliar nos resultados.
A partir dessas premissas, partimos para o ajuste mais fino. São realizadas visitas para treinamentos, testes de CMT (California Mastitis Test), coleta de amostra para CCS por vaca, coleta de amostra para cultura bacteriológica e verificação de funcionamento de ordenha. Estimulamos a pesagem do leite para verificar a interferência de cada animal no tanque, dentre outras atividades.
Ao findar a 1ª etapa, várias recomendações são passadas quanto a rotina de ordenha (linha de ordenha e outros procedimentos) e em alguns casos a estratégia de blitz terapia pode ser indicada. Os resultados começam a aparecer ou não de acordo com a forma com que o produtor aplica as recomendações dadas.
Quanto mais tempo o produtor demora para seguir as recomendações, mais invalidadas ficam as etapas que dependem de análise laboratorial ou de testes aplicados como o CMT. Nesses casos, quase sempre são necessárias as repetições dessas fases do trabalho, trazendo mais despesas e desgaste. Porém, quando os resultados aparecem de forma satisfatória, damos início a segunda etapa, que visa implantar uma rotina que ainda terá efeito de melhora no índice e o mais importante – cria-se um ciclo positivo de procedimentos que proporciona controle às atividades da fazenda.
Na política de pagamento por qualidade da Verde Campo, estimulamos a obtenção de leite com o menor índice de CCS possível:
Essa política associada a um trabalho constante da nossa equipe técnica foi capaz de reduzir nosso resultado médio em cinco anos em mais de 60%. A CCS média dos produtores da Verde Campo segue se aproximando mês a mês do ideal que traçamos de 250 mil células/ml. Estamos em uma curva quase que contrária à tendência nacional, reduzindo constantemente os resultados ao longo do tempo.
Hoje analisamos com a nossa força de trabalho mais de 2.500 vacas por mês e temos uma equipe no campo de um técnico para cada 20 produtores. Gosto sempre de iniciar meus textos com títulos que na verdade são perguntas, para ao final respondê-las.
Ao meu ver, resolver CCS fora do padrão não é nada difícil, desde que se tenha vontade e apoio necessários.