Levantei um tema em 2018, publicado no Milkpoint: “Estamos Sendo Justos com os Pequenos Produtores?”. O objetivo do texto era de provocar uma reflexão em relação a prática de precificação do leite no país evidenciando a preocupante diferença que era imposta ao pequeno produtor.
Dentre outros argumentos que davam sustentação ao raciocínio, ficou exposto que, naquele momento (leite de dezembro/18, pago em janeiro/19), o índice Cepea Piloto apontava para uma diferença de mais de 40% de preço médio de um produtor de 7.000 litros dia em comparação ao produtor da menor faixa que era de 200 litros diários, algo como 43 Centavos/litro.
Desde aquele momento (na verdade, desde antes dele), um dos argumentos mais comumente usados para explicar esta diferença é a logística de coleta de leite.
Naquela época comparamos a média líquida do Cepea com o índice bruto, que não existe mais. A conclusão foi que o custo total de frete a época, era de 0,10, e que, portanto, se fosse 50% mais barato captar no grande (e não é!), a diferença justificável seria de 5 Centavos por litro ou 4,7% no mesmo período.
Logicamente, o grande é mais interessante também do ponto de vista negocial. Isso porque supre com mais importância a ociosidade industrial. Mas esse valor de negócio, apesar de ser menos tangível, também não pode justificar variações na casa de 40%.
O processo de concentração na produção primária no Brasil já era previsto, e vem se intensificando ao longo dos anos. Aconteceu em outras partes do mundo e não tinha por que ser diferente por aqui.
Como eu disse naquela oportunidade, não estou aqui discursando em defesa do pequeno produtor extrativista e ineficiente. Temos no Brasil, muitos pequenos produtores eficientes, crescendo e se desenvolvendo. Esses, de 2018 para cá, já nem devem ser tão pequenos. Eles produzem com qualidade e crescem na atividade.
Essa semana, saiu um dado da Emater/RS na Expointer. De tão impactante, foi republicado pelo Valor Econômico, com o título: “Número de produtores de leite caiu pela metade no RS nos últimos seis anos”. A reportagem ainda evidencia que apesar dessa debandada, a produção seguiu estável, o que é de se esperar em um processo de concentração.
Como eu já afirmei, não estou aqui querendo questionar uma tendência clara que é a concentração da produção. Mas confesso que me surpreendeu um movimento tão veloz, e acredito que esse é sim um problema social e, porque não dizer, setorial.
Ninguém sabe mensurar, quantos desses 46 mil produtores saíram por seleção natural e quantos foram eliminados por uma distorção mercadológica. Não preciso apresentar muitos dados para ficar clara a conclusão de que há um subsídio via preços do pequeno produtor para o grande, e isso por culpa única e exclusiva da insensibilidade da indústria para o problema.
Mais uma vez afirmo, esse não é um raciocínio em defesa do pequeno e muito menos contra o grande produtor, mas é tema que deve deixar alerta o grande produtor. Ele deve considerar que nessa toada, em menos de 2 anos, ele não terá disponível um subsídio médio de mais de, pelo menos, 20% em seus preços médios. Essa distorção de mercado impulsionou o crescimento das grandes e mega fazendas a taxas muito mais altas que a média das fazendas produtoras de leite brasileiras (as que restaram para a comparação, evidentemente).
A produção dos Top 100 no ano de 2019 alcançou média diária de 20.905 litros. Em comparação com 2001, o valor é 219,45% maior, enquanto o crescimento da produção formal no mesmo período foi de 89,0%.
Portanto, temos uma influência de duplo efeito para a redução do mix de preços para os grandes produtores: a saída dos pequenos produtores do mercado e o crescimento em produção dos grandes. Cada vez temos mais leite disponível no Brasil de grandes fazendas, e menos leite vindo das pequenas para dar sustentação ao MIX de preços imposto pela indústria.
Quando publiquei o primeiro texto, no final de 2018,, também expus o impacto social negativo desse movimento nas cooperativas e pequenos municípios. Dessa vez pretendo expor também o possível impacto na indústria.
Com menos produtores pequenos, que geralmente são os mais fidelizados e vinculados às indústrias, a tendência é que tenhamos vinculo setorial cada vez menor da indústria com o produtor primário, esfriando de vez as relações do setor. Porque não acreditar que no futuro, teremos grandes e médias fazendas assumindo o papel de vendedoras de leite spot para as indústrias, em pregões esporádicos como acontecem hoje entre as empresas.
Não é um prognóstico dos mais bonitos, nem dos mais otimistas, mas se ninguém fizer nada para dar sustentação aos pequenos e médios (bons) produtores, esse será o caminho inevitável do leite no Brasil.
Como quase tudo nos rumos do setor lácteo brasileiro, quem pode mudar o rumo e a tendência é a indústria. A criação de uma linha de política de pagamento mais justa, baseada em variáveis de qualidade e processos, pode ser o único caminho para que não sejam mortas todas as nossas galinhas dos ovos de ouro.
A saída dos pequenos e tradicionais produtores do mercado nacional é ruim para todos os envolvidos: eles próprios, técnicos, revendas, cooperativas, indústrias, grandes produtores, pequenas localidades e municípios.
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