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Uma "mente brilhante" por trás da guerra fiscal

MARCELO PEREIRA DE CARVALHO

EM 08/02/2006

8 MIN DE LEITURA

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A chamada corrida armamentista, no auge da Guerra Fria, tinha o objetivo de garantir aos Estados Unidos ou à antiga União Soviética uma supremacia militar que pudesse significar maior poder e influência para o capitalismo ou para o socialismo, respectivamente. O resultado desse processo foi que ambos gastaram bilhões de dólares e continuaram sem a supremacia militar desejada; ambos podiam aniquilar e ser aniquilados ao simples apertar de botões.

Porque isso ocorreu? Não estariam EUA e URSS melhores caso tivessem combinado uma estratégia comum mais interessante, que evitasse gastarem fortunas que, ao final das contas, pouco serviram em relação aos objetivos iniciais? Sem dúvida, havia uma solução mais interessante - não haver a corrida armamentista - mas é possível explicar porquê esta solução foi preterida em favor de outra reconhecidamente pior.

Supondo que a URSS não se armasse, a melhor solução para os EUA seria se armar, pois nesse caso inevitavelmente conquistaria a tão desejada supremacia. De forma alternativa, no caso da URSS se armar, a melhor decisão para os EUA seria logicamente também se armar, caso contrário seria dominado pelo inimigo. Percebe-se, desta maneira, que, qualquer que fosse a estratégia do adversário, a melhor alternativa para os EUA (e vice-versa) seria a de investir nos armamentos. Ambos têm, portanto, uma estratégia dominante, isto é, aquela que se sobressai independentemente do que o oponente fizer, daí o resultado final ter sido o investimento de bilhões de dólares apenas para se chegar ao mesmo equilíbrio militar que antes vigorava.

Esse é um exemplo típico da Teoria dos Jogos, formulada pelo matemático húngaro John von Neumann na primeira metade do século XX e aperfeiçoada pelo matemático norte-americano John Nash, que ganhou o Prêmio Nobel de Economia em 1994, tendo se tornado mundialmente conhecido depois ao ter sua vida retratada no filme "Uma Mente Brilhante".

A Teoria dos Jogos ajuda a explicar não só o comportamento dos governos, mas também de empresas e mesmo indivíduos. Nosso objetivo aqui não é explicar detalhadamente a teoria nem discutir todas as suas particularidades e extensões, mas sim usá-la como moldura para um problema atual da economia brasileira, a chamada Guerra Fiscal, que têm afetado inclusive os lácteos.

A Guerra Fiscal, assim como a Guerra Fria em relação ao poderio militar, é um processo em que estados concorrentes oferecem vantagens tributárias com o objetivo de tornar sua economia mais competitiva, isto é, de obter a supremacia econômica. A esta altura, o leitor já pode utilizar os ensinamentos de Neumann & Nash e imaginar que, caso um determinado estado não der um incentivo, o outro estará melhor se der; por outro lado, caso o primeiro estado dê determinado incentivo, também a melhor estratégia para o outro será oferecer o incentivo, de forma que dar o incentivo é a estratégia dominante para ambos.

Logicamente, a aplicação dos incentivos por determinado estado irá suscitar ações reativas dos demais estados e o resultado é que todos terão incentivos, a arrecadação conseqüentemente diminuirá e não haverá ganho real de competitividade relativa entre os estados que, no final das contas, era o objetivo. Uma simples busca no MilkPoint mostrará uma infinidade de artigos envolvendo principalmente a questão do ICMS, em que "vitórias" alcançadas pelo setor em um estado são rapidamente neutralizadas, dependendo do grau de organização da cadeia e de sua importância relativa para a economia, pelos estados que se sentiram prejudicados.

É importante ressaltar aqui que não estou analisando o mérito das isenções tributárias envolvendo lácteos, bem como não é objetivo do artigo discutir a adequação da atual carga tributária, mas sim mostrar que, apesar de ser calcada em um processo racional e explicável, a Guerra Fiscal tende a não alcançar os objetivos a que se propõe. É evidente que a redução de impostos em si é um fator positivo para toda a cadeia.

Há outras conseqüências não menos relevantes, decorrentes da Guerra Fiscal. Uma delas é ética: promover o desenvolvimento através de medidas artificiais ou de soluções que empurrem os problemas para fora de suas fronteiras pode ser justificável economicamente, mas não é ético. O Japão tem 74% de sua área coberta por florestas, sendo a economia desenvolvida com o meio-ambiente mais bem preservado do mundo, apesar da enorme densidade populacional. Porém, ao mesmo tempo em que consegue essa façanha, o Japão é o maior importador mundial de madeiras, ou seja, para preservar seu ambiente, tem como produto de exportação o desmatamento em outros países.

A outra conseqüência prejudicial ao ambiente competitivo é a manutenção de uma excessiva dependência governamental por parte das empresas, que passam a depositar nos (necessários) favores do governo parte significativa de seu valor agregado e de sua vantagem competitiva. Sabe-se de empresas e setores que dependem dos benefícios fiscais para operar, a ponto dos mesmos serem incorporados nos balanços das empresas. Fica a dúvida se a relação de causa e efeito é esta mesma ou a oposta: por ter os benefícios, acabam não desenvolvendo formas de competir na ausência destes.

Vale aqui uma outra nota, até para não ser taxado de ingênuo. Se a regra do jogo é essa, perde quem não aplicá-la. Além disso, em uma democracia, é lícito que grupos se organizem para lutar por seus direitos. O problema é que, no Brasil, a busca por soluções via governo tem sido uma tônica. Governo bom é governo que dá concessões. Na Revista Exame de 1º de fevereiro, uma interessante matéria retrata um livro sobre a epopéia da criação do Vale do Silício nos EUA, tendo como figura central Robert Noyce, um dos criadores da Intel. Diz a matéria: "No surgimento do Vale do Silício, os impostos sobre ganhos de capital (...) chegavam a 47%. Em 1978, Noyce defendeu a redução da alíquota do imposto de renda sobre aplicações de risco na bolsa. O governo Jimmy Carter derrubou a taxação para 28%. Mas, afora esses casos gritantes, Noyce sempre foi desconfiado e cético em relação à ajuda governamental. Ele a considerava obscena e estéril. Não via como um ambiente sem desafios pudesse render boas pesquisas e inovações - exatamente o contrário da desastrosa experiência brasileira da reserva de mercado".

O exagero da dependência governamental, fermentado pela Guerra Fiscal, acaba fazendo com que as empresas desviem o foco de atuação. O departamento jurídico e consultores tributários, em alguns casos, passam a ser mais relevantes para o sucesso das empresas do que pesquisa e desenvolvimento, planejamento estratégico, marketing ou recursos humanos. Presenciei uma vez uma empresa do setor lácteo reativando uma linha de produção em um estado em função de incentivos fiscais, contratando gente e refazendo planos, para não mais do que 30 dias depois reverter tudo, diante de um novo incentivo concedido pelo outro estado em que a empresa possuía plantas. Nesse ambiente, fica difícil pensar no longo prazo e o setor como um todo acaba se prejudicando. Dentro disso, foi positivo ouvir do secretário da agricultura de São Paulo, Duarte Nogueira, na última reunião da Câmara Setorial de Lácteos do estado, que o setor precisa se repensar em um ambiente em que nacionalmente subsídios governamentais dessa natureza deixem de existir.

Há, ainda, um outro aspecto que torna estes incentivos progressivamente anacrônicos. Muitas empresas estão posicionadas em vários estados, seja captando leite, seja processando em mais de um estado. Medidas aplicadas por um estado não necessariamente são de interesse de uma empresa que têm plantas nesse local. Isso vale inclusive para o comércio internacional: muitas empresas de origem européia querem o fim dos subsídios agrícolas porque estão convenientemente posicionadas em países mais competitivos e teriam muito mais a ganhar com a liberação. A noção geográfica tende a perder espaço para uma lógica econômica diferente, mais baseada nos interesses empresariais.

Falando em interesses, estes não são, por fim, totalmente convergentes. Estados importadores de matéria-prima apresentam uma divergência óbvia: enquanto produtores querem dificultar a entrada de leite de outros estados carregando incentivos fiscais, para indústrias essa medida é danosa, visto que encarece o custo da matéria-prima, o que não contribui para a coesão da cadeia produtiva.

Em resumo, a Guerra Fiscal é injustificável em função de não atingir os objetivos a que se propõe (ainda que a redução dos impostos, um dos efeitos colaterais que poderia inclusive ser obtido de outras formas, seja favorável), bem como por questões éticas, pelo fato de representar um entrave ao desenvolvimento e a competitividade das empresas no longo prazo e pela própria lógica do sistema, que se perde à medida que as empresas se tornam mais nacionais e menos estaduais.

A mudança, porém, é pouco provável de ocorrer de forma fácil, como já nos explicou a Teoria dos Jogos, pois a tentação para evitar um acordo é elevada, uma vez que a estratégia dominante é sempre oferecer os benefícios. Em outras palavras, eventuais acordos, quando não regidos e garantidos por uma instância superior, não oferecem credibilidade. É o mesmo problema verificado no comércio internacional, ao tratarmos de sanções comerciais e barreiras. A mudança, nesse caso, vem de cima. O papel da OMC (Organização Mundial do Comércio) é justamente elaborar e aprovar o conteúdo de regras destinado a promover o comércio internacional e a cooperação, tornando possível que os países assumam, com credibilidade, compromissos de não elevar tarifas ou outras barreiras ao comércio.

Por mais dependentes que estejamos hoje da briga por benefícios fiscais e por mais entrincheirados que os estados foram forçados a ficar por conta da Guerra Fiscal, é fundamental reconhecer que essa não é a melhor forma de competir se o objetivo é ter uma cadeia lucrativa e sustentável no longo prazo, capaz de preservar e ampliar seus mercados.



 

MARCELO PEREIRA DE CARVALHO

Engenheiro Agrônomo (ESALQ/USP), Mestre em Ciência Animal (ESALQ/USP), MBA Executivo Internacional (FIA/USP), diretor executivo da AgriPoint e coordenador do MilkPoint.

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HELENO GUIMARÃES DE CARVALHO

PALMAS - TOCANTINS - PROFISSIONAIS DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS

EM 22/02/2006

Diante do brilhante texto exposto pelo Dr. Marcelo, cabem algumas considerações a respeito dos reais motivos das concessões dos benefícios fiscais e colocar algumas dúvidas nas cabeças dos leitores, de forma mais singela utilizando como analogia personagens que habitam minha modesta e bucólica mente nem tão brilhante;



A guerra fiscal é muito mais movida por questões pessoais e vaidades do que propriamente por questões sociais e econômicas, que são as principais finalidades dos impostos ou deveriam ser, pois sempre que aparecem cálculos de justificativas sobre o motivo das benesses concedidas aparecem de forma quase empírica os ganhos indiretos como os principais motivos.



As concessões quase sempre são baseadas em ganhos em longo prazo, ou seja, com as concessões sendo diminuídas de forma progressiva, alimentando assim a falsa expectativa da contribuição integral. Mas, à medida que esta data tão esperada se aproxima os governos locais são quase que chantageados com a hipótese da mudança da planta fabril de local, assim prorrogando as isenções, pois nenhum governante quer ser acusado da demissão e da diminuição do PIB entre outras acusações.



A injustiça quase sempre domina, pois as referidas isenções ou subsídios só alcançam as grandes empresas sendo as pequenas e médias lançadas em uma concorrência desleal, cabendo o termo injusto, pois as menores empresas acabam sendo mais tributadas que as maiores, e os estados acabam se tornando um Roobin Wood às avessas, que tira dos pobres para dar aos ricos.



Diante dos últimos fatos amplamente noticiados nos jornais, sobre os financiamentos de campanhas, faz brotar na cabeça de cada cidadão com um mínimo de senso crítico, os reais motivos que fazem com que a classe política sem distinção de bandeira partidária se interesse tanto em ter em seus quintais grandes empresas, vistos serem estas mesmas as grandes contribuintes às campanhas eleitorais.



Assim os comparo à fábula do João do pé de feijão, que plantando a semente mágica trocada na vaquinha da família, a cada vez que precisasse de dinheiro bastava tomar emprestada a pata que botava ovos de ouro, pena que a nossa história seja real e a vaquinha é de cada um de nós, paga com o suor de cada cidadão.

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