É comum entre produtores o conceito de que a genética desempenha um papel importante na resistência à mastite, visto que em termos de rebanho algumas vacas, a despeito de dividirem o mesmo ambiente, manejo, nutrição com as demais, raramente se tornam infectadas. Além disso, as vacas leiteiras especializadas são na verdade o produto de vários séculos de cruzamentos objetivando o aumento da produção de leite, o que apresenta correlação positiva com o aumento da susceptibilidade à mastite.
Em suma, os programas de seleção genética que enfocam apenas o aumento da produção de leite têm como conseqüência o aumento do risco destes animais se tornarem infectados. Desta forma, características com potencial de resistência à mastite são importantes, visto que poderiam reduzir enormes prejuízos econômicos e melhorar o bem-estar animal.
Resultados promissores sobre o uso da técnica de produção de vacas transgênicas com objetivo de expressar genes que conferem resistência contra a mastite causada por Staphyloccoccus aureus foram publicados recentemente.
A escolha deste agente causador com alvo de estudos se deve à sua enorme dificuldade de controle, por ser um dos agentes mais prevalentes da mastite e pelo seu potencial de produzir toxinas no leite. Entre as causas da dificuldade de controle do S. aureus estão: resistência à maioria dos antibióticos, facilidade de transmissão e pelo fato do agente ser encontrado em diversas fontes.
No entanto, o S. aureus é particularmente sensível a uma enzima (endopeptidase) conhecida como lisostafina, a qual é produzida por outra espécie bacteriana, o Staphyloccoccus simulans. Esta enzima atua degradando a parede bacteriana do S. aureus e apresenta uma ação bastante específica.
Uma das possíveis formas de aumento da resistência à mastite seria a expressão de genes de origem bacteriana nas células epiteliais, as quais secretariam a listafina, cuja ação seria específica contra o S. aureus. Este procedimento foi um dos primeiros a demonstrar que a técnica de transgenia pode aumentar a proteção da glândula mamária contra um agente específico, o que somente foi possível depois de experimentos preliminares com animais de laboratório.
A obtenção de vacas transgênicas foi comprovada por um grupo de pesquisadores norte-americanos, já que nos animais transgênicos, a glândula mamária foi capaz de produzir leite com altas concentrações da lisostafina (0,9 a 14 micro gramas/ml). Nestes níveis de concentração, a lisostafina foi capaz de prevenir a instalação de infecção causada por S. aureus em desafios experimentais, por meio da infusão do agente dentro da glândula mamária.
Provavelmente, as bactérias que foram introduzidas e imediatamente degradadas, assim não houve crescimento do agente nas amostras de leite. Nas vacas sem esta característica de resistência, após a infusão de S. aureus dentro da glândula mamária ocorre a resposta imune da vaca, como o aumento das células somáticas visando a eliminação do agente causador (Figura 1).
É interessante destacar que estudos anteriores não demonstraram bons resultados com o uso da lisostafina como tratamento para mastite causada por S. aureus, uma vez que as taxas de cura foram semelhante a da maioria dos antibióticos disponíveis.
Os pesquisadores apontam que os bons resultados obtidos pela secreção de lisostafina no leite ao invés da sua infusão como tratamento se deve à eliminação de infecções experimentais, pois esta enzima deve ter atuado prevenindo a fase de estabelecimento da infecção no tecido mamário. Obviamente este é um primeiro estudo e representa apenas um primeiro passo no desenvolvimento de mecanismos de resistência à mastite e somente teria ação especificamente contra S. aureus.
Devido ser inédito o estudo, algumas questões sobre possíveis limitações ao processamento do leite e interferência em outras características da glândula mamária ainda necessitam de investigação. Por exemplo, devido à concentração de lisostafina presente no leite destes animais transgênicos, não se sabe se haveria interferência com o desenvolvimento da glândula mamária ou mesmo se algumas cepas de S. aureus poderiam se tornar resistente, de modo semelhante aos antibióticos. Adicionalmente, não se conhece se haveria alguma limitação de imunogenicidade (reações alérgicas) ou dificuldade de digestão nos consumidores. No tocante ao processamento, uma possível limitação seria a inibição de culturas láticas, mas a sua especificidade contra o S. aureus, torna este risco muito pequeno.
Os autores ainda levantam questões de aceitação por parte da opinião pública. Assim que existe grande debate na sociedade sobre a aceitação dos alimentos geneticamente modificados, não se sabe ao certo qual o impacto esta tecnologia pode ter se ampliado em escala comercial.
Por enquanto, a maior importância do estudo está no fato de demonstrar que há possibilidade de aumento da resistência de vacas leiteiras a um dos principais agentes causadores de mastite, contudo diversas questões ainda precisam por estudos adicionais.
Figura 1 - O S. aureus entra na glândula mamária através do canal do teto e utiliza o leite como nutriente para o seu crescimento e como veículo para disseminação pelos ductos e alvéolos. Na glândula normal (esquerda), a bactéria coloniza o epitélio, o que desencadeia da resposta imune. Na glândula das células que secretam lisostafina (direita), a bactéria é eliminada antes que possa causar danos ao tecido secretor e induzir a inflamação.
(Fonte: adaptado de Rainard, P. Nature Biotechnology v.23, p.431, 2005)
Fonte: Nature Biotechnology v.23, p.445 - 451, 2005.