Em um passado bem recente as discussões do setor ficavam em torno de temas que pareciam muito distantes. Falávamos sobre pagamento por qualidade, melhoria de índices, sucessão, substitutivos para o leite, consumo, tecnologias de produção, genética, preço de leite (como sempre o mais popular dos assuntos), entre outros. Todos esses pontos levavam sempre a um segundo debate mais amplo: quais produtores permaneceriam na atividade.
Alguns falavam que seria o que produzisse muito, outros que seria o familiar de baixo custo. Tinha a turma que defendia que os eleitos seriam os de melhor qualidade, uns que brigavam pelas raças leiteiras ideias, sistemas de produção, o que produzisse o próprio queijo e por aí vai.
O tempo passou tão rápido que nem percebemos e esquecemos de combinar com o nosso “big boss”, na tradução, o “grande chefe”, que é a grande razão de existir da atividade: o consumidor. O consumidor paga a conta de todos esses itens que refletimos ao longo dos anos. Discutimos incansavelmente e acabamos perdendo o trem da história.
Diariamente escutamos aquelas frases tradicionais do setor sobre o consumidor: “Paga uma garrafa de água mineral mais cara que o leite”; “Não quer pagar um litro de leite a R$ 3 mas bebe uma caixa de cerveja de R$ 100 no fim de semana”; “Não dá valor no produtor”; “Beba leite”; “Leite é saúde”; “Vem passar um dia na fazenda para ver”, “Leite de coco? Me mostra as tetas do coqueiro”.
Não quer dizer que não existam verdades nessas frases sempre com um pontinho de mágoa, mas o fato é que na hora que o consumidor chega na frente da gôndola para decidir como vai gastar seu dinheiro, ele não está nem aí para nada disso.
No mundo inteiro, se discute o fenômeno da queda de consumo de leite. Produtores melhoraram em tecnologia, aumentaram produtividade, eficiência, produção, isso se refletiu em mais leite disponível e o consumidor por algumas razões simplesmente “deu de ombros” e reduziu o consumo. Muitos dirão que isso tem a ver com a crise econômica. Concordo em partes, mas crises são cíclicas e a realidade que se apresenta é de uma formação de tendência comportamental preocupante.
Outros dirão: “precisamos de mais marketing”, será?
O marketing é uma excelente ferramenta de convencimento, mas é um boomerang perigoso. É como mexer em uma caixa de abelhas desafiando uma geração que não recebe mais informações como acontecia a poucos anos, mas que produz a sua informação, personalizada, verdadeira ou falsa e a todo momento. A grande parte do consumo de alimentos já está nas mãos das novas gerações e eles demandam: qualidade, inovação, princípios e interação.
Voltando um pouco as discussões do passado, falávamos: “tem que fazer marketing, colocar bigodinho de leite em famoso, falar beba leite, valorize o produtor”. Talvez isso tivesse funcionado há cinco anos onde tudo girava no entorno de uma mídia quase monopolista, inerte, influenciadora. Hoje a TV aberta por exemplo passa por um momento crítico. Os jovens em sua grande maioria não se curvam mais às programações televisivas e as influencias que essa fonte gera.
Para se falar em marketing hoje, é preciso primeiro entender como pensam os consumidores, para quem vamos falar, como vamos falar, como agiremos contra os ataques de comunidades contrárias que não são alvo para consumo, mas que podem influenciar outros grupos.
Até pouco tempo pensávamos que o marketing era uma saída para aumentar consumo, hoje precisamos dele para que a queda de consumo se interrompa, pensando em evolução mais adiante.
Não adianta mais isoladamente o laticínio x falar que seu produto é bom, que é melhor que o concorrente ou colocar nas embalagens desenhos de vaquinhas com flores vermelhas penduradas carinhosamente nas orelhas.
"Até pouco tempo pensávamos que o marketing era uma saída para aumentar consumo, hoje precisamos dele para que a queda de consumo se interrompa, pensando em evolução mais adiante"
O nosso novo “grande chefe”, o cara que paga as contas e que decide o nosso futuro quer transparência em algumas informações:
1- Ele quer saber se temos o mesmo carinho com as vacas que ele tem com seu cachorrinho de estimação.
2- Quer saber se os nossos cuidados com higiene são os mesmos que ele tem em sua casa ao lavar os pratos que a família vai usar no almoço.
3- Está interessado em como procedemos com a preservação do meio ambiente na nossa atividade, se poluímos ou se preservamos.
4- Precisa saber se não nos utilizamos de exploração do trabalho e se tratamos nossos parceiros com dignidade e respeito.
Depois de toda essa verificação ele ainda exige um produto saboroso, com qualidade, segurança alimentar, uma bela embalagem ecologicamente correta, durabilidade e que atenda todas as suas expectativas.
Você deve estar coçando para falar: “se ele pagar por isso nós faremos”, mas ele ainda quer um produto que tenha preço justo.
Nessa parte tenho certeza que devo ter contrariado muita gente, mas o mercado de produção de qualquer produto hoje em dia é assim. Saindo da nossa posição de produtores e industriais do leite todos nós, TODOS, quando compramos uma bela peça de picanha para o churrasco do fim de semana adoramos quando ela tem qualidade e está em promoção. Essa é a lógica de mercado que não tem nada a ver com justiça e “valorização” de quem produz.
A frase mais certa não é “se ele pagar por isso nós faremos”, mas “vamos fazer para que ele não se arrependa de pagar o preço justo”.
Sei que muitos produtores que estão me honrando ao ler o artigo não teriam coragem de levar um grupo de consumidores da nova geração para visitar ou “auditar” as suas fazendas na atualidade sabendo que serão questionados em relação aos quatro itens numerados acima.
Mas isso não é o fim do mundo, só é a nossa realidade atual que pode e deve ser modificada. O único marketing capaz de influenciar uma geração de influenciadores será realizado junto ao protagonista maior do setor que é o produtor de leite. O único marketing que o “grande chefe” respeitará e que tem o poder de convencê-lo é aquele que mostra como fazemos, o que respeitamos e que valor nós temos. Se isso combinar com o que ele faz no dia a dia, teremos facilmente um lugar cativo no seu carrinho de compras.
"O único marketing que o “grande chefe” respeitará e que tem o poder de convencê-lo é aquele que mostra como fazemos, o que respeitamos e que valor nós temos. Se isso combinar com o que ele faz no dia a dia, teremos facilmente um lugar cativo no seu carrinho de compras"
Tudo mudou muito rápido na velocidade da internet e a internet está cada vez mais veloz. Chegamos no momento de mostrar nossas fazendas para os consumidores, não há mais tempo para postergar melhorias. Quem quer ficar na atividade: mãos à obra.