Quando o leite é sintetizado pelas células epiteliais da glândula mamária dentro dos alvéolos, pode-se afirmar que o leite é praticamente estéril até a sua secreção dentro do úbere. Todavia, após este estágio de produção, o leite pode ser contaminado por microrganismos a partir de três principais fontes (Bramley e Mckinnon, 1990): de dentro da glândula mamária, da superfície exterior do úbere e tetos, e da superfície do equipamento de ordenha e tanque. Desta forma, a saúde da glândula mamária, a higiene de ordenha, o ambiente em que a vaca fica alojada e os procedimentos de limpeza do equipamento de ordenha são fatores que afetam diretamente a contaminação microbiana do leite cru. Adicionalmente, são igualmente importantes a temperatura e o período de tempo de armazenagem do leite, uma vez que estes dois fatores estão diretamente ligados com a multiplicação dos microrganismos presentes no leite, afetando, consequentemente, a contagem bacteriana total (CBT).
Infecções intramamárias como fonte de contaminação
Quando o leite sai do úbere de vacas sadias, a sua contagem de microrganismos é bastante baixa, apresentando valores inferiores a 1000 bactérias/ml (Kurweil, 1973). Mesmo em animais com boa saúde da glândula mamária, a cisterna do teto, o canal do teto e a extremidade do teto podem ser colonizados por uma ampla variedade de microrganismos, entretanto, a presença destes microrganismos não é considerada uma fonte importante de contaminação do leite em animais saudáveis. Além disso, estes microrganismos do interior da glândula mamária não apresentam grande potencial de multiplicação quando o leite é resfriado, resultando em pequena influência sobre a CBT do leite, considerando animais sadios.
Por outro lado, uma vaca apresentando mastite pode contribuir de forma significativa para a CBT do leite. A contribuição da mastite na CBT do leite, todavia, depende do tipo de microrganismo causador da infecção, do estágio e severidade da mastite e da porcentagem de animais infectados no rebanho. Exemplificando, uma única vaca com mastite clínica pode contaminar o leite com estreptococos em níveis acima de 10.000.000 ufc/ml (Cousin e Bramley, 1981), o que representa um aumento potencial da CBT do tanque, em um rebanho de 100 vacas, de aproximadamente 100.000 ufc/ml.
O principal grupo de agentes causadores de mastite associados com aumentos da CBT do leite é o Streptococcus sp, sendo que dentre as espécies mais importantes destacam-se o S. Agalactiae e S. Uberis. (Gonzáles, et al., 1986; Jefrey e Wilson, 1987), ainda que outros agentes possam ter influência sobre a CBT. Diferentemente do grupo dos estretococos, o Staphylococcus aureus não é normalmente implicado em situações de altas CBT do leite de animais infectados com este agente, mas contagens de 60.000 ufc/ml já foram encontradas em rebanhos infectados por S. Aureus (Gonzáles, et al., 1986).
O isolamento de agentes causadores de mastite no leite do tanque não implica, necessariamente, que estes microrganismos vieram de animais infectados, pois alguns destes microrganismos podem ser encontrados no ambiente, tais como: vacas sujas, equipamento com limpeza deficiente e resfriamento inadequado. Sendo assim, a avaliação da CCS do tanque pode ser um indicativo útil para definir se os microrganismos encontrados no tanque são ou não de origem de animais infectados. Analisando alguns microrganismos causadores de mastite, o isolamento tanto de S. Aureus quanto de S. Agalactiae é uma forte evidência de animais infectados no rebanho (Gonzáles, et al., 1986), entretanto o isolamento de coliformes, estreptococos e estafilococos coagulase-negativa está associado com o ambiente da vaca e pode afetar a CBT por outros meios, mas não vindos de origem do interior da glândula mamária (Bramley, 1982).
Exterior do úbere como fonte de contaminação do leite
A pele dos tetos e do próprio úbere pode abrigar microrganismos que contaminam o leite, influenciando assim a CBT. Estes microrganismos podem ser da microbiota normal da pele dos tetos ou mesmo de origem de áreas de alojamento das vacas no período entre as ordenhas. Entre estes dois grupos, os microrganismos que colonizam normalmente a pele do teto são considerados como de menor importância, pois não se multiplicam bem no leite resfriado. Por outro lado, as bactérias aderidas na pele do teto, mas que são de origem de esterco, lama, solo e do ambiente, de forma geral, são implicadas de forma direta na contaminação do leite.
Durante o intervalo entre as ordenhas, enquanto as vacas estão deitadas, ocorre intensa contaminação da pele dos tetos e do úbere, principalmente se o ambiente estiver altamente contaminado. A cama ou local de permanência dos animais pode abrigar elevadas cargas microbianas, podendo atingir CBT de 108 a 1010 ufc/ml (Bramley, 1982; Hogan, et al., 1989). Nestas condições, os principais microrganismos isolados são estreptococos, estafilococos, microrganismos formadores de esporos, coliformes e outras bactérias Gram-negativas. A pele do teto das vacas antes da ordenha pode estar contaminada por microrganismos psicrotróficos (aqueles capazes de crescer em baixas temperaturas) e os termoduricos, os quais são resistentes à pasteurização (Bramley e Mckinnon, 1990).
O efeito final da contaminação da pele do teto e úbere sobre a CBT depende da intensidade de contaminação da superfície dos tetos e dos procedimentos de limpeza e desinfecção dos tetos sujos antes da ordenha. A ordenha de vacas com tetos sujos e com alta contaminação ambiental pode resultar em contaminação do leite do tanque acima de 10.000 ufc/ml. Por exemplo, a entrada de 1 g de lama ou esterco, cuja CBT pode ser de 108 a ufc/ml pode resultar em contaminação do leite acima de 7.000 ufc/ml.
Objetivando reduzir o impacto deste tipo de contaminação externa, diversos estudos avaliaram o uso da desinfecção dos tetos antes da ordenha, também conhecido como pré-dipping, como estratégia de melhoria da qualidade do leite e, adicionalmente, para o controle de mastite (Galton et al. 1984; Pankey, 1989). Em uma série de estudos, Galton et al. (1984) compararam vários métodos de preparação do úbere antes da ordenha: lavagem dos tetos e úbere com água com e sem desinfetante, lavagem apenas dos tetos com água com e sem desinfetante, e a combinação destes procedimentos com e sem a secagem com papel toalha. Os resultados deste estudo apontaram que a maior redução da CBT do leite foi obtida quando apenas os tetos foram lavados com desinfetante e secados com papel toalha. Adicionalmente, o uso apenas da desinfecção dos tetos antes da ordenha seguida da secagem completa dos tetos também se mostrou igualmente eficaz na redução da CBT do leite. Os resultados do estudo enfatizaram a importância da secagem manual dos tetos como forma de reduzir a contaminação dos tetos e, por conseqüência, da CBT do leite.
Além dos efeitos positivos sobre a qualidade do leite, os procedimentos de preparação do úbere antes da ordenha têm efeito importante sobre a ocorrência de novas infecções intramamárias, visto que o risco destas novas infecções está diretamente associado com a intensidade de contaminação da extremidade do teto (Pankey, 1989). Desta forma, um dos objetivos da desinfecção dos tetos antes da ordenha é reduzir a contaminação da extremidade dos tetos e, consequentemente, reduzir o risco de novas infecções.
Referências consultadas
1. Bramley, A.J. 1982. Sources of Streptococcus uberis in the dairy herd I. Isolation from bovine feces and from straw bedding of cattle. J. Dairy Res. 49:369.
2. Bramley, A.J., C.H. McKinnon, R.T. Staker and D.L. Simpkin. 1984. The effect of udder infection on the bacterial flora of the bulk milk of ten dairy herds. J. Appl. Bacteriol. 57:317.
3. Cousin, C. M., Bramley, A. J. The microbiology of raw milk. In Dairy Microbiology. Vol 1: The microbiology of Milk. p.119-163. R.K. Robinson. London: Applied Science, 1981.
4. Galton, D.M., R.W. L.G. Petersson, W.G. Merrill, D.K. Bandler, and D.E. Shuster. 1984. Effects of premilking udder preparation on bacterial counts, sediment and iodine residue in milk. J. Dairy Sci. 67:2580.
5. Gonzalez, R.N., D.E. Jasper, R.B. Busnell, and T.B. Farber. 1986. Relationship between mastitis pathogen numbers in bulk tank milk and bovine udder infections. J. Amer. Vet. Med. Assoc. 189:442.
6. Hogan, J.S., K.L. Smith, K.H. Hoblet, D.A. Todhunter, P.S. Schoenberger, W.D. Hueston, D.E. Pritchard, G.L. Bowman, L.E. Heider, B.L. Brockett and H.R. Conrad. 1989. Bacterial counts in bedding materials used on nine commercial dairies. J. Dairy Sci. 72:250.
7. Jeffrey, D.C. and J. Wilson. 1987. Effect of mastitis-related bacteria on the total bacteria counts of bulk milk supplies. J. Soc. Dairy Technol. 40(2):23.
8. Kurweil, R., and M. Busse. 1973. Total count and microflora of freshly drawn milk. Milchwissenschaft 28:427.
9. Pankey, J.W. 1989. Premilking udder hygiene. J. Dairy Sci. 72:1308.
10. Santos-MV; Laranja-da-Fonseca-LF. Importância e efeito de bactérias psicrotróficas sobre a qualidade do leite. Higiene-Alimentar. 15:82, p. 13-19, 2001.